Eu Não Acredito em Crimes[1]
Me lembro como se fosse hoje da época em que assistíamos, em rede nacional, a República ser desmantelada por uma operação político-policial maquiavélica[2], cujo nome, no final das contas, vinha bem a calhar: "lava jato". Aos que não estão familiarizados com o termo, este mecanismo de lavagem automotiva, que serviu a batizar a aludida opera(cionaliza)ção, consiste basicamente num instrumento de "higienização rápida" e, destarte, superficial do automóvel, para fins de que se dê, ao mesmo, um aspecto apenas aparente de limpeza, reservado a situações emergenciais e que, portanto, não sobrevive a análises mais rigorosas - momentos estes em que se observa, na verdade, que o sistema deixou uma série de avarias no veículo, sobretudo em razão de a limpeza ter sido tão "express" assim (em suma: "express" no c***** dos outros é refresco! - eu quis dizer carro... não pensem besteira!).
Me lembro, igualmente, desta mesma época, o quanto nos sentíamos sozinhos, nós, os lúcidos, quando víamos tudo isso acontecer sem que as instituições democráticas reagissem. Vimos a República na UTI quando tudo valia em prol de um "objetivo maior" - maior e tão grande que nem mesmo se sabia mais o que era. Combate à corrupção, diziam "Minions" e "Moroguetes". Me recordo, contudo, também, do quanto nós nos mantínhamos firmes ao lhes responder que "os fins jamais justificariam os meios", e que, ao revés, num Estado Constitucional, onde vigem princípios como o da presunção de inocência[3] e do devido processo legal[4], são justamente os meios que afiguram-se capazes de materializar, corporificar os fins e/ou mesmo os hipotéticos inimigos de combate.

Nos anos que antecedem ao presente, testemunhamos horrorizados o candidato com maior intenção de votos ser preso sem crimes, numa completa e flagrante fraude eleitoral...[10] e depois assistimos o reprise de tudo isso com o Intercept, nos fazendo recordar todo o desastre - e com cenas extras, onde se mostrou, inclusive, o que rolava "por detrás das câmeras" (e/ou das câmaras, por que não?). Impotentes, sim. Sentimo-nos sem poder fazer nada. Triste. Muito triste, sem dúvidas! Nada poderia nos acalentar naquele instante, senão apenas a certeza de que ao menos o básico não poderiam nos tirar: o conhecimento e a integridade moral![11]
Motivados, pois, em razão de nos ter remanescido, ainda, o que, paradoxalmente ou não, nos era mais valioso, bradamos, orgulhosos: "Estamos do lado certo da história"! "A história não perdoará", dizíamos. E assim, permitíamo-nos dormir tranquilos, de consciência limpa e com a esperança por um amanhã melhor. Estou certo?
Pois eis que uma notícia de última hora, no entanto, me chega neste instante: o amanhã de ontem é hoje! E é aqui que eu quero efetivamente conversar um pouco com vocês.
Ainda no ano passado, mais precisamente em 14 de maio de 2019, foi instaurado um inquérito pelo Ministro Dias Toffoli[12], por meio da portaria 69[13], onde se visava (e ainda se visa, pois está em plena atividade) apurar notícias falsas (Fake News) perpetradas em desfavor dos Exmos. Ministros do STF. Nela não há fatos específicos narrados. Ao contrário. Fala-se genericamente sobre "fakenews", calúnias, injurias e difamações que, em tese, atentariam contra o decoro e a segurança dos ministros. Só ler lá para verificar.
Sobre este fato, bem... não sou penalista, mas, em meu entender, quando se diz que o inquérito requer a descrição do fato[14], tem de ser ainda mais concreto, ou seja, algo como "tal fato específico, que ocorreu no dia tal, lugar tal, etc". Caso contrário, vira Estado Policial!!
Pensem: não há fato preciso descrito no inquérito. Assim, na prática, está todo mundo sob investigação! Pois veja: se eu não tenho um fato específico pra poder dizer que não fui eu e que, portanto, nada tenho a ver com ele, então como posso me defender acaso a PF queira invadir a minha casa amanhã e pegar o meu computador, por exemplo???
