Ex-interventor no RJ, general Walter Braga Netto chega ao Planalto com a missão de fortalecer o escudo verde-oliva que cerca o presidente

General da ativa e, até poucos dias atrás, comandante do Estado-Maior do exército brasileiro, Walter Braga Netto é o primeiro militar a ocupar a Casa Civil, importante ministério por sua função (em tese) de articular medidas entre as pastas do governo, desde o homólogo Golbery de Couto e Silva, ministro dos ditadores brasileiros Ernesto Geisel e João Figueiredo. Netto substitui o deputado federal Onyx Lorenzoni (DEM-RS), agora ministro da Cidadania no lugar do deputado Osmar Terra (MDB-RS).


Como o gabinete da Casa Civil está alocado no Palácio do Planalto, sede do executivo, Netto, empossado na terça-feira 18/2, se junta aos generais Heleno, do Gabinete de Segurança Institucional – GSI, e Luiz Eduardo Ramos, da Secretaria de Governo, no escudo verde-oliva que agora cerca o presidente Jair Bolsonaro com vistas a algum “contratempo”. Se precisar de reforço, como também despacha do Planalto, tal barreira de vestes camufladas pode contar com o porta-voz oficial do (des)governo, general Otávio do Rêgo Barros.

Trata-se de estratégia reforçar a presença de militares nas divisões do (des)governo, sobretudo no mesmo prédio em que o presidente da República dá expediente todos os dias.

A decisão é parte de um dos desdobramentos dos trabalhos da Comissão Nacional da Verdade, no início da década passada: está em curso um plano velado para consolidar a imagem das Forças Armadas como a única instituição capaz de “resgatar” a sociedade brasileira dos “caminhos tortuosos da democracia representativa”.

Não por acaso os últimos anos (e provavelmente os próximos) ficaram (ficarão) marcados pelas convocações, a torto e a direito, dos militares, como recentemente no combate às queimadas na Amazônia Legal, recolhimento das manchas de óleo no mar e praias do nordeste do País e no convite para uma força-tarefa a fim de reduzir a fila de espera no INSS (???).

Da mesma forma que durante as atividades da comissão houve lobby das lideranças das FA a favor de punições mais brandas àqueles (alguns poucos) identificados como responsáveis pelas atrocidades do regime militar, o que se observa, desde então, é a crescente influência da caserna sobre as decisões políticas do País a partir de cargos estratégicos na estrutura.

A título de exemplo, Sérgio Etchegoyen como chefe do Departamento Geral do Pessoal com a ex-presidente Dilma Rousseff, que, por sua vez, recorreu aos militares para todas as suas demandas na área de segurança pública, desde a resposta ao conturbado ano de 2013, passando pelo apoio aos grandes eventos esportivos (Copa das Confederações e Copa do Mundo), até ocupar comunidades cariocas. Essas posições controversas podem ser explicadas por estarem dentro de um plano maior de recuperação (na verdade, reforço) da imagem das FA, o que, de maneira alguma, justifica terem sido empreendidas, ainda mais se tratando de um governo com plataforma popular. Caberia, sim, discussão mais abrangente sobre medidas práticas e alternativas ao enfrentamento à criminalidade sem adotar o expediente particular dos que se alinham contra valores democráticos.

Apesar da queda de Dilma, Etchegoyen seguiu por ali com a ascensão de Michel Temer. Por sua influência e posição, há fortes suspeitas de que teria participado do consórcio que depôs a petista. Tanto é que, com o (des)governo Temer, foi nomeado ministro-chefe do GSI e, com isso, em uma tremenda coincidência (poxa vida), as FA passam a ocupar cada vez mais espaço no dia-a-dia dos brasileiros.

