Bolsonaro é tão ponto fora da curva que o velho ditado “quem não te conhece que te compre” não tem muita relevância em sua vitória; na Política com “P” maiúsculo a melhor saída é construída a partir da participação de todos

Jair Messias Bolsonaro foi eleito presidente da República naquele domingo 28/10. Escorado no sentimento vulgar e vago do antipetismo, que colaborou para os quase 57,7 milhões de votos, desbancou o petista Fernando Haddad. A maioria dos brasileiros que participou do pleito, que foi votar, preferiu o capitão da reserva do Exército e deputado federal com quase trinta anos de carreira política. Ele estará à frente do País e de seus mais de 200 milhões de brasileiros nos próximos quatro anos.
Charge: Renato Machado
O resultado e algumas idas e vindas, já previstos pela incapacidade e despreparo do presidente eleito, estão dados. Este artigo não é de lamentação. Ao contrário, busca ser o mais propositivo dos últimos dois anos – período marcado pela cobertura independente, fundada em valores caros para o articulista, dos desmandos de Michel Temer à frente da Presidência da República. Oposição por oposição não leva a lugar algum e só não é um jogo estático porque as peças do tabuleiro político desconhecem isso. A oposição por pura birra torna a situação vitoriosa sem que ela tenha de fazer esforço para tal. “Facilita o trabalho”, diriam por aí.
Charge: Renato Machado
Por isso, toda articulação com o objetivo de unir forças, inclusive partidárias, para fiscalizar o novo governo é válida. A criação de blocos, como correm as notícias, envolvendo siglas de espectros em certa medida opostos; encontros entre lideranças, como o de Ciro Gomes e Marina Silva recentemente; e o uso consciente da força política do Partido dos Trabalhadores – PT, dono da maior bancada na Câmara Federal com 56 deputados e legenda de 4 senadores eleitos, devem ser incentivados e direcionar o movimento de oposição ao presidente eleito e sua agenda programática. Sem excluir ninguém e com o senso agregador apurado, é possível impedir os desmandos de Bolsonaro.

Bolsonaro eleito, e agora?

O agora nem sempre retrata o tempo presente. Às vezes ele é apenas um novo momento para o velho, para o passado. O pós-eleição de Jair Bolsonaro é exatamente como alertou quem se ateve aos fatos e analisou friamente a então candidatura do capitão aposentado. Se já era algo nebuloso, continua sendo. Se já era estratégico e estimulava os piores sentimentos da opinião pública para chegar ao poder, mantém a mesma tática com a diferença de que agora é para não perder o comando. Não mudou porque não vai mudar. Isso não quer dizer que terá tempos fáceis. Provocado por uma oposição afirmativa, o desgaste mais intenso é questão de tempo.
Charge: Claudio Mor
A pouco mais de um mês da posse em 1º de janeiro, o desgaste já dá sinais, apesar de não ser resultado de um trabalho articulado pela oposição. O próprio Jair esquece que agora é presidente e, num lapso, atira para todos os lados com a sua Taurus, atingindo a si mesmo.

Bolsonaro é tão ponto fora da curva que o velho ditado “quem não te conhece que te compre” não tem muita relevância em sua vitória, porque mesmo quem o conhecia o comprou como sendo o melhor

O gato que havia comido a língua do agora presidente a devolveu assim que a apuração apontou a vitória. Com ela na boca, Bolsonaro saiu falando aos quatro ventos que iria, sim, fundir os ministérios da Agricultura e Meio Ambiente; que iria retirar a autonomia de órgãos de transparência pública e de combate a desvios; que vai extinguir o Ministério do Trabalho, incorporando-o sabe-se lá em qual outra pasta; e que a contrarreforma da Previdência proposta pelo presidente-nosferatu Michel Temer precisa ser aprovada ainda este ano. Contrarreforma que, a propósito, é impopular e foi repelida pela sociedade brasileira no início do ano, inclusive pelo presidente eleito que se recusava a votar as mudanças no regime previdenciário.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Bolsonaro é tão ponto fora da curva que o velho ditado “quem não te conhece que te compre” não tem muita relevância em sua vitória, porque mesmo quem o conhecia o comprou como sendo o melhor. Sabiam o que estavam “levando para casa”. Entre os que não adquiriram a plataforma e a trupe que vem na esteira, não o fez pelo mesmo motivo: conhece, sabe do que e de quem se trata. 

