Apesar de a forte presença de membros
da caserna, (des)governo tem conflitos de interesses internos expostos; ataques deixam o campo das provocações e devem tocar no bolso dos mais pobres
“Altas confusões de uma turminha da pesada”, anunciaria o antigo
locutor oficial da emissora de televisão que fala com 100 milhões de uns ao
divulgar um típico filme da Sessão da
Tarde. Agora, como qualquer telespectador atento daquela emissora já percebeu,
há um revezamento entre os locutores: em resposta a uma questão mercadológica, uma
mulher agora também dá voz às chamadas da programação. Bom, o preâmbulo serve
para ilustrar o início atabalhoado do (des)governo Bolsonaro.
Os desencontros entre o presidente e seus comandados, que
marcaram os últimos dias, misturam, em boa medida, problemas com interpretação
textual, articulação política e total desconhecimento da estrutura
governamental. Que o presidente Jair Bolsonaro não sabe o que fala e faz na
vida política, apesar de seu longo período – quase 30 anos – como deputado
federal, todo brasileiro com capacidade, mínima que seja, de observar os
acontecimentos com dinamismo, portanto, com atenção a todos os lados de um
fato, já havia percebido. O mesmo vale para o seu corpo de ministros. Agora, as
confusões que vieram de pronto, a poucas horas da posse demagoga de 1º de janeiro, pegou todos de surpresa, inclusive os membros do (des)governo.
Que o presidente não sabe o que fala e faz na vida política todo brasileiro com capacidade, mínima que seja, de observar os acontecimentos com atenção a todos os lados do fato já havia percebido. Agora, as confusões que vieram a poucas horas da posse de 1º de janeiro pegou todos de surpresa, inclusive os membros do (des)governo
Como o presidente Jair Bolsonaro é obrigado a governar sem a
fiscalização do Congresso até o início da nova legislatura, em 1º de fevereiro,
neste primeiro mês seu trabalho resume-se a assinatura de Medidas Provisórias,
que terão de ser votadas pelos congressistas, e edição de decretos presidenciais. A principal confusão surgiu depois que Bolsonaro assinou, aparentemente sem
ler, o decreto que prorroga subsídios financeiros à Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM e Superintendência do Desenvolvimento do
Nordeste, encarregadas de estimular, por meio de incentivos fiscais, atividades
produtivas naquelas regiões, e no dia seguinte, em entrevista, disse que,
“contra a sua vontade”, teria reajustado o Imposto sobre Operações Financeiras
– IOF em um "percentual mínimo, uma fração" – como de praxe, sem
detalhar o valor ou explicar do que estava falando.
A imprensa repercutiu que, para compensar a renúncia de 755
milhões de reais pelo (des)governo somente em 2019, a equipe econômica havia
discutido a proposta de aumentar o IOF. Ao final das contas, o presidente “se
equivocou”, segundo o subordinado ministro-chefe da Casa Civil, deputado Onyx
Lorenzoni (DEM-RS), que teve de convocar a imprensa para desmentir seu patrão.
Antes de Lorenzoni, o secretário da Receita, economista Marcos Cintra,
subordinado do subordinado Paulo Guedes, já havia dado as caras na Globo News para desconversar o que tinha
dito o presidente.
É verdade que a articulação trata-se de arremedo e terá de
ser alterada se não o (des)governo corre o risco de ser enquadrado na Lei de
Responsabilidade Fiscal, mas o fato de o presidente ter dito algo que, de fato,
não veio a ocorrer, expõe que ele é apenas porta-voz de um grupo com ideais bem
definidos e que, talvez, a sua participação já não seja mais indispensável. Parece
que o (des)governo que quer andar sem o chefe.
O presidente ter dito algo que, de fato, não veio a ocorrer, expõe que ele é apenas porta-voz de um grupo com ideais bem definidos
No dia anterior à bateção de cabeça, o presidente deu
entrevista ao SBT e revelou o que
teria ouvido sobre a contrarreforma da Previdência Social que seus insubordinados
enviarão ao Congresso usando-se da ainda popular bandeira bolsonarista. Segundo
Bolsonaro, a conversa no grupo de Paulo Guedes, economista com passagem pela
ditadura chilena – responsável pela morte de mais de 40 mil pessoas –, dá conta de que as idades mínimas
devem ficar em 62 anos para os homens e 57 anos para as mulheres. No entanto, o
que parece um movimento de flexibilização, já que a proposta enviada pelo
ex-presidente-nosferatu Michel Temer previa idades mínimas de 65 anos e 62 anos
para homens e mulheres, respectivamente, esconde o que pode ser observado como
intensificação dos ataques travestidos de reforma. Isso porque não haveria nem
mesmo período de transição, ponto divergente da proposta enviada pelo
(des)governo que encerrou em 31 de dezembro: a então equipe econômica de Temer
havia previsto transição de 21 anos para se estabelecer as idades mínimas
anteriormente referidas. Ou seja, segundo o presidente Bolsonaro as regras
entrariam em vigor até o final de seu mandato em 2022.
Bolsonaro novamente foi desmentido e a informação não
confere com o que os Chicago Boys de seu (des)governo tem trabalho. O jornal Folha de S. Paulo publicou matéria informando
que, nos bastidores, a equipe econômica bolsonarista, antes mesmo de decidir
entre enviar uma nova proposta de contrarreforma para o Congresso ou
utilizar-se do projeto deixado por Temer – que está pronto para ser votado em
dois turnos pelo plenário da Câmara –, aventa a possibilidade de não aplicar as
idades mínimas defendidas pelo presidente e manter os 62 anos e 65 anos,
respetivamente, para mulheres e homens, do texto enviado pelo ex-presidente,
além de já ter em mãos uma MP para rever as regras da Previdência Social para trabalhadores
rurais, por exemplo. A ideia é endurecer a concessão dos benefícios e a Folha, com suas fontes diretamente ligadas ao mercado financeiro, diz que a revisão renderá 50 bilhões de reais/ano.
