Menos de quatro anos após o crime socioambiental de Mariana, o Brasil se vê novamente na lama, agora em Brumadinho; aumenta a pressão sobre o (des)governo Bolsonaro e sua agenda pró-exploração
*Texto em atualização (às 01:08, de 23/02/2019)
A começar pelo próprio ministro de Meio Ambiente, Ricardo
Salles, condenado em uma ação civil pública por improbidade administrativa ao favorecer, segundo a sentença, mineradores instaladas em São Paulo, passando pelo general da
reserva do Exército Franklimberg Ribeiro, escolhido para presidir a Fundação Nacional do Índio – FUNAI e com histórico de participação em empresa multinacional de mineração, a Jair Bolsonaro, que, apesar de não ter integrado a chamada
bancada ruralista quando era parlamentar, como presidente da República tem
feito defesa explícita de uma plataforma pró-exploração ambiental, com menos mecanismos
de regulamentação e enfraquecimento de políticas de prevenção e redução de danos
ecológicos, o (des)governo teve na tragédia de Brumadinho a primeira prova de
fogo.
O presidente Jair Bolsonaro esteve em Brumadinho, sobrevoou
a região em um helicóptero, mas, como tem se tornado praxe, não cumpriu a
expectativa e deixou de participar de uma entrevista coletiva no aeroporto de
Confins, em Belo Horizonte. Bolsonaro deixou capital mineira sem se pronunciar.
Da mesma forma – calado –, em sua viagem de volta, o presidente chegou ao
Distrito Federal, onde falou rapidamente com a imprensa, tirou selfies com os seguidores que gritavam “mito,
mito” no aeroporto e reforçou que contará com o apoio de Israel em tecnologia
para a busca das vítimas.
Cobrança por investigação independente e reparo, na medida
da possível, às famílias de vítimas deve permear todas as ações que envolvem o
ainda desastre ambiental. O termo “ainda” é aplicado porque, assim como em
Mariana, tudo indica que o tempo confirmará a negligência como pilar da relação
entre órgãos públicos e empresas de exploração ambiental, o que, na prática,
reforça o status de crime.
*Texto em atualização (às 01:08, de 23/02/2019)
Há três anos, dois meses e 21 dias, em 5 de novembro de 2015, o rompimento da barragem de Fundão, localizada entre
os distritos de Mariana e Ouro Preto, a 100 km da capital mineira de Belo
Horizonte, causava uma mistura de choque, anestesia e indignação em quem
acompanhava, a partir da tevê, as imagens da onda incontrolável de lama que
devastava vilarejos próximos à mineradora Samarco, empresa administrada pela
Vale S.A e a anglo-australiana BHP Billiton Brasil Ltda. Aos que apenas assistiam
aos fatos com certa distância: consternação e sentimento de imobilidade. Às famílias
das 19 vítimas fatais e centenas de desabrigados: dor, dor e dor. A tragédia arrasou
a vila de bento Rodrigues e carrega o status de maior desastre ambiental da
história do Brasil. Até que se encerrem as investigações – ainda no início – do
rompimento de mais uma barragem na região metropolitana de Belo Horizonte, no dia 25 de janeiro, em Brumadinho, tal título pode estar ameaçado.
É isso leitor: menos de quatro anos após o crime ambiental
de Mariana – crime porque a empresa teve apenas de pagar multa de 250 milhões
de reais por um desastre de valores imensuráveis e trabalhou para que processos
na justiça contra si fossem arquivados, retirados de pauta ou protelados –, outra
estrutura – na teoria de contenção – rompeu e, até a edição deste artigo,
vitimou fatalmente 177 pessoas (número em atualização), com propensão de este número subir devido aos cerca de 133 desaparecidos, sendo boa parte deles funcionários da própria Vale
S.A, segundo o Corpo de Bombeiros de Minas Gerais, e destruiu parte de um
bairro rural do município mineiro de Brumadinho e de uma ferrovia de cargas da
MRS, além de escorrer lama para o Rio Paraopeba, afluente da Bacia do Rio São
Francisco.
Especialistas garantem que esta tragédia foi menor que
a de Mariana, porque a mina do Complexo Córrego do Feijão, onde se situava a
barragem, estava em processo de desativação há três anos e pela capitação de
rejeitos ser menor que o da Samarco, avaliado em 50 milhões de metros cúbicos
ante 14 milhões de metros cúbicos da estrutura recém-rompida. No entanto, trata-se
de análises prematuras que somente o tempo e, não obstante, trabalho investigativo,
apontarão as diferenças entre os sinistros.
Para além dos eventos analíticos que se seguirão, é
importante que os poderes competentes tratem de apontar os responsáveis por
tais crimes ambientais, inclusive questionando agendas como a proposta pelo
atual (des)governo Bolsonaro e seus subordinados ligados, de alguma maneira, ao
setor de mineração.