Nas duas primeiras semanas de presidente eleito, Bolsonaro protagonizou muitos movimentos. Foi e voltou algumas vezes. O que não deixa de ser natural para quem parece estar ultrapassando a fenda do mundo “whatsappeano”, em que imperam termos-chaves como “kit gay” e “comunismo”, para o mundo real, muito mais pragmático e, no Brasil, bem corporativista.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Jair Bolsonaro abdicou-se do debate após o repudiável ataque de 6 de setembro. Não que antes daquela data tenha permitido colocar seu programa de governo ao escrutínio da opinião. Tanto em entrevistas como nos dois debates em que participou, na TVBandeirantes e RedeTV, Bolsonaro pouco apresentou ao eleitorado brasileiro.

Agora eleito, ele tem observado que, vida política democrática, nem tudo o que se diz ou planeja em campanha é fácil ou difícil de implementar. Às vezes é impossível, mesmo. “Não rola”.

A equipe econômica de Bolsonaro já sente na pele o calor pragmático da capital federal. O Congresso não vai aprovar a contrarreforma da Previdência enquanto a equipe do presidente eleito não apresentar as contrapartidas. Deu na mídia tradicional que eles estão dispostos a incorporar ao governo aqueles que colaborarem com as pretensões de Bolsonaro. A velha troca de votos por cargos.


O Brasil de Bolsonaro é grande o suficiente e terá um lugarzinho para o presidente-nosferatu, sem prerrogativa de foro, não cair nas garras da justiça.


O Judiciário e o Ministério Público – aqui leia-se o presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, Dias Toffoli, e a Procuradoria-geral da República, Raquel Dodge, – trabalharam juntos pela aprovação do reajuste salarial em 16%. Após dois anos de tramitação, os projetos de leis – PLC 27/16 e PLC 28/16 –, que aumentam os salários dos ministros da Suprema Corte e do Procurador-geral da República de 33,7 mil reais para 39,3 mil reais, foi aprovado um dia depois de o ministro da economia de Bolsonaro, Paulo Guedes, em reunião ainda nos bastidores da solenidade de comemoração dos 30 anos da Constituição, no Senado, ter defendido uma “prensa” para os parlamentares aprovarem as mudanças na Previdência. “Não pegou bem” e a retaliação veio de pronto. O plenário do Senado aprovou e enviou o projeto para Temer, que deve barganhar antes de sancionar ou vetar a proposta. Ele precisa de um lugar para ficar a partir de janeiro, porque, assim que passar a faixa presidencial ao eleito, a 1ª instância da justiça federal o espera.
Imagem: Quadrinsta (@quadrinsta no Instagram e Twitter)
O positivismo do articulista o faz acreditar que Michel Temer será duramente investigado a partir de 2019. No mundo real, isso não deve acontecer. O Brasil de Bolsonaro é grande o suficiente e terá um lugarzinho para o presidente-nosferatu, sem prerrogativa de foro, não cair nas garras da justiça.

Justiça que, com a posse do capitão da reserva, deixará de ter o seu “semideus”. O agora ex-juiz federal Sergio Moro comandará o Ministério da Justiça do novo governo.