A chamada “MP de combate às fraudes do INSS” pretende ainda
oferecer bônus aos peritos do órgão que colaborarem com o “pente-fino”, sobretudo
acerca do auxílio-doença e do benefício invalidez, que em 2018, ainda sob o
comando de Temer, tiveram 650.320 beneficiários excluídos. A equipe econômica finge-se
de sonsa, faz à egípcia, e parece ter se esquecido da máxima de que cada caso é
um caso e que há médicos envolvidos em esquemas criminosos exatamente por haver
tal mecanismo de bônus, naquilo que é conhecido por indústria do atestado. Outra
medida, a de não contabilizar para o INSS o período em que o trabalhador está
afastado por doença atinge especialmente os mais pobres que, em geral, se
aposentam por idade. Segundo a Secretária de Previdência – SPREV de novembro, último divulgado, atualmente 31% dos benefícios – 10,77 milhões de pessoas – são por idade e têm rendimento mensal, em média, de 970,00 reais.
No sistema de capitalização, cria-se fundos de investimentos geridos direta ou indiretamente pelo sistema financeiro e que, vira e mexe, são alvos de denúncias de esquemas criminosos como as de que o próprio ministro Paulo Guedes está sendo investigado
Assim como o (des)governo Temer, o atual também norteia seus
movimentos com base no que é mais agradável ao sistema financeiro, de onde veio
e fez fama o ministro da Economia. O ponto-chave é que parte considerável dos
agentes do mercado não é e dificilmente virá a ser beneficiária da Previdência
Social, mas é lado interessado na imposição das mudanças. Ora, se antes, quando
das tentativas de aprovação da proposta de Michel Temer, que não previa a
alteração do regime de contribuição – do atual de repartição, quando os ativos
financiam os benefícios dos inativos, para o de capitalização, com os
trabalhadores contribuindo para contas individuais –, temia-se a fuga de
contribuintes para os planos de previdência privada, agora parece ser certo o
movimento, já que Paulo Guedes tem falado que, sim, vai alterar o regime e capitalizar
todo o sistema previdenciário. Com isso, cai o valor médio dos benefícios,
porque cada um contribui o que for possível; cria-se os fundos de investimentos
geridos direta ou indiretamente pelo sistema financeiro e que, vira e mexe, são
alvos de denúncias de esquemas criminosos como as de que o próprio ministro da Economia está sendo investigado; e deixa o contribuinte sem qualquer respaldo do
Estado, numa relação entre ele e o administrador do fundo. E a
propósito, ao fã do ex-mito e agora presidente da República: o grupo de
militares, do qual Bolsonaro faz parte, está fora das mudanças.
Retomando a série de desmentidos, Paulo Guedes não se
pronunciou oficialmente sobre as confusões envolvendo a área que lhe cabe do
governo – a economia – e Bolsonaro realizou um evento para dar posse aos
presidentes dos bancos públicos, algo incomum para a rotina da Presidência, já
que dar posse aos diretores é uma incumbência do ministro da Economia. Na posse
dos funcionários não do (des)governo, mas dos mais importantes banqueiros do
País, o presidente da República voltou a fixar a ideia de que há uma linha
divisória entre a política, comandada por ele, e a economia de Guedes e “meio
mundo” de brasileiros preocupados com as reações do mercado.
Como medida de ofuscar a clara e manifesta insubordinação
dos comandados, Jair Bolsonaro, como criança birrenta, correu ao seu perfil no Twitter para compartilhar postagens de
usuários falsos, discutir com o ex-presidenciável pelo PT, Fernando Haddad, e
publicar foto descansando em um sofá, como se os primeiros dias de seu (des)governo
não estivessem dando-lhe muita dor de cabeça.
Foto: Perfil de Jair Messias Bolsonaro no Instagram |
Para além das redes sociais, em que os usuários agem
reativamente e quase que de maneira instantânea, a estratégia de estabelecer “cortinas
de fumaça”, como, por exemplo, a ministra da Mulher, Família e Direitos Humanos
e suas falas polêmicas, tem alcançado certo êxito entre a opinião pública que
se informa única e exclusivamente por meio da chamada mídia tradicional.
Há em curso um processo de desinformação, em que livros
didáticos aceitam erros, mas não a diversidade natural de um Brasil
miscigenado, e em que o presidente da República diz que publicará decreto
flexibilizando o posse de arma levando em consideração não o que pensa hoje sobre
o assunto a maioria dos brasileiros, mas um referendo de 14 anos atrás. Isso,
após retirar o País de um acordo mundial de migração e colocar em risco
brasileiros que vivem fora do Brasil.
É preciso mais do que em qualquer outro momento esclarecer
que o (des)governo Bolsonaro é um conluio formado por agentes políticos
inexpressivos até há pouco tempo, condição e demérito provocados pelos próprios,
que nunca estiveram à frente de projetos significativos ou mobilizações em
defesa de direitos, e figuras da “Elite do dinheiro”, como define o sociólogo
Jessé Souza os grandes grupos empresariais, a mídia tradicional e, sobretudo, o
mercado financeiro. São dias sombrios apesar do calorento verão de início de
ano.
Clique aqui para assistir a 2ª edição do programa Redação JC, com análise dos primeiros dias de (des)governo Bolsonaro.
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