Imagem:O.RIBS ( @o.ribs no Instagram) |
No Congresso não é muito diferente. Como há entre deputados
e senadores federais acionistas de todos os tipos de empresas, inclusive de
mineradoras, os projetos de lei em tramitação vão ao encontro do lobby de
empresários – prática vedada no Brasil. O PL nº 3729/2004, por exemplo, de autoria do então deputado Luciano Zica (PT),
pretendia que “para a instalação de obra,
empreendimento ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio
ambiente, será exigido Estudo Prévio de Impacto Ambiental (EIA), com ampla
publicidade”. Com o tempo, foram apensados – jargão para incorporados –
outros 20 PLs e a ideia original foi mais que subvertida. Pronto para a votação
no plenário da Câmara Federal, o texto, relatado pela última vez na Comissão de
Constituição e Justiça – CCJ sob a autoria do ex-deputado e senador eleito
Marcos Rogério (DEM), extingue fases regulatórias para a emissão do
licenciamento ambiental; permite que os estados decidam quais os critérios para
a obrigatoriedade ou não do licenciamento para empreendimentos; e expande para
todo o País o modelo de licenciamento baiano, em que as empresas preenchem um
formulário pela internet sem nenhuma intervenção do órgão ambiental.
Já no Senado, projeto que pretendia tornar a política de
segurança de represas e barragens de minérios mais rígida foi arquivada.
“Sem viés ideológico”
Uma prova de fogo que se estende ao governador de Minas
Gerais, Romeu Zema (NOVO). Empresário e com ideais parecidos ao do presidente
Bolsonaro, Zema defende em sua agenda de governo o apoio à flexibilização de
regras para concessão de licenças ambientais, e tem secretários vindos do setor de mineração. Manoel Vítor de Mendonça Filho, atual chefe da secretaria de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais, era vice-presidente da mineradora Gerdau-Açominas, e o secretário de Estado de Planejamento e Gestão, Otto Levy Reis, passou por vários cargos de chefia na Magnesita Refratários, informa o Brasil de Fato.
Na contramão, a Justiça mineira já expediu liminar de bloqueio a 11 bilhões de reais da Vale S.A e deve analisar o pedido para bloquear 20 bilhões de reais em papéis de ações; o ministério Público mineiro trabalha pela aprovação de leis que intensifiquem o licenciamento de empresas exploradoras; e o IBAMA, combatendo o "ativismo xiita", multou a empresa em 250 milhões de reais – mesmo valor da multa aplicada a Samarco.
Na contramão, a Justiça mineira já expediu liminar de bloqueio a 11 bilhões de reais da Vale S.A e deve analisar o pedido para bloquear 20 bilhões de reais em papéis de ações; o ministério Público mineiro trabalha pela aprovação de leis que intensifiquem o licenciamento de empresas exploradoras; e o IBAMA, combatendo o "ativismo xiita", multou a empresa em 250 milhões de reais – mesmo valor da multa aplicada a Samarco.
Imagem:O.RIBS ( @o.ribs no Instagram) |
“Difícil ficar diante de todo esse cenário e não se emocionar. Faremos o que estiver ao nosso alcance para atender as vítimas, minimizar danos, apurar os fatos, cobrar justiça e prevenir novas tragédias como a de Mariana e Brumadinho, para o bem dos brasileiros e do meio ambiente”, publicou em seu perfil no Twitter.
Responsabilização
As parcerias são bem-vindas, no entanto, mais importante é
buscar os responsáveis por este desastre ambiental. As primeiras informações
dão conta de que a mina estava com os alvarás em dia não para extrair mais minério
ou destinar mais rejeitos à barragem, mas para dar outro destino à estrutura,
como, por exemplo, implantação de processo de recomposição ambiental das
margens da represa, o que, segundo moradores da cidade, não estava sendo cumprindo
pela empresa.
Em
10/01 moradores de Brumadinho protocolaram documento sobre as reais atividades
da mineradora, inclusive questionando as razões que levaram o órgão
ambiental mineiro a conceder nova licença e aventando a possibilidade de
rompimento da barragem.
Charge: Gilmar, o "Cartunista das Cavernas" |
Bodes expiatórios: a
prisão e libertação de engenheiros
A prisão temporária de três funcionários da mineradora Vale
S.A e de dois engenheiros responsáveis por laudos que teriam assegurado a estabilidade
técnica da barragem número 1 da mina do Córrego do Feijão na terça-feira 29/01
foi, por si só, um acinte à presunção de inocência e, ademais, relevado apenas
porque as instâncias jurisdicionais há algum tempo demonstram não ter apreço
aos ritos pré-estabelecidos em códigos, como o Civil e a própria Constituição
do País, e norteiam suas ações ao clamor da opinião pública, que, sim e com
toda a justiça no pleito, pede por respostas rápidas a tragédia. Tal condição,
desastrosa diga-se, não qualifica os órgãos de investigação e punição agirem
como detratores de carreiras e reputações alheias.