Pois sem fato objetivo discriminado, estamos todos sub judice, e aí, adeus Estado Constitucional. Compreendem?
Sigo.
O fato descrito no inquérito tem de ser típico, mas "Fake news" não é fato típico, infelizmente[15] - a menos que incuta em lesão à honra.[16]
Outrossim, vivemos em um Estado Constitucional, onde vigem primados como a separação dos poderes[17], onde, em tese, e de maneira didática, podemos dizer algo como: ressalvadas raríssimas exceções, o executivo executa, o judiciário julga, o legislativo legisla e as polícias, subordinadas ao primeiro, investigam. Neste sentido, o Art. 43 do Regimento Interno do STF[18] clara e expressamente limita a iniciativa do STF para abrir inquéritos (atividade investigativa, de natureza policial e não judiciária) APENAS quando os crimes que se visa investigar forem praticados nas dependências do Supremo Tribunal Federal, possivelmente naqueles casos em que as partes e/ou procuradores se exaltam, por exemplo.[19] Está lá. Vivemos na "Era da Informação". É só buscar e ler. [20]
Assim, Fake News eventualmente injuriosas, caluniosas ou difamatórias (que constam na portaria 69) não podem ser objeto de inquérito instaurado pelo STF, bem como ofensas pessoais aos ministros também não são de iniciativa do STF investigar, se não houverem sido praticadas dentro do Tribunal.[21]
Ademais, Toffoli nomeou arbitrariamente o julgador, no caso, o Alexandre Morais. Algo profundamente incompreensível! Observem: vou entrar com uma ação judicial, mas quero que seja julgada por um juiz de minha escolha, ok? Grande sonho de nós advogados, pois não?
NÃO! Seria ilegal, inconstitucional e injusto!
NÃO! Seria ilegal, inconstitucional e injusto!
Pois bem... no caso deste inquérito é exatamente o que ocorreu!!!
Sabe... isso é tão óbvio que as vezes eu acho que estou falando outra língua. Já ouvi por aí que a emoção tem de ser separada da razão. Bem... abstraindo-se questões filosóficas que demonstram que isso talvez não seja tão possível, o fato é: Bolsonaro é o Lula de hoje. Logo, muito embora ele não esteja sendo diretamente investiGADO, nós não podemos aceitar ativismo ilegal e inconstitucional, seja contra quem for, só porque prejudica o "time adversário", estou certo?
Pois camaradas que concordavam plenamente comigo quando eu dizia que os fins não justificavam os meios ao interpretarmos as decisões do Moro, agora aplaudem e avalizam o ativismo do STF.[22]
Eu me pergunto: de que lado vocês estão? Do egoísmo e dos interesses próprios ou da Democracia e da Constituição?
Quando criticamos algum político, criticamos ele por que? Porque ele está do outro lado ou porque ele está errado em fazer o que faz? Pois se dizemos que o mesmo está errado, devemos pressupor, antes, um padrão pré-estabelecido e universal de condutas, segundo as quais possamos obrigar o seu cumprimento, e por meio das quais possamos julgar as atitudes dos demais, como certas ou erradas, conforme os seus ditames. E este sistema são as leis a Constituição! Sem ela, não estamos certos, nem errados, estamos perdendo!
Pensemos: se não há parâmetros a serem respeitados por todos, então não podemos criticar os nossos opositores, devemo-lhes os parabéns!
Não há equívocos sem um aparato normativo universal que o deslegitime. Assim, sem regras válidas para todos, não possuímos legitimidade para exigir seu cumprimento perante terceiros, bem como tampouco podemos criticar quem age contrariamente aos seus ditames. Não há certos e errados se não há certo nem errado. Há apenas vencedores e perdedores e, neste cenário, sinto em lhes informar, mas estamos do lado de cá.
Prossigo mais uma vez.