Moro na Justiça

Após ter condenado aquele que seria o principal adversário de Bolsonaro nas urnas, em um processo cheio de vícios e alvo de denúncias por juristas de todo o mundo, Moro aceitou a “carta branca” oferecida por Bolsonaro. Estará à frente da justiça, segurança pública e pode ainda comandar órgãos de controle como a Controladoria-geral da União, ligado hoje ao Ministério da Transparência – que o presidente eleito já falou em extinguir –, e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras - Coaf, organismo de combate à lavagem de dinheiro vinculado ao Ministério da Fazenda. O articulista escreve “pode” porque Bolsonaro titubeia, é despreparado e, diferente do jingle de Paulo Skaf em 2010, não sabe tomar decisão. É muito provável que volte atrás.  
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Ao lado de Paulo Guedes, Moro será também um “superministro” de Bolsonaro. Com poderes a perder de vista, o ex-juiz federal considera seu novo chefe “moderado” e não o enxerga como “risco à democracia”. Em nome do combate a corrupção, Moro não ver problemas em ceder sua “mão de obra” ao sujeito que guarda admiração pelo torturador mais violento da ditatura civil-militar, de acordo com os relatórios da Comissão da Verdade, e também não ver nada de mais em integrar a trupe bolsonarista dos deputados federais Onyx Lorenzoni (DEM-RS) – acusado assumido de ter usado de Caixa 2 de campanha e ministro da Casa-civil do novo governo – e Alberto Fraga – condenado à prisão, em 1ª instância, por ter sido gravado cobrando o pagamento de propina no valor de 350 mil reais –. Este último chegou a ser indicado como secretário-chefe da Presidência, mas devido a grita foi deixado de lado – apenas diante o público, porque nos bastidores ele sempre foi um articulador querido do presidente eleito. Os nomes são apenas exemplos. Na estrutura de apoio ao presidente eleito há outros. De condenado por crimes de violência contra a esposa a senador – não reeleito – que usa recursos públicos em benefício de amigos proprietários de posto de gasolina estão todos lá.

Sérgio Moro deixa a Justiça Federal do Paraná, onde estava desde 1996, para se juntar ao submundo da política nacional

No caso de Lorenzoni, Moro disse em entrevista coletiva que o parlamentar teria pedido desculpas pelos erros. E pior, ele teria aceitado o tal arrependimento. Se em algum momento o braço direito de Bolsonaro cometeu crimes e quisesse pedir desculpas, estas deveriam ser dirigidas ao povo brasileiro, sobretudo àqueles que o elegeu. Somente eles poderiam avaliar tal iniciativa e não o agora ex-juiz federal, que só teria esse direito caso não tivesse deixado seu lugar de magistrado e a situação de Lorenzoni estivesse sob os seus cuidados. 
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Sérgio Moro deixa a Justiça Federal do Paraná, onde estava desde 1996, para se juntar ao submundo da política nacional. Engana-se quem pensa que o ex-juiz sonha em sentar numa das cadeiras no STF. Ele quer a Presidência. Não largaria a boa vida da ponte aérea Curitiba-EUA para se colocar no centro do picadeiro da capital federal e apenas substituir o ministro decano Celso de Mello, em 2020. Isso só viria a acontecer se tudo der muito errado.

Bolsonaro deve trabalhar para aprovar mais uma – a dele – “reforma política”. Nos seus moldes, reduzirá o número de parlamentares, o que retira de cena parte considerável de seus opositores – candidatos à esquerda em geral não são de grandes puxadores de votos –, e extinguirá a reeleição criada por FHC em 1997. A se confirmar, Moro estaria com o caminho aberto.
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E mesmo que Bolsonaro venha tentar a reeleição, não esqueça que o ex-juiz federal é um “semideus”, sumidade em alguns bares. Ele pode deixar o barco bolsonarista – e deve o fazer se sentir que o patrão está para demiti-lo – e buscar sua eleição por um nanico qualquer, à semelhança do que fez o “mito” das redes.

Por que o Brasil precisa dar certo?

Ao longo dos últimos dois anos parte considerável da população brasileira tem amargado sucessivas derrotas e o (des)governo Temer, com a teimosia intencionada de sua agenda econômica, acumulando revezes nas tentativas de retomar a economia para além dos indicadores de inflação e taxa de juros, que estão controlados não porque o País alcançou um regime fiscal consciente ou venceu suas pendências reformistas, mas pela falta de consumo – mecanismo imprescindível para economias que defendem o capitalismo de mercado.
Charge: Renato Machado
As famílias, sobretudo as mais pobres, estão de mãos e bolsos atados. O mal do desemprego, que quando da saída de Dilma Rousseff, em maio de 2016, respondia por 10,9% ou pouco mais de 11 milhões de pessoas, alcança hoje 12,7 milhões de brasileiros, segundo o IBGE. Este número aumenta quando considerados os trabalhadores subutilizados, grupo que gostaria de cumprir carga horária de ao menos 40 horas por semana. Ainda segundo o IBGE, 27,3 milhões de brasileiros se encontram nessa situação.

