Segundo dados do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) [1], a “população em situação de rua cresceu 140% a partir de 2012, chegando a quase 222 mil brasileiros em março deste ano”. Na cidade de Porto Alegre, estima-se que este número seja de mais de 2.500 pessoas, mas a ONG Centro Social Rua aponta para mais de cinco mil pessoas nesta condição [2].


Os motivos que levam as pessoas a morarem na rua são muitos e, alguns dos principais, segundo o Cadastro e Mundo da População Adulta em Situação de Rua de Porto Alegre/RS [3], de 2016, são os conflitos e/ou maus tratos na família, que, segundo os dados levantados na pesquisa, atingem 12,5% dos entrevistados. Outro motivo que atinge 1,6% dos entrevistados se refere à saída do sistema penitenciário.

No decorrer da História, os processos de violência, simbólica ou física, referentes à população de rua foram se naturalizando, e esta normalização violenta criou uma perspectiva de tolerância que invisibilizou estes sujeitos.

A estigmatização destes sujeitos os coloca (como diria o Sociólogo Alberto Bialakowsky: “inúteis para o mundo”) em situações de violência diversas, e a forma como se dá a relação entre sociedade economicamente ativa e os despossuídos é um reflexo de um modelo que não dá conta das múltiplas possibilidades de existências: a estabilidade de uns se alicerça na desgraça de outros.

Um caso que trouxe a público a naturalização destas práticas de violência foi o de Galdino Jesus dos Santos [4], que estava dormindo em uma parada de ônibus quando alguns jovens atearam fogo nele, e, quando interrogados pelo juiz do caso, estes afirmaram que tinham pensado que ele era um mendigo. O fator de descarte que se coloca nesta fala “achamos que era um mendigo” aponta para uma situação de desrespeito e desumanização das relações sociais dentro de um modelo que transforma tudo em mercadoria.

Essas violências também acabam acontecendo com pessoas que trabalham na tentativa de dar condições melhores a este grupo. O caso do padre Júlio Lancellotti [5], que foi notícia na mídia formal e nas redes sociais, é um exemplo disso. Ele foi hostilizado por civis e políticos (Arthur do Val, candidato à prefeitura de São Paulo pelo Patriota, por exemplo, o chamou de “cafetão da miséria”), por “conviver” (como gosta de enfatizar) com a população de rua, e, segundo o padre, essas ameaças vêm de longe. Isso pode indicar que, muitas vezes, este é um risco alto que se corre quando se está disposto a expor uma chaga das relações socioeconômicas do capitalismo.

As formas de violência são diversas, uma notícia de um jornal produzido por moradores de rua em Porto Alegre – o Boca de Rua – traz uma reportagem, na sua edição de número 37, intitulada “Arroz Com Feijão e Cacos de Vidro”, em que aponta que lixo e cacos de vidro estavam sendo colocados nos “macaquinhos” (sacos plásticos com comida que são colocados pendurados em cercas ou portões), fazendo com que alguns moradores de rua passassem mal ao ingerirem essa comida.

Morar na rua, ou estar nesta condição, é um risco permanente. Em uma sociedade que não respeita possibilidades diversas de convívio, que tem como centralidade a compra e venda de produtos, em que todos se tornam mercadorias em um mercado, não se enquadrar em padrões “estabelecidos” pode se tornar um risco à própria vida: morar na rua pode ser um deles. Entretanto, qual é seu endereço?

Talvez, nossa percepção sobre “morar” seja limitada. Tem-se, no imaginário social, a concepção de que “morar” está relacionado com uma casa, com um endereço, “em uma rua”, com um código de endereçamento postal, um número, e legalmente registrada, para que se efetue o pagamento do imposto referente ao imóvel. Essa concepção ideal de uma casa está longe de uma realidade concreta. O simbolismo de um lugar para se morar ultrapassa a capacidade lógica, segundo o sociólogo José de Souza Martins, a edificação está no imaginário e o ato de morar também estaria no imaginário.

*Texto revisado por Adriana Alaíde Sühnel dos Santos

Referências

[1] IPEA <https://www.ipea.gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=35811> 12/06/2020

[2] G1 <https://g1.globo.com/rs/rio-grande-do-sul/noticia/2020/07/14/porto-alegre-tem-mais-de-26-mil-moradores-em-situacao-de-rua-diz-fasc-ong-alerta-para-aumento-no-numero-durante-pandemia.ghtml> 14/07/2020

[3] FASC <http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?pg=2&p_secao=120> 2016

[4] Jornal de Brasília <https://jornaldebrasilia.com.br/blogs-e-colunas/brasilia-assombrada/caso-galdino-o-que-aconteceu-com-os-envolvidos/> 15/08/2017

[5] Brasil de Fato <https://www.brasildefato.com.br/2020/09/15/apos-ataques-do-candidato-arthur-do-val-padre-julio-lancellotti-recebe-novas-ameacas> 15/09/2020

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Manoel Rodrigues

Graduado em Ciências Sociais Bacharelado pela PUCRS; Graduando em Ciências Sociais Licenciatura pela UFRGS; Trabalhador de base dos Correios (ECT).

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