Particularmente não creio que estejamos dispostos a aceitar tais implicações, correto?
Pois bem, meus amigos... então chegou a hora de lhes dizer: política não é futebol (embora o futebol tenha se demonstrado brilhantemente político nos últimos instantes). Logo, parem de torcer pelas pessoas e passem a respeitar o Estado de Direito! Sem ele não tem "jogo", meus amigos! Sem ele é barbárie!
E o pior de tudo é que, neste caso específico, o próprio Estado de Direito já nos fornece meios lícitos a depor este asno que está na presidência! IMPEACHMENT, por exemplo!
"Ah, mas o Maia está 'sentado' no processo." Pois cassem o mandato dele por abuso de poder então! (art. 55 CF)[23].
Tudo, menos dar razão para essa cambada aí e inclusive fundamentar intervenções!
Repito: não precisamos disso!!!
Deixemos as paixões e resolvamos tudo dentro da lei. Não seja igual àquele cara que você criticou quando ele apoiava o Moro no "combate à corrupção"! Nenhuma causa vale mais que a Constituição. Ela é a causa das causas. Sem ela, não há causa, há caos!
Abraços e até a próxima!
Sobre a coluna
A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
[1]Eu não acredito em crimes. Tanto
quanto em Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e etc. Para me fazer crer, tens que
me provar. 😉
[2]Falo em "Maquiavelismo",
mas, na verdade, Maquiavel nunca disse algo como "os fins justificam os
meios". A frase é, contudo,
costumeiramente atribuída a ele, quiçá por ter sido o mesmo a redigir o livro
"O Príncipe" enquanto manual de recomendações a um governo
(principado) que desejasse se manter no poder. O recado de Maquiavel deve ser
lido sempre da seguinte forma: se quiseres manter e perpetuar o poder, então
deves.... Lá se vê coisas de cunho estratégico, para fins de se garantir a
manutenção duradoura do governo. À título
de exemplo, para o autor, o governante que desejasse manter seu poder, deveria
atentar a dois principais requisitos, quais sejam, a virtú e a fortuna.
A primeira consubstancia-se justamente nas qualidades subjetivas do governante
que denotem a sua boa capacidade em governar. Apenas virtú, todavia, não seria
suficiente para a conquista e boa governança de um principado, devendo o mesmo,
ao revés, atentar e se precaver aos fenômenos “fortuitos” (leia-se, aleatórios,
inesperados, largados à sorte, como os naturais, por exemplo), haja vista que,
como destaca, a fortuna se assemelha a “um desses rios ruinosos que, quando se
irritam, alagam as planícies, arrasam as árvores e os edifícios, levam terra
deste lado, põem-na naquele...”. É essa a verdadeira mensagem de Maquiavel, e
não outra. Maquiavel, Nicolau, O Príncipe, edição bilíngue, tradução e
notas de Diogo Pires Aurélio, 1ª edição, São Paulo: Editora 34, 2017, p. 241 e
242
[3]Assim versa o art. 5º, LVII da CRFB: -
ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal
condenatória. A devida interpretação deste dispositivo não é plenamente
pacífica (embora devesse ser). Dado que nossa Constituição vigente foi
promulgada logo após longo período ditatorial, quis ela afastar todo e qualquer
resquício de autoritarismo. Uma modificação tão profunda na consciência geral
da nação não poderia, contudo, realizar-se de maneira tão imediata. Envolve uma
constante e diária reconstrução da moralidade pública, de sorte a que somente
assim abandone-se ideologias de cunho punitivista e/ou autoritário. Não por
outra razão, o mencionado dispositivo, constante na Constituição Federal desde
a sua promulgação, em 1988, somente passou a ser compreendido como verdadeiro
óbice de se prender alguém antes do trânsito em julgado no ano de 2009 (lê-se: vinte
e um anos após sua promulgação), quando da apreciação do aludido dispositivo
pelo STF (HC 84.078/MG), onde
finalmente se garantiu o óbvio: a presunção de inocência deve também impedir a
