Lockdowns, distanciamento social e cuidados redobrados com a saúde. Tudo isso fez parte de 2020 como em nenhum outro ano da história; e é claro que essas atitudes tiveram um impacto significativo no meio esportivo. Seja cancelando eventos ou limitando a participação de torcedores, a pandemia de Covid-19 trouxe para nós uma situação jamais antes presenciada: um silêncio sepulcral em arquibancadas ao redor do mundo, matando a atmosfera único e especial que só o esporte pode proporcionar. 

Tendo em vista um cenário como esses, é praticamente impossível imaginar que algum clube ao redor do planeta conseguisse uma marca representativa quanto ao número de ingressos vendidos para um jogo, certo? Errado! A Holanda reserva para nós uma história inspiradora sobre como aproveitar situações adversas para fazer o bem, e ainda por cima alcançar uma marca histórica que já durava 48 anos. Conheça agora a iniciativa do Telstar, clube da segunda divisão holandesa que vendeu vinte e dois mil e quinhentos ingressos para um jogo que ninguém pode assistir.

Foto: Milo Lambers


A intenção de organizar ações sociais começou cedo na atual temporada. Ainda em outubro, o time de Velsen-Zuid resolveu ajudar um de seus próprios funcionários a lidar com problemas familiares. Dennis Bliek, um dos diretores internos do clube, via seu pai Piet Bliek ficar sem dinheiro para pagar as contas. Após uma vida dedicada aos cuidados de mais de sessenta filhos adotivos (além de seus próprios 3 filhos de sangue), Piet precisava encarar também um câncer de pulmão, que deixava as coisas ainda mais complicadas. 

Vendo a situação da família Bliek, e presenciando um momento de escalada da segunda onda de covid-19 na Holanda, o Telstar decidiu não ficar de mãos atadas. A Eerste Divisie 2020-21, que havia começado com presença parcial de público nos estádios, iria para sua segunda rodada com arquibancadas totalmente vazias. O Telstar, fazendo seu primeiro jogo dentro de casa nessa situação, julgou o momento perfeito para uma iniciativa nobre: a venda de ingressos seguiu normalmente como em todas as outras rodadas. Só que dessa vez, todo o dinheiro arrecadado seria doado para Piet Bliek. 

O resultado foi um sucesso, sendo ao todo 7436 bilhetes vendidos para o confronto versus TOP Oss. Esse número é mais que o dobro da capacidade atual do BUKO Stadion, a casa do time! O valor arrecadado ultrapassou a casa dos 12 mil euros, e mostrou o quão produtivas poderiam ser essas ações. 

Impulsionada pelo resultado, a diretoria dos Leões Brancos (apelido da equipe) não parou por aí. Para o jogo contra o Go Ahead Eagles, realizado em 10 de novembro desse ano, o clube decidiu levantar outra bandeira. Aproveitando a proximidade com o dia mundial contra o câncer no pâncreas (19 de novembro), o Telstar decidiu apoiar a instituição Support Casper, comandada pelo médico e professor Casper van Eijck. 

Casper integra a equipe do Centro Médico Erasmus em Rotterdam, e além disso faz parte do departamento médico do principal time de futebol da cidade, o Feyenoord. O médico lidera a Support Casper desde 2015, assumindo um papel importante na luta contra o câncer pancreático em seu país. Atualmente, mais de 3 mil holandeses são diagnosticados por ano com a doença, sendo que 90% dos casos levam à morte num período inferior a 12 meses.

Foto: Divulgação/Sportnieuws.nl


Assim como na vez passada, a ideia do Telstar foi baseada na venda de ingressos online. As pessoas podiam acessar o site do clube, e através dele comprarem um ingresso virtual para a partida. O valor era de 1,63 euros por ingresso, bastante acessível para a maioria da população (e que simbolizava o ano de fundação do clube, 1963). 

Com o valor popular e um tema de relevância geral, a campanha do Telstar logo alcançou repercussão nacional. Figuras importantes ajudaram na compra de ingressos e na própria divulgação da iniciativa. Dick Advocaat, atual treinador do Feyenoord, gravou um vídeo que foi postado nas redes sociais pedindo para que os torcedores contribuíssem com a campanha. 

Mas o apoio foi além: o adversário da ocasião, o Go Ahead Eagles, também resolveu entrar na jogada. Os visitantes disponibilizaram em seu site a quantia de ingressos que seria destinada a torcida visitante caso estes pudessem atender ao jogo. Rapidamente os bilhetes esgotaram. No embalo da torcida, os próprios jogadores do GAE compraram um número expressivo de bilhetes, num movimento que acabou seguido por torcedores e jogadores de outras equipes do futebol holandês. 

O saldo de toda essa mobilização foi além da melhor das expectativas. Ao todo, somente o Telstar vendeu 22500 bilhetes para a partida! Para se ter uma ideia, o recorde de público da equipe é de 21000 presentes em uma partida contra o Ajax, no distante ano de 1972. No total, somando o valor dos ingressos mais outras doações que foram fruto da campanha, o Telstar conseguiu arrecadar mais de 59 mil euros para a fundação Support Casper, além de chamar como nunca a atenção para um problema tão crescente em território holandês. 

Na foto, Casper van Eijck, líder do projeto Support Casper. Fonte: Divulgação/WaterwegSport.nl

Apesar da derrota por 2 a 1 naquele jogo, o dia 10 de novembro de 2020 representou uma grande vitória para o Telstar enquanto instituição. Mesmo sem tradição, investimento ou estrutura para competir com os grandes, o modesto time holandês conseguiu atrair os holofotes de boa parte do país, associando seu nome a uma causa nobre e extremamente necessária. Num ano de pandemia, o clube tornou a unir as pessoas (ainda que distantes fisicamente), naquela que será conhecida como a partida que registrou um recorde de pagantes; ainda que, de fato, tenha sido jogada sob o mesmo silêncio que assombra a temporada. 


A Support Casper segue ativa e precisando da sua ajuda. Se você se interessar, pode doar acessando o site da instituição (em inglês): https://www.supportcasper.nl/en/


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Ricardo Machado

Um sonhador, que anseia por deixar sua marca no mundo. Apaixonado por automobilismo, futebol, letras e pelas tardes frias e chuvosas de inverno.

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