Foto: Alan Santos/PR

É aqui que retomo a nomeação de Walter Braga Netto, peça do tabuleiro político nos últimos anos que andava distante dos holofotes da mídia (alô, general Richard Nunes). Além de enviar uma mensagem de que está cumprindo com o plano, Bolsonaro traz para perto de si aquele que foi responsável por nada menos que a mais ousada ação dos militares desde o fim da ditadura: a “intervenssão” (em homenagem ao PHA) na área de segurança pública do estado do Rio de Janeiro.

Ao longo do ano de 2018, dos meses de fevereiro a dezembro, Braga Netto foi o interventor escolhido por Temer para sitiar o estado fluminense em um experimento caro aos cofres públicos e repressivo aos mais pobres, com episódios de violação a direitos básicos como o de ir e vir.

Nesse contexto, dando um passo atrás, ainda em 2017, não se pode deixar passar despercebido a decisão do Congresso Nacional de alterar as competências da justiça militar, o que permitiu aos militares a situação mais que confortável e corporativista de terem seus casos envolvendo civis julgados por seus pares de instituição (militar julgando militar começa a valer em 2017 e, recentemente, já em 2019, o caso do músico Evaldo mostra como tem rendido muita impunidade).

A ex-vereadora do PSOL carioca Marielle Franco e o motorista do carro em que estava Anderson Gomes foram executados na região central da capital ocupada pela intervenção de Temer e Braga Netto. Havia militares por toda parte e, presumo, agentes da inteligência militar monitorando todos os cantos do Rio de Janeiro. Ainda assim, passados 707 dias desde aquela noite de 14/3/2018, não há confirmação de quem matou e quem mandou matar Franco, que, quando viva, não hesitou em criticar a medida decretada pelo ex-presidente.

No “armário” do novo ministro da Casa Civil está ainda a chacina mal explicada na comunidade do Salgueiro em novembro de 2017, quando Braga Netto ainda estava à frente do Comando Militar do Leste, responsável pelos efetivos do RJ. As investigações para esclarecer como se deram as oito mortes em uma aparente emboscada coordenada pelo exército na região foram alvos de bloqueio pelo agora ministro da Casa Civil, denunciou à época o escritório brasileiro da ONG Human Rights Watch. Parece que o ministro estava querendo esconder algo.

Perfil

“Forte liderança”, “bem articulado” e fama de disciplinado. Em conversa com pares de Braga Netto, alguns veículos de mídia divulgaram que ao menos esses três pontos teriam pesado no convite de Bolsonaro.

Dos três, a fama de disciplinado parece o mais valioso para o presidente, que não esconde seu viés autoritário e a vontade de ter para si toda a máquina pública brasileira (autocracia na essência). Por que a fama valeria mais do que as outras duas virtudes? Bom, Braga Netto, até onde se sabe, assume uma Casa Civil esvaziada, sem as suas principais funções: articulação com o Congresso está no escopo da Secretaria de Governo (Ramos), assuntos jurídicos do (des)governo na Presidência (Oliveira) e o programa de parcerias e investimentos (Guedes).

Braga Netto pode até ser muito instruído e capacitado, além de esperto ao trancar o armário com o passado recente com a única chave que carrega sempre no bolso da frente. No entanto, fica difícil esconder que, se não lhe derem trabalho para fazer, foi convocado apenas para integrar a barreira militar em torno do presidente (será que têm informações sobre os próximos meses e estariam preparando um autogolpe?).

Greve

Os petroleiros seguem firme com a maior greve desde 1995 e merecem o apoio de toda a sociedade brasileira. Como escrevi em texto publicado na semana passada, para defender a Soberania Nacional é preciso lutar pela existência de instituições como a Petrobras, peça-chave para o desenvolvimento do Brasil a longo prazo.

A bandeira é impedir a privatização da petroleira, incluindo a suspensão urgente do processo avançado de venda de seus ativos (subsidiárias como a FAFEN-PR). Para alcançar tal objetivo é preciso não esmorecer diante das intimidações, principalmente daqueles que vivem na redoma de vidro dos brasileiros privilegiados (Gandra e os R$ 90.000 de contra-cheque em dezembro/19).

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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