Eleições municipais de outubro devem influenciar tanto os assuntos como o ritmo da pauta do legislativo; na Suprema Corte o segundo semestre será de mudanças (para pior)

Já passados 33 dias deste ano bissexto de 2020, as duas casas do Congresso Nacional, Câmara dos Deputados e Senado Federal, e o Supremo Tribunal Federal – STF retomaram os trabalhos oficialmente na segunda-feira 3/2.


Na sede do Poder Legislativo federal uma sessão conjunta reuniu 65 dos 513 deputados e não se sabe ao certo quantos senadores (o sistema de contagem de presenças não havia sido atualizado até a publicação deste texto). Mais cedo, no prédio do STF, ministros, procurador-geral da República, presidentes da Câmara e Senado, e o vice-presidente do País congratulavam pelo início do ano judiciário.

O portal da Câmara dos Deputados contabilizou 345 propostas aprovadas em 2019, primeiro ano de (des)governo Bolsonaro, notabilizado, por sua vez, pelo número de decretos baixados (436 ao longo do ano passado) e pela edição de Medidas Provisórias (47 no total) em detrimento à quantidade de projetos de lei (31) e PECs (2) de sua autoria.

Geraldo Magela/Agência Senado

Dentre outras atividades, em 2019 o Congresso Nacional aprovou a contrarreforma da Previdência, gestada ainda no (des)governo Temer e articulada pelo de Jair Bolsonaro à base do repasse de emendas parlamentares em troca de votos a favor das alterações, que impuseram uma série de obstáculos ao acesso à aposentadoria (idade mínima, mudanças para baixo no cálculo dos valores e a extinção da modalidade por tempo de contribuição) e outros benefícios previdenciários.

Neste ano, a expectativa é que as eleições municipais de outubro próximo influenciem os temas a serem propostos e o ritmo da pauta entre os congressistas. De fato, os parlamentares, como sempre, enxergam no pleito nas cidades (prefeito e vereadores) uma fase a ser vencida em um jogo que pode garantir ou custar sua permanência como representante federal por anos. Para isso, nessa lógica que mobiliza a todos, independente do espectro político, garantem aos postulantes aliados nos seus redutos eleitorais todos os recursos e apoio para concorrer e vencer.

Essa dinâmica toma boa parte do tempo dos congressistas e promete, à medida que a campanha municipal se aproxima, ocupar mais ainda a agenda do Congresso. No entanto, até para mostrar serviço, todos estão interessados em apresentar alguns resultados (questionáveis) no primeiro semestre de 2020, em uma agenda de matérias que deve ser acompanhada de perto.

Da boca de lideranças partidárias, sobretudo do chamado Centrão (partidos que se vendem a qualquer um e por qualquer coisa, os puramente fisiológicos), vem aquela que deve ser a prioridade nos primeiros meses: as mudanças em nomes e alíquotas de impostos no País, em uma “reforma tributária” que, ainda em fase de discussão, revelou-se um embuste midiático para compor a narrativa de “reformas necessárias”.

Não há “reforma” propriamente dita em tramitação no Congresso Nacional. O que se tem, na verdade, são duas Propostas de Emenda à Constituição, a 45/19 e a 110/19, com a intenção de unificar os tributos e mantê-los em circulação sob um título (seja IVA ou IBS), com a mesma ou com poucas alterações na alíquota de arrecadação e sem a pretensão de aliviar sobre o consumo das famílias, onde hoje está o problema. Não há, nem mesmo, a intenção de taxar progressivamente os de mais renda, em suas heranças e, principalmente, na divisão dos lucros de seus negócios.

Ambas as propostas são de autoria do próprio Congresso, que aguarda o envio da versão a ser desenhada pela equipe econômica do (des)governo Bolsonaro. A promessa é de que será enviada nas próximas semanas.

Se o texto que está sendo elaborado pela equipe do ministro Paulo Guedes contiver o que está sendo divulgado na mídia corporativa por integrantes do tal “time” e pelo próprio presidente da República, pode-se dizer, mesmo sem conhecer o teor do documento, que o (des)governo defenderá a aprovação de uma “contrarreforma tributária”. Isso porque li e ouvi que não descartam o retorno de uma cobrança sobre transações financeiras, sejam convencionais ou digitais; devem alterar a tabela do Imposto de Renda; e querem mexer nos subsídios de itens da cesta básica.