A juíza Perla Saliba Brito, da comarca de Brumadinho,
aceitando pedido do Ministério Público mineiro, havia expedido prisão por 30
dias para Ricardo Oliveira e Rodrigo Gomes de Melo, respectivamente, gerente de
meio ambiente, saúde e segurança, e gerente executivo operacional da Vale S.A,
e para André Jum Yassuda, Makoto Namba e César Augusto Paulino Grandchamp,
engenheiros e geólogo que subscrevem dois laudos técnicos sobre a barragem
rompida datados de junho e setembro de 2018. Além das prisões, a operação
também cumpriu mandados de busca e apreensão, instrumento jurídico mais que
adequado para o caso, por recolher computadores e documentos, muito mais úteis
para o processo de investigação do que a prisões propriamente ditas.
No despacho que ordenou as prisões, a juíza presume que não é “crível que barragens de tal monta, geridas por uma das maiores
mineradoras mundiais, se rompam repentinamente, sem dar qualquer indício de
vulnerabilidade”, em uma subjetividade própria dos atuais togados
brasileiros.
Fraca desde a origem, já que por óbvio não teria como
apontar ligação clara entre os presos e a tragédia do último dia 25 – levando
em consideração o pouco tempo de investigação, exatos quatro dias, entre o
acontecido e a prisão –, a decisão da juíza foi contestada pelos advogados dos
profissionais, que entraram com pedidos de Habeas
Corpus na justiça estadual de Minas Gerais – todos negados –, e revertida por unanimidade pela sexta turma de ministros do Superior Tribunal de Justiça –STJ na terça-feira 05/02.
É fato que no meio técnico, como em outros setores da
sociedade, há pessoas mal-intencionadas que usam de suas posições profissionais
para facilitar o trâmite de processos, sobretudo à base da canetada – os
conhecidos “caneteiros” –, realidade que, apesar de lamentável, em hipótese
alguma permite a agentes públicos atuarem como justiceiros, ainda que bem-intencionados.
No caso dos laudos, os engenheiros são claros quanto ao
diagnóstico de que, mesmo com estabilidade em sua estrutura, a barragem tinha problemas com rachaduras e entupimento localizado no sistema de drenagem, além de recomendar a instalação de novos medidores de pressão e
nível de água – os piezômetros que, segundo apurou o portal The Intercept, não estava funcionando. Portanto, como manda a cartilha do
bom documento técnico, as análises foram feitas, assim como as recomendações de
gestão também o foram. E mais: ainda que venha a ser provado que os laudos
corroboraram em algum grau com o rompimento da barragem em 25 de janeiro, o
articulista assegura que a prisão temporária infundada expedida pela juíza
Perla não terá cooperado em nada com as investigações.
O que deixa o articulista mais intrigado com toda a tragédia
de Brumadinho, e em parte também a de Mariana em 2015, com total de mortos
superior a 160 pessoas e quase duas centenas de desaparecidos, é a crença, inclusive
de engenheiros, na segurança da chamada técnica à montante. Tanto é que a
unidade da Vale S.A em Brumadinho, sua área administrativa e refeitório, ficava
na rota de um eventual – como ocorreu – rompimento da barragem e a própria
empresa já havia previsto isso em seu Plano de Ações Emergenciais – PAEBM, sob responsabilidade de profissionais que morreram soterrados pela onda de lama que tragou o espaço em que trabalhavam todos os dias. Os três profissionais da Vale S.A presos também tinham
escritórios na área administrativa e poderiam ter morrido na tragédia.
Agora que os aspectos de justiça aparentemente foram
restabelecidos, é preciso dar seguimento as investigações e reparar, da maneira
que for possível, as famílias das vítimas e a região destruída pela lama;
desconstituir qualquer grupo político que defenda a flexibilização de artigos
da legislação ambiental, como por exemplo a denominada “bancada da lama”, parlamentares
das esferas estadual mineira e federal com plataforma pró-mineração; buscar
meios de responsabilizar também os membros da diretoria e acionistas da
empresa, responsáveis direto por decisões importantes no gerenciamento,
inclusive por eventuais escolhas equivocadas visando apenas o lucro de uma das
mais maiores mineradoras do mundo; e tratar o caso de forma transparente e
responsável, com informações claras e impedindo da maneira que for possível que
fundos de pensão vinculados à Vale S.A, como o caso do sistema previdenciário
de servidores do Banco do Brasil.
Agora em diante resta observar todos os pontos que envolve mais
essa tragédia e agir levando em consideração toda a complexidade de algo que
não pode ser relegado ao esquecimento.
Clique aqui para assistir a 3ª edição do programa Redação JC, com análise dos primeiros dias de (des)governo Bolsonaro.
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