O cenário vendido pelos parlamentares quando da tramitação e aprovação da contrarreforma trabalhista, que completou um ano, de que com a chamada “modernização” surgiriam às oportunidades de emprego, não se confirmou – como não se confirmaria mesmo. A precarização nunca foi saída. Tanto é que, em dezembro de 2014, o País alcançou o pleno emprego com todos os direitos da CLT assegurados.
Imagem: Quadrinsta (@quadrinsta no Instagram e Twitter)
Não por acaso este articulista e este JC sempre se colocaram contra as mudanças. Elas são ruins e perversas sob todos os aspectos. Atinge diretamente o trabalhador mais vulnerável – em referência àqueles que ganham entre um e dois salários mínimos –, que perde resguardo jurídico e observa direitos trabalhistas se tornarem facultativos, e a própria arrecadação previdenciária, já que a informalidade tende a crescer – como aconteceu neste último ano –. Além de impedir o crescimento da arrecadação do Sistema Previdenciário, a informalidade não permite ao trabalhador consumir com segurança porque o índice de rotatividade, ou seja, de perder o emprego, é alta, e o salário é baixo devido à precariedade – de acordo com o IBGE, ao final de julho a chamada “massa de rendimentos habitual”, soma de todos os valores dos trabalhadores, ficou em 199,9 bilhões reais, mesmo patamar detectado no trimestre de 2017.

Com o seu discurso de enxugamento da Máquina Pública, Jair Bolsonaro pretende acabar com o Ministério do Trabalho, incorporando-o à outra pasta. Caso se confirme, a iniciativa será um ataque ainda maior contra o trabalhador brasileiro, que ficará sem representante na esplanada enquanto o patronato mantém suas intensas atividades por meio de lobby financiado e desregulamentado. O que seria isso à alguém que já assistiu a criminalização dos sindicatos, até então representantes dos anseios da classe trabalhadora, e a perda de alguns de seus direitos?
Charge: Claudio Mor
É bem verdade que os escândalos de corrupção recaíram sobre o Ministério nos últimos tempos e a difusão de entidades representativas, muitas que usam dos interesses trabalhistas com o objetivo de crescimento pessoal ou de um grupo privilegiado, colaboram para o desinteresse pela manutenção da pasta. Porém, na Política com “P” maiúsculo a melhor saída é construída a partir da participação de todos. E o Ministério é importante no estabelecimento de salvaguardas à classe trabalhadora e no combate a ilegalidades como o trabalho escravo.

Não se criminaliza grupos ou extingue espaços de trabalho a torto e direito. Fazer isso é o mesmo que atestar a falta de tato com a gestão do público

Se a agenda de Michel Temer sofria críticas por não ter sido a escolha da maioria dos votantes em 2014, a de Bolsonaro também não foi a preferida deste ano. As alterações agora discutidas, apesar de legitimadas pelo voto da maioria, não foram abordadas em campanha.
Imagem: Chargista Laerte Coutinho
Não se criminaliza grupos ou extingue espaços de trabalho a torto e direito. Fazer isso é o mesmo que atestar a falta de tato com a gestão do público. É fato que Bolsonaro e trupe não o têm. Mas o Brasil precisa dar certo. Há brasileiros(as) se apegando a isso por não enxergar saída melhor.
Imagem: Charge de Renato Aroeira
Infelizmente não dará certo e isso não se trata de torcida contrária, mas sim de uma constatação da realidade, construída sempre com base no passado, que descreve um presidente incapaz, desequilibrado, autoritário e sem ideias. Soma-se a isso os asseclas.

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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