Paralelamente ao andamento das mudanças no regime tributário, os deputados e senadores devem trabalhar por algum arranjo em prol da prisão a partir da segunda instância e articulam, com estados e municípios, a aprovação de uma PEC com mudanças na previdência de servidores estaduais.
   
Em meio a tudo isso é importante também acompanhar o avanço de propostas de viés autoritário, algumas de autoria de representantes do (des)governo Bolsonaro na Câmara, como os seguintes:

PL 2418/19, do vice-líder do (des)governo na Casa, José Medeiros (PODE-MT), e a “obrigação de monitoramento de atividades terroristas e crimes hediondos a provedores de aplicações de Internet e dá outras providências”, legalizando o monitoramento indiscriminado de usuários em aplicativos de troca instantânea de mensagens;

PL 1595/19, do líder do (des)governo, deputado Major Vitor Hugo (PSL-GO), com a defesa de “ações contraterroristas” contra quem der na telha;

PL 443/19, de autoria do deputado João Carlos Soares Gurgel (PSL-RJ), e a vontade de classificar como “terrorismo” crimes comuns, militância política, ato público e ocupação;

PL 3389/19, apresentado pelo genro de Silvio Santos, o deputado Fabio Faria (PSD-RN), estabelece a “obrigatoriedade de fornecimento do número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) ou Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) para cadastro em aplicações de internet”, impondo a vinculação do documento a cada conta em rede social, o que acaba com o anonimato na rede e enriquece o banco de dados dos responsáveis pelas tais “aplicações”;

Além dos PLs, é válido dispensar atenção à implementação do Decreto 10.046/19, baixado pelo presidente Bolsonaro, com a pretensão, para lá de autoritária e, em certa medida, totalitária de cruzar bancos de dados contendo biografia, biometria e até dados genéticos. O portal UOL publicou matéria sobre o assunto. Leia aqui.

Suprema virada

Presidente da Corte desde setembro de 2018, o ministro Dias Toffoli divulgou a pauta de julgamentos para o primeiro semestre deste ano, também seus últimos meses à frente das atividades do colegiado. Em setembro próximo passará o bastão ao colega ministro Luiz Fux.

Nelsom JR/STF

Consta da agenda dos ministros, decisões em torno de delações da JBS, da tabela do frete (é isso mesmo: quase dois anos de demora em julgar e o assunto não é mais pauta dos caminhoneiros? Onde estão os autônomos das estradas? Não querem comprometer o Mito?), da distribuição medicamentos caros pelo Estado, entre outros temas.

Não é de hoje que os ministros no STF não se entendem. Vira e mexe acontece de um mostrar que manda mais que o outro, cassando, via liminar e monocraticamente, a decisão de seu par e o assunto fica por isso mesmo. Também tem sido tratado com naturalidade o integrante da Corte que, ao observar que sua posição será derrotada na turma (colegiado de cinco ministros), decide por levar o tema ao plenário e arriscar a “sorte”.

Agora, o que se avizinha é uma mudança substancial com a ascensão de Fux à presidência do STF.

Vide a decisão tomada recentemente no caso do juiz de garantias. O ministro, ainda na condição de vice-presidente do STF e presidindo temporariamente (em regime de plantão), desrespeitou a posição do ainda presidente Toffoli e suspendeu por tempo indeterminado a implementação da nova figura jurídica.

Tenho que o ministro adotou tal postura movido por dois sentimentos, sendo o primeiro o corporativismo nato de quem permitiu a farra do auxílio de moradia a toda a magistratura, independentemente de terem ou não um teto, e com isso não estaria à vontade para defender uma melhor distribuição do orçamento do judiciário com vistas à inserção do juiz de garantias, e o segundo o seu aparente medo com os agentes responsáveis pelas operações de investigação, como a Lava Jato, motivado, talvez, pelas histórias dos verões passados, de outros carnavais e parceiros.

Ainda que desconsiderando o passado do ministro Fux, sua atuação já como membro do STF carrega um histórico de, por exemplo, impedimento ao trabalho da imprensa com uma espécie de “censura prévia” e de colaboração, por deixado dos panos, a medidas ilegais de agentes públicos.

A chegada de Fux, lá em setembro, representará uma virada para pior em um STF já comprometido com o caos institucional dos últimos anos e que, com sua omissão fortuita ou proposital, colaborou e colabora para o atual estado de coisas.

PS: Imagina só quando chegar ao STF o primeiro indicado oficial do bolsonarismo, em novembro, com a saída do ministro Celso de Mello.

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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