Executivo e Congresso protagonizaram embate por bilhões nos últimos meses; Carteira Verde Amarela e fundo privado com multas ambientais também na pauta

O recente episódio do presidente Bolsonaro compartilhando em sua conta no Whatsapp vídeo de chamada para uma manifestação de rua a favor de seu (des)governo e contra os outros poderes da República (Legislativo e Judiciário), marcada para o próximo dia 15/3, tem como pano de fundo a disputa por ao menos 30 bilhões de reais do orçamento da União para este ano. A Lei de Diretrizes Orçamentárias – LDO aprovada pelo Congresso no ano passado tornou obrigatória a execução das emendas orçamentárias do relator do orçamento, que em 2019 foi o deputado Domingos Neto (PSD-CE), e estabeleceu o prazo de 90 dias para o pagamento pelo executivo.


Com a decisão dos deputados e senadores, os recursos seriam obrigatoriamente repassados conforme a necessidade dos projetos (obras de infraestrutura e suporte a iniciativas locais, por exemplo) identificados pelos próprios congressistas em seus redutos eleitorais. O Congresso chancelou a transferência de responsabilidade de quem iria liberar a verba e o presidente a vetou sob a justificativa de que a alteração geraria impacto considerável ao regime fiscal.

Além do episódio do “Zap”, o impasse de quase três meses (dezembro/19 a março/20) teve ainda o chefe do Gabinete de Segurança Institucional – GSI, general Heleno, classificando a pressão dos congressistas de chantagem, sobretudo pelo grupo de partidos do “Centrão”.

No meio tempo, ainda que sem uma base necessariamente governista, o (des)governo Bolsonaro conseguiu costurar um acordo para que seus ministros determinassem o destino de ao menos 15 bilhões de reais. Contudo o acordo não vingou por pressão do próprio (des)governo, que ameaçou apostar no desgaste entre Câmara e Senado.

A estratégia, num primeiro momento, foi comprar briga com os deputados, desafiando-os a derrubar o veto e contando com o apoio de uma maioria de senadores a favor da decisão do presidente Bolsonaro. A Câmara derrubaria e o Senado restabeleceria o tal do veto 52. Terminou que, durante sessão conjunta do Congresso na terça-feira 3/3, foi anunciado articulação para aprovação de três projetos de lei sobre o assunto a serem votados nas próximas semanas.

O orçamento impositivo é um instrumento recente na vida pública brasileira: fixada como Emenda Constitucional 86, trata-se de uma criatura datada de 2015, quando a chantagem em nome da governabilidade contra a então presidente Dilma Rousseff não tinha medo da luz do Sol. A imposição nasceu no início do inferno astral da petista, deposta um ano depois, e contou com o apoio (veja só) do atual presidente, então deputado federal.

À época, calados estavam e calados ficaram os ditos liberais que hoje defendem o veto presidencial e se colocam contra a posição dos congressistas. É fato que o instrumento, estabelecido em meio a uma campanha de desestabilização do governo há cinco anos, significa mais dinheiro na mão dos parlamentares (em geral, representantes de oligarquias locais). Como a volatilidade ($$$) é uma das mais fortes marcas dos defensores do regime, a diferença de tratamento para o assunto, claro, é a pessoa que preside o País. Dilma lá, Bolsonaro cá.

O mais intrigante de toda essa discussão é a disputa por 30 bilhões de reais em um orçamento total de 3,6 trilhões de reais. Acontece que desse valor, em média 40% é destinado a honrar os compromissos com o sistema financeiro, via sistema da dívida pública, como didaticamente explica o gráfico da Auditoria Cidadã com base no orçamento do ano passado, e o restante divide-se no custeio da máquina pública (previdência social, transferência a estados e municípios, saúde, educação, assistência social, entre outros destinos).

O veto presidencial lembra ao Brasil que este país tem um regime presidencialista, em que a autoridade máxima é o presidente da República. Agora, a essência da discussão é a estridente conveniência dos que hoje “denunciam” o orçamento impositivo.

Precarização e abutres

Está para ser votada no Congresso Nacional a Medida Provisória 905/2019, que cria o “Programa Verde e Amarelo” e representa a fase mais recente do processo, em estágio avançado, de precarização da classe trabalhadora do Brasil.

A MP fixa salário-base inferior a dois salários mínimos, reduz à metade a multa do FGTS em caso de demissão sem justa causa dos trabalhadores nessa modalidade, estabelece o trabalho aos domingos e aos feriados a algumas categorias, desregulamenta a Lei do Estágio e impõe retrocessos significativos a classes que, coincidentemente, têm sido alvo de ataques pelo presidente da República, como a dos profissionais da imprensa.

Outra matéria que não esconde a influência do lobby por trás é o relatório final da MP 900/19 e a permissão para o ministério do Meio Ambiente, de Ricardo Salles, contratar uma instituição financeira, sem licitação, para criar e gerir um fundo privado (abutres) com recursos decorrentes de multa ambientais, como os 59 bilhões de reais (caso venham a ser cobrados) das notificações do IBAMA.

À base da especulação, o (des)governo sustenta que os valores, alguns oriundos de acordos de conciliação, serão convertidos em “serviços de preservação, melhoria e recuperação da qualidade do meio ambiente”.

Já que a mídia convencional se deixa levar ($$$) pelas peripécias de Bolsonaro e sua trupe, neste espaço a pauta do Congresso Nacional terá a devida e merecida atenção.

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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