prisão - ressalvadas as hipóteses de flagrante delito, ou preventivas. Todavia, a
interpretação sofreu algumas alterações ao longo dos últimos anos. Em 2016,
testemunhamos nova alteração (HC
126.292/SP), onde passou-se novamente a compreender-se o absurdo de que
a Constituição vedaria tão somente que se considere culpado o réu antes do
trânsito em julgado, mas que nada diz e, portanto, não impede que o mesmo possa
ser preso antes do trânsito. Em suma... um malabarismo interpretativo para se
manter um antigo ânimo autoritário em solo nacional. Por sorte, a aludida
interpretação fora novamente modificada, em apertada maioria (6 x 5) pelo STF
em 2019, quando do julgamento conjunto das ADCs 43, 44 e 54, onde passou-se a
se compreender, uma vez mais, que, com efeito, se a CF proíbe que se considere
culpados os réus antes do Trânsito em Julgado, seria absurdo concluirmos que o
réu ainda assim pudesse ser preso, mesmo antes deste instante processual. Vale
ainda mencionar que não apenas a Constituição veda a culpabilização antes do aludido
trânsito, como Lei Federal (12.403/11) fora promulgada pelo próprio Congresso
Nacional, justamente visando deixar claro que o que não se pode fazer antes do
trânsito é a prisão. Neste sentido, leia-se: Código de Processo Penal: “Art.
283. Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e
fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de prisão
cautelar ou em virtude de condenação criminal transitada em julgado."
[4]O devido processo legal está estampado
na Constituição Federal, que assim dispõe: Art. 5º. LIV - ninguém será privado
da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
[5]Não me interpretem como positivista a
partir desta fala. Não sou, e posso provar!
[6]Para autores como Luigi Ferrajoli, a
noção de Democracia Constitucional, diferentemente de suas antigas acepções, é,
agora, "o conjunto de limites impostos pelas Constituições a todo poder,
que postula, em consequência, uma concepção de democracia como sistema frágil e
complexo de separação e equilíbrio entre poderes, de limites de forma e de
substância a seu exercício, de garantia dos direitos fundamentais, de técnicas
de controle e de reparação contra suas violações. Um sistema em que a regra
da maioria e a do mercado valem apenas para aquela que podemos chamar de esfera
do discricionário, circunscrita e condicionada pela esfera do que está
limitado, constituída pelos direitos fundamentais de todos[...] - o pacto
de convivência baseado na igualdade de direitos, o Estado social, mais que
liberal, de direito." [tradução livre]. FERRAJOLI, Luigi. Democracia y
Garantismo. 2ª ed. Madrid: Editora Trotta, 2010, p. 47.
[7]A vigente Constituição Federal
brasileira consagra o princípio que chamamos de "Juiz Natural",
determinando, em seus termos, que: "Art. 5º: XXXVII - não haverá juízo ou
tribunal de exceção;" e que "LIII - ninguém será processado nem
sentenciado senão pela autoridade competente;" As efetivas regras de
competência jurisdicional encontram-se expressamente positivadas no Livro II de
nosso vigente Código de Processo Civil, sobretudo em seu Título III, que trata
acerca da Competência Interna, entre os artigos 42 e 66; e no Código de
Processo Penal, em seu Livro I, especialmente no Título V, entre os artigos 69 e
91.
[8]Como já referido, a questão de se o
Trânsito em Julgado seria ou não requisito para que se decretasse a prisão
definitiva de um réu sofreu diversas alterações ao longo do tempo, não obstante
o texto constitucional e legal permanecesse intacto e bastante claro durante os
mais de 30 anos de vigência de nossa Constituição, o que atesta que, com
efeito, vivemos ainda sob égides autoritárias, não apenas no executivo, mas,
sobretudo, no próprio judiciário nacional.
