“O que eu tenho a ver com isso?”, diz Bolsonaro

Os primeiros dias após o 1º turno das eleições apresentaram como saldo o assassinato do mestre capoeirista Moa do Katendê, em Salvador; relatos de agressões a torto e a direito, inclusive com a incisão de uma suástica na altura da costela de uma garota de 19 anos;  espancamentos contra homossexuais e, até quinta-feira (11) – como informa o jornal Folha de S. Paulo –, 2,7 milhões de tweets, nome dado às postagens na rede social Twitter, relacionados aos casos de violência física e repercutindo os relatos de ameaças e ofensas por motivação política. O grupo que idolatra o dito mito Jair Bolsonaro (PSL) não preza pela aceitação do contraditório, como orienta a boa cartilha de práticas democráticas, e, vislumbrando uma vitória do capitão da reserva com sua trupe de políticos até pouco tempo inexpressivos, iniciou uma caçada àqueles que julga serem inimigos que devem ser aniquilados. Até o momento em que este artigo estava sendo editado, nenhum caso de violência contra bolsonaristas havia sido registrado pela imprensa. Mesmo assim, este texto trata, mais abaixo, de um levantamento da Agência de Jornalismo Investigativo Pública, no qual aparecem números gerais da violência, inclusive contra militantes de Bolsonaro.
Charge: Renato Machado
Doze facadas desferidas por Paulo Sérgio Ferreira de Santana, eleitor e militante assumido de Bolsonaro, levaram a morte de Moa Katendê, fundador do Afoxé Badauê. A confusão, em um bar da periferia de Salvador, começou quando o mestre declarou em quem havia votado no domingo (07). Como os números apertados por Katendê na urna não foram o um e o sete, Santana se viu revoltado e no direito de buscar a pecheira em casa e, friamente, “eliminar o inimigo”. De acordo com a Secretaria Estadual de Segurança Pública da Bahia, ele estava com as malas prontas quando da prisão.
Foto: Leandro Couri
No Paraná, um estudante da Universidade Federal do Paraná – UFPR foi espancado por um grupo de quatro integrantes de uma torcida organizada de Curitiba. Aos gritos de “Aqui é Bolsonaro!”, os rapazes recorreram a garrafas de vidro para atacar o jovem que trajava um boné do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST
Foto: Reprodução / Facebook
Já em Porto Alegre, uma jovem de 19 anos, que vestia camiseta em referência ao movimento “Ele Não” de oposição à candidatura de Bolsonaro e carregava uma mochila com enfeites em referência ao grupo LGBTQI, foi agredida por três homens. Eles a socaram e desenharam em seu corpo, com um canivete, o símbolo nazista da suástica.
Foto: Reprodução / Facebook
Com indiferença ímpar, Paulo Jardim, delegado responsável pelo caso, disse que “o desenho que fizeram na barriga dela é um símbolo budista, de harmonia, de amor, de paz e de fraternidade”. “Se tu fores pesquisar no Google, tu vai ver que existe um símbolo budista ali. Essa é a informação" afirmou em entrevista à BBC News Brasil.

Após o posicionamento de Jardim, a defesa da jovem decidiu, por agora, não abrir representação contra os suspeitos, que ainda não foram identificados, e focar na reabilitação da vítima que está traumatizada. Apesar disso, a polícia civil gaúcha encomendou um laudo pericial para explicar, ao menos, como teria sido feito o corte, já que questionam o fato de o desenho estar de ponta-cabeça. Ainda assim, com o caso suspenso, o delegado não esconde que, mesmo sendo um representante do Estado, escolheu e defende um lado. Ao portal UOL, disse que “ela [a jovem] decidiu não representar, veio acompanhada dos três advogados e não tem interesse de seguir [com a ação], que vai ficar com a vida dela em paz, tranquila”. 
Charge: Gilmar, o "Cartunista das Cavernas"
Em Pernambuco, informa a Folha, uma servidora pública foi espancada por outra mulher em um restaurante do Recife também porque votou em um candidato que não Bolsonaro. Neste caso, o presidenciável escolhido pela vítima foi Ciro Gomes (PDT), do qual ela portava bottons e adesivos. Enquanto a bolsonarista agredia, ainda de acordo com informações do jornal, garçons do restaurante foram imobilizados pelos companheiros da agressora.
Foto: Reprodução / Facebook
Mais recentemente, na sexta-feira (12), bolsonaristas travestidos de católicos intimidaram o padre que ministrava uma missa em homenagem ao Dia de Nossa Senhora Aparecida, em que estava o candidato Fernando Haddad (PT). Em um vídeo – que reproduzo abaixo –, críticas são feitas ao pároco porque Haddad e Manuela D’Ávila, candidata à vice-presidente do Brasil na chapa petista, receberam a hóstia como os demais fiéis.
Vídeo: Reprodução / Canal Diário do Centro do Mundo, no Youtube
Além de civis, os ataques se estendem também a jornalistas, profissionais da informação. De acordo com Agência Brasileira de Jornalismo Investigativo – ABRAJI, 137 casos de violência contra esse grupo foram registrados. Desse número, 62 foram ataques contra a integridade física. No mais recente, um estagiário do jornal Folha de Pernambuco foi atacado por um motoqueiro na região central do Recife. O jovem levou um tapa na cabeça e ouviu do agressor: “essa raça vai acabar, viu?”. O estudante de jornalismo é homossexual.

