Democracia estável e madura por aqui? Ninguém sabe, ninguém viu!

Por falta de tempo em meio a uma cada vez mais agitada rotina de atividades, este texto está sendo publicado com certo atraso. Não só por falta de tempo. A reflexão também pesou antes de a publicação deste artigo. O assunto exige.


Reconheço que há muito observo com ceticismo a possibilidade de fechamento do regime bolsonarista, com cerceamento (literal e à base de bala) das liberdades individuais, sobretudo daqueles que se colocam à oposição do desmonte explícito do que se classifica como nossa Soberania Nacional. Talvez isso se deva à formação como jornalista. Contudo, o “timing” acendeu o alerta de que tal investida está, mesmo, na ordem do dia dos homens do poder.

No dia 4/3 foi realizado no auditório Nereu Ramos da Câmara dos Deputados, em Brasília, o seminário “A Efetividade da implementação das ações contraterroristas no Brasil”, organizado pelo líder do (des)governo na Casa, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), para “discutir” o projeto de lei 1595/19, um dos braços da plataforma autoritária desenhada por integrantes da caserna (veja mais abaixo).

Sem cobertura midiática, a não ser o texto prévio no portal Justiça em Foco e o trabalho elogiável e esforçado do pessoal do Duplo Expresso, que tem disponível vasto material informativo sobre o tema, participaram do encontro ministros de Estado (Jorge Oliveira, Ernesto Araújo e Wagner Rosário), deputados (além do major, também esteve por lá o vice-líder do (des)governo, deputado Guilherme Derrite, do Progressistas-SP) e uma plateia nada discreta quanto aos interesses em torno da preposição (veja a foto, também de difícil acesso na rede).

A plateia seleta do evento do major Vitor Hugo

De caso pensado, a preposição é abstrata ao ponto de permitir a criminalização de atos de rua, manifestações e protestos, a partir da alcunha “terrorista”. Se não bastasse o processo de criminalização, corre-se o risco, ainda, de a permissão ao excludente de ilicitude nesses casos engrossar o caldo do ataque (“vamos fuzilar a petralhada”).

Em um aparente grande “acordão”, as cúpulas das instituições que, em tese, formariam as três pernas da República, tendo, por sua vez, também em teoria, a missão de defender irrestritamente o regime democrático, fazem vista grossa às sinalizações diárias do (des)governo Bolsonaro não só em tom desrespeitoso, mas de ameaça constante de que, se não for de seu jeito, não será de outro.

Reprodução / Perfil da deputada bolsonarista Carla Zambelli (PSL-SP)

A bem da verdade, há tempo tais instituições não cumprem com seus respectivos papeis. Por aqui, o de fora sempre é melhor e, pagando bem, leva o que quiser.

Com esse espírito, tramitam também no Congresso Nacional alguns outros projetos de lei que, a seu tempo (independente da tramitação ordinária), serão aprovados sem o devido acompanhamento e implementados para dar aquele verniz a situações autoritárias do dia-a-dia.

De permissão a um Estado que monitora todas as conversas no “Zap” e aplicativos semelhantes, passando por um grande banco de dados (COM TODOS OS DADOS), à autorização legal para “caçar” comunistas, esquerdistas e outros “istas” alvos dos que terão em mãos o mecanismo de caráter repressivo.

Por isso, objetivamente, cabe a cada um daqueles que se opõem a iminência de um contragolpe ampliar a base de defensores da democracia, por meio do compartilhamento nas redes sociais de conteúdos sobre a tramitação e as razões por trás dos seguintes projetos de lei:

PL 2418/19, do vice-líder do (des)governo na Casa, José Medeiros (PODE-MT), e a “obrigação de monitoramento de atividades terroristas e crimes hediondos a provedores de aplicações de Internet e dá outras providências”, legalizando o monitoramento indiscriminado de usuários em aplicativos de troca instantânea de mensagens;

PL 1595/19, do líder do (des)governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a defesa de “ações contraterroristas” contra quem der na telha;

PL 443/19, de autoria do deputado João Carlos Soares Gurgel (PSL-RJ), e a vontade de classificar como “terrorismo” crimes comuns, militância política, ato público e ocupação;

PL 3389/19, apresentado pelo genro de Silvio Santos, o deputado Fabio Faria (PSD-RN), estabelece a “obrigatoriedade de fornecimento do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para cadastro em aplicações de internet”, impondo a vinculação do documento a cada conta em rede social, o que acaba com o anonimato na rede e enriquece o banco de dados dos responsáveis pelas tais “aplicações”;

Além dos PLs, dê atenção ao Decreto 10.046/19, que cruza bancos de dados biográficos, biométricos e genéticos. O portal UOL publicou matéria sobre o assunto. Leia aqui.

Toquei nesse assunto porque vislumbro, a curto e médio prazo, cenário de agravamento dos ataques à minha, à sua e às nossas liberdades. Nunca é demais lembrar que o País não tem governo, portanto não há na parada qualquer resquício de interesse nacional, do coletivo.

O que se tem é um (des)governo puxadinho de outro, à sua maneira também autoritário e que cumpriu, bem, a missão de terraplanagem para o que se vê diariamente hoje.

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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