[9]Conforme já dito, as regras processuais encontram-se
positivadas nos seus respectivos códigos. A obrigatoriedade de que os mesmos
sejam seguidos, para fins de se exigir intervenção estatal à situações fáticas
de nosso convívio social pode ser lida em nossa Constituição, que estabelece,
em seu artigo 5º, a garantia do devido processo legal, conforme segue: "LIV
- ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo
legal;"
[10]Lula foi preso sem provas... isso, por
si só, já fere a concepção de presunção de inocência que, acima de tudo, repassa
o ônus probatório ao Estado em matérias penais. Sua condenação se deu em razão
de hipotético crime de corrupção passiva, onde se exige, para tanto,
comprovação de que o réu tenha exigido retribuição ilícita por favorecimento
ilegal concedido pelo mesmo a terceiros, em razão de seu cargo ou função
pública. Tanto o favorecimento quanto a retribuição jamais foram provados e
sequer determinados no caso do ex-presidente, bastando, para a condenação, a ideia genérica e, portanto,
ilegal e inconstitucional de que haviam fortes indícios (?????). Ademais, foi
preso antes do trânsito em julgado, o que é expressamente vedado pela
Constituição, através de sua presunção de inocência e da própria lei processual
penal, que estabelecia, à época, e até os dias de hoje, a expressa regra de que
ninguém pode ser preso antes do trânsito em julgado. O ex-presidente somente foi
preso por razões políticas, cuja materialização envolveu um "grande acordo
nacional, com o Supremo, com tudo". Somente pelo fato de o Supremo
Tribunal Federal ter restringido (ilegitimamente) a interpretação da ideia de
presunção de inocência, para fins de falsamente se autorizar a interpretar a
lei processual penal, que vedava a prisão antes do trânsito em julgado, como
inconstitucional, é que a prisão do ex chefe de Estado foi permitida. A decisão
do Supremo é tão esdrúxula que nem mesmo uma criança se deixaria enganar.
Observem: a CF diz que não se pode considerar ninguém culpado antes do Trânsito
em Julgado. Isso, por si só, já seria suficiente para concluirmos que, se
ninguém pode ser considerado culpado antes do TJ, tampouco pode este alguém sofrer
qualquer sanção penal antes do mesmo. Não obstante, há, ainda, expressa
disposição legal que, no art. 283 do Código de Processo Penal, clarifica a
questão ao determinar que não apenas a culpabilização é vedada antes do
trânsito, mas também e, sobretudo, a prisão. Pois o STF considerou, à época,
tal disposição como inconstitucional. Pergunta que fica: qual dispositivo
constitucional esta lei confronta/infringe para ser assim considerada e,
portanto, não aplicada no caso em questão? Ainda vivemos em um Estado
Constitucional de Direito? Fica a dúvida!
[11]Este trecho de minha fala me faz
recordar de um dos mais belos clássicos da literatura filosófica: "A
consolação da Filosofia", de Boécio (460-524 d.C.). Trata-se de obra que o
autor romano redigiu no cárcere, à espera de sua condenação capital, tendo
perdido todos os seus bens. O livro conta um hipotético diálogo travado entre o
autor e a Deusa da Filosofia, onde o mesmo inicia narrando suas insatisfações à
ela em razão de ter "perdido tudo" e ela lhe retorna dizendo que, em
verdade, o que ele perdeu nunca foi dele. Eram, na verdade, benesses concedidas
pela Deusa da Fortuna, frente a qual nada de diferente poderia se esperar, pois
era assim a forma de agir desta deidade, ou seja, trazer e levar embora tudo na
mesma velocidade. Neste sentido, nos narra Boécio, quanto às palavras da Deusa da Filosofia: "Acaso não tens
verdadeiramente nenhum bem que seja teu próprio e inerente à tua natureza, para
que seja preciso procurares bens em objetos externos e estranhos a ti? A ordem
das coisas se inverte a tal ponto que um ser vivo, racional e feito à imagem de
Deus, crê poder distinguir-se apenas pela posse de objetos sem vida! E outros
seres vivos se contentam em ser o que são, mas vós, que sois dotados de alma e
feitos à semelhança de Deus, vós empregais vossa natureza na busca de objetos
sem importância, sem noção da desigualdade da troca e da ofensa que fazeis ao
Criador. Ele, o Criador, quis que os homens estivessem acima de todas as
criaturas terrestres, e vós vos aviltais colocando-vos abaixo do que é mais
vil. Com efeito, se é evidente que todo bem pertencente a outro vos parece mais
valioso do que para aquele que o possui, quando considerais que os objetos mais
insignificantes são bens para vós, então vos colocais a vós mesmos como
inferiores a esses objetos. E, de fato, este raciocínio é exato; pois assim é a
natureza humana: superior a todo o resto da criação quando usa de suas
faculdades racionais, mas da mais baixa condição quando cessa de ser o que
realmente é. Nos animais, essa ignorância de si mesmos é inerente à sua natureza;
no homem, é uma degradação. Como é grande o vosso erro quando pensais em vos
exaltar com coisas externas! ...quando alguém se distingue pelos ornamentos que
ostenta, são os ornamentos que são admirados, e não quem os traz." BOÉCIO. A consolação da Filosofia. Trad.