Ainda em Pernambuco, uma jornalista do Sistema Jornal do Commercio de Comunicação (SJCC) prestou queixas na delegacia denunciando ter sido atacada por dois militantes de Jair Bolsonaro – inclusive havia um vestindo camiseta com o rosto do presidenciável – ao sair de seu local de votação, ainda no domingo (07). Ela foi agredida e ouviu ameaças de que seria estuprada. 
Charge: Gilmar, o "Cartunista das Cavernas"
A Agência de Jornalismo Investigativo Pública, em parceria com a Open Knowledge Brasil, elaborou um levantamento, em que aponta para ao menos 70 ataques nos últimos dez dias em todo o País. Segundo o documento, 50 deles foram praticados por bolsonaristas, enquanto seis teriam sido cometidos por defensores da candidatura de Haddad. Quinze agressões de situações indefinidas foram contabilizadas pelo estudo.

Quando Bolsonaro diz que vai “fuzilar” oponentes políticos, seja eles do PT ou não, deve receber, de imediato, o repúdio dos defensores de fato da democracia. O mesmo vale para quando afirma que negros quilombolas “não servem nem para procriar” ou que, em um eventual governo seu, vai “botar um ponto final nesse ativismo xiita”. Isso, entre outras frases que não são polêmicas e sim criminosas, legitima o ato dos bárbaros de plantão.

Charge: Renato Aroeira
Não há um discurso sequer de Bolsonaro em que não incite seus militantes. Até mesmo quando foi se posicionar quanto ao assassinato de Moa, o capitão da reserva disparou que ele é quem havia levado uma facada e que nada tinha a ver com o caso. No mais alto grau de sua impessoalidade e irresponsabilidade, já que é uma figura pública, soltou um “o que eu tenho a ver com isso? Eu lamento”, eximindo-se da culpa.

No último domingo (14), Bolsonaro voltou a falar em criminalizar movimentos sociais, como o MTST e MST, e prometeu porte de armas de fogo para famílias se defenderem de invasões. Desta vez, as propostas vieram na esteira de um entrevero entre o capitão da reserva e o ex-candidato à Presidência da República pelo PSOL, Guilherme Boulos. O ex-presidenciável, discursando em um recente ato político em São Paulo, respondeu ao público sobre ocupar a casa do candidato do PSL. Ironicamente, Boulos afirma que o movimento do qual é coordenador só ocupa espaços improdutivos e a residência do presidenciável do PSL parece ser improdutiva.
Charge: Renato Aroeira
A busca pelo diálogo e por soluções que alcancem a maior parte da sociedade surge como obrigação inerente à função de presidente da República. Assim como tecer críticas a postulações diversas e se colocar à oposição, se necessário, fazem parte do bom debate de ideias e da democracia, propriamente dita. O voto em Bolsonaro parece não respeitar isso. Ele desconsidera e faz pouco caso das diferenças, e lança mão da doutrinação, tão temida e razão de discussões acalorados pelas bandas da extrema-direita, para alcançar seus objetivos.

O respeito à diferença e, consequentemente, ao contraditório é principio básico não apenas para ser presidente do Brasil ou de qualquer outra nação, mas para viver bem em sociedade.


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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