Willian Li. São Paulo: Editora Martins Fontes, 2016, p. 54.
[12]O inquérito tramita sob sigilo, mas
pode ser consultado através do seguinte endereço eletrônico: <https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf>.
O relatório do inquérito, prolatado pelo Ministro designado para conduzi-lo pode, por sua vez, ser consultado pelo seguinte endereço: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/inq4781.pdf>.
O relatório do inquérito, prolatado pelo Ministro designado para conduzi-lo pode, por sua vez, ser consultado pelo seguinte endereço: <http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStf/anexo/inq4781.pdf>.
[13]A portaria pode ser acessada através
do seguinte link: <https://www.conjur.com.br/dl/comunicado-supremo-tribunal-federal1.pdf>.
[14]Os requisitos formais do inquéritos
estão previstos expressamente no Código de Processo Penal vigente, nos arts. 5º
e ss. Referentemente às limitações materiais de seu ato de instauração, lê-se,
a Portaria que o instaura, seguem, em sentido semelhante ao nosso, as lições de
famigerados doutrinadores nacionais, a exemplo de Guilherme Nucci, para quem:
"Requisições dirigidas à autoridade policial, exigindo a instauração de
inquérito contra determinada pessoa, ainda que aponte o crime, em tese, necessitam conter dados suficientes que
possibilitem ao delegado tomar providências e ter um rumo a seguir. Não é
cabível um ofício genérico, requisitando a instauração de inquérito contra
Fulano, apenas apontando a prática de um delito em tese. NUCCI, Guilherme
de Sousa. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 4. Ed.
Revista dos Tribunais, 2007, p. 162.
[15]Com efeito, a publicização de
informações falsas acerca de outras pessoas que incutam em calúnias, difamações
ou injúrias encontram tipificação legal em nosso código penal. Fora disso, é
fato atípico.
[16]Curioso é o caso de um país que permite instaurar inquéritos por iniciativa da vítima, sendo ela a mesma pessoa que irá julgá-los, em nome dos direitos à honra de Ministros, que vem efetivamente sendo atacados sistematicamente por parcela da população, ao passo que, de outro lado, sustenta-se ser "mero uso de direito à liberdade de expressão" que um empresário financie mensagens de cunho ofensivo, a serem veiculadas por empresas de aero-mensagens!
Enquanto o STF invade competência dos demais poderes ao instaurar inquéritos para apurar ofensas contra seus julgadores, o judiciário local postula, referentemente às ofensas aéreas, que "A argumentação [de que a honra foi ofendida com mensagens chamando o ex-presidente de ladrão], entretanto, não merece guarida", pois, continua o Magistrado: "Nos termos do art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Tal garantia – da liberdade de expressão – tutela, ao menos enquanto não existir colisão com outros direitos fundamentais ou valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa (Gilmar Ferreira Mendes; Inocência Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco; Curso De Direito Constitucional, 2ª ed., p. 361). Não satisfeito, MM. sr. Juiz ainda busca respaldo no próprio Supremo Tribunal Federal, quando conclui: "Isso porque, conforme já destacado pelo Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão é verdadeiro direito fundamental (de primeira dimensão), cujo manto de proteção acoberta a exposição de fatos atuais ou históricos, além da crítica (HC nº 83.125, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 16.09.2003)."
Enquanto o STF invade competência dos demais poderes ao instaurar inquéritos para apurar ofensas contra seus julgadores, o judiciário local postula, referentemente às ofensas aéreas, que "A argumentação [de que a honra foi ofendida com mensagens chamando o ex-presidente de ladrão], entretanto, não merece guarida", pois, continua o Magistrado: "Nos termos do art. 5º, inciso IV, da Constituição Federal, é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato. Tal garantia – da liberdade de expressão – tutela, ao menos enquanto não existir colisão com outros direitos fundamentais ou valores constitucionalmente estabelecidos, toda opinião, convicção, comentário, avaliação ou julgamento sobre qualquer assunto ou sobre qualquer pessoa (Gilmar Ferreira Mendes; Inocência Mártires Coelho; Paulo Gustavo Gonet Branco; Curso De Direito Constitucional, 2ª ed., p. 361). Não satisfeito, MM. sr. Juiz ainda busca respaldo no próprio Supremo Tribunal Federal, quando conclui: "Isso porque, conforme já destacado pelo Supremo Tribunal Federal, a liberdade de expressão é verdadeiro direito fundamental (de primeira dimensão), cujo manto de proteção acoberta a exposição de fatos atuais ou históricos, além da crítica (HC nº 83.125, rel. Min. Marco Aurélio, j. em 16.09.2003)."
[17]A noção de separação dos poderes é
antiga, podendo ser encontrados indícios de que já se fazia presente ainda na
Antiguidade, entre os gregos, por exemplo. Nossa compreensão atual de divisão
tripartite decorre, contudo, de concepções advindas de filósofos como
Montesquieu, para quem "Tudo estaria perdido se o mesmo homem ou o mesmo
corpo dos principais, ou dos nobres, ou do povo, exercesse esses três poderes:
o de fazer as leis, o de executar as resoluções públicas, e o de julgar os
crimes ou as divergências dos indivíduos." MONTESQUIEU. O Espírito Das Leis. Edição Kindle. Posição
3690.
[18]A versão integral do Regimento Interno
do Supremo Tribunal Federal pode ser acessada através do seguinte link: <
http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/legislacaoRegimentoInterno/anexo/RISTF.pdf>.
[19]Não vou entrar no mérito da discussão
acerca da recepção deste regimento interno pelo nosso vigente sistema
constitucional. É necessário que se diga, porém, que ele fora promulgado
anteriormente à promulgação de nossa atual Constituição, o que faz pender sobre
o mesmo a dúvida acerca de se ainda se mostra válido, devendo tal análise ser
realizada confrontando-o com os ditames da nova Constituição. Em meu entender,
a Constituição de 1988, não à toa chamada "Constituição Cidadã", ao
instaurar a separação dos poderes, terminou por não recepcionar normas como a
que se visou usar neste inquérito em questão, onde se permite que o Judiciário
realize atos que fogem à sua competência natural - como um inquérito. Não por
outra razão, a aludida Carta determina as atribuições do STF em seu artigo 102,
sem contemplar a hipótese de instauração de inquéritos, o que denota a não
recepção do mencionado regimento.
[20]O caso do Janot seria um bom exemplo
se ele houvesse levado a cabo. Segundo reportagem do portal G1, o antigo
procurador, Rodrigo Janot, já teria presenciado sessões de julgamento do STF
portando arma de fogo, com a intenção de assassinar os Ministros. Neste
sentido, ver: < https://g1.globo.com/politica/noticia/2019/09/27/janot-diz-que-foi-armado-ao-stf-com-intencao-de-matar-gilmar-mendes-ministro-sugere-ajuda-psiquiatrica-a-ex-pgr.ghtml>.
[21]O aludido regimento, trata acerca de
competência do STF para instaurar inquéritos acerca de fatos que ocorram nas
suas dependências. Neste sentido, tem havido diversas tentativas ilegítimas de
alargar a interpretação dos termos utilizados pelo dispositivo regimentar, para
fins de hipoteticamente autorizar a instauração do referido inquérito. Trataremos
em outra oportunidade acerca da necessidade de respeito aos limites
sintático-semânticos dos dispositivos legais. Todavia, para fins de se ilustrar,
cite-se o que declara, por exemplo, de maneira completamente ilegítima e,
portanto, equivocada, o jornalista Reinaldo Azevedo: " Dependência' do Supremo, nesse caso, é qualquer lugar em
que a Corte tem jurisdição: o Brasil inteiro." - Veja mais em <https://noticias.uol.com.br/colunas/reinaldo-azevedo/2020/06/11/fachin-e-fake-news-direito-ao-dissenso-nao-impoe-consenso-pela-violencia.htm?cmpid=copiaecola>.
[22]Autores da alçada de Lênio Streck, que
outrora manifestava-se no sentido de classificar como inconstitucional o
inquérito em tela, hoje se posiciona favorável ao mesmo, quiçá vencido por seu
profundo (e, deveras, massivamente compartilhado) desejo de ver a queda deste
governo e seus sistemas fraudatórios. Não por outra razão, o jurista se vê, na completa
ausência de fundamento legal brasileiro, obrigado a recorrer a institutos do
Direito Estadunidense, como a ideia do Contempt of Court, que, muito embora se
deseje, não encontra qualquer correspondência no sistema jurídico nacional,
posto que, diferentemente de lá, somos de tradição legalista (civil law),
codificada, com matriz no direito alemão, cujo poder máximo advém das leis e da
Constituição antes que dos costumes ou da força de decisões judiciárias
precedentes. Ademais, tal instituto norte-americano serve, àquele país, para
que se faça cumprir as determinações das cortes quando estas encontrem eventual
resistência. Caso completamente diverso é a noção de que o STF possa instaurar
ele próprio um processo para apurar crimes contra honra em desfavor de seus
Ministros. Norma que mais se aproximaria desta noção seria o que prevê, por
exemplo, os §§ 1º e 2º do art. 77 do CPC, que declara que o não cumprimento de
deveres processuais inerentes às partes poderá ser considerado "ato
atentatório à dignidade da Justiça", podendo ser punido com multa, sem
prejuízo de sanções penais, a exemplo dos crimes de desobediência, previstos especialmente
nos art. 330 e 359 do Código Penal. Sobre o artigo do Lênio que concorda com nossa
posição atual, veja-se: <https://www.conjur.com.br/2019-abr-18/senso-incomum-stf-fake-news-temos-ortodoxos>.
Sobre o atual posicionamento do aludido autor, veja-se a manifestação proferida pelo mesmo ao portal de notícias "TV Democracia", através de sua plataforma no YouTube, que pode ser acessada através do seguinte link: <https://www.youtube.com/watch?v=EB-gs3Vtxdw>
Sobre o atual posicionamento do aludido autor, veja-se a manifestação proferida pelo mesmo ao portal de notícias "TV Democracia", através de sua plataforma no YouTube, que pode ser acessada através do seguinte link: <https://www.youtube.com/watch?v=EB-gs3Vtxdw>
[23]Segundo art. 55 da vigente
Constituição Federal brasileira, "Art. 55. Perderá o
mandato o Deputado ou Senador: II - cujo procedimento for declarado
incompatível com o decoro parlamentar; § 1º - É incompatível com o decoro
parlamentar, além dos casos definidos no regimento interno, o abuso das
prerrogativas asseguradas a membro do Congresso Nacional ou a percepção de
vantagens indevidas
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