Ministro não soube explicar as medidas abstratas da pasta de Justiça e Segurança Pública

Ministro de Justiça e Segurança Pública do (des)governo Bolsonaro, o ex-juiz federal Sérgio Moro foi o convidado da estreia da nova fase do programa de entrevistas Roda Viva, da TV Cultura, na segunda-feira 20/1. Nesta nova etapa do semanal exibido desde 1986, a apresentação passou a ser feita pela jornalista Vera Magalhães, colunista do jornal O Estado de S. Paulo e ex-comentarista de política da rádio Jovem Pan.


Ainda que o programa tenha começado em seu horário habitual, às 22 horas, a participação do ministro Moro gerou repercussão desde a confirmação na semana passada, principalmente quanto à bancada de jornalistas convidados para fazer perguntas.

Esta foi a primeira oportunidade do ministro com jornalistas de distintos veículos de mídia, em formato diferente das tradicionais coletivas, após o início da Vaza Jato, série de reportagens coordenada pelo The Intercept Brasil em consórcio com os jornais Folha de S. Paulo, El País e Correio Braziliense, a revista Veja, além de portais de notícias a exemplo de UOL e Agência Pública, que, juntos, revelaram diálogos mantidos no aplicativo de mensagens Telegram por Moro, então juiz federal da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná, em Curitiba, e o procurador da república Deltan Dallagnol, coordenador oficial da operação Lava Jato (LJ).

Intercept e parceiros publicaram, até e edição deste texto, 95 matérias contando os bastidores da operação que, por seus métodos caracterizados pela espetacularização das ações e os laços com agências de inteligência estrangeiras, virou o País de cabeça para baixo, alcançando seletivamente figuras do campo político e, convenientemente aos interesses externos, destruindo setores importantes da economia nacional.

Imagem: Bad Samaritan

Exceção a Folha, representada pelo diretor da sua sucursal em Brasília, Leandro Colon, nenhum outro veículo da Vaza Jato foi convidado pela produção do programa, numa decisão não muito inteligente e que desconsiderou o interesse público em explicar o assunto mais importante na vida recente do entrevistado: a sua intimidade com os membros da LJ em prejuízo dos investigados e julgados em Curitiba.

Com base nos diálogos pode-se afirmar que o ex-juiz, de maneira ilegal, era quem, de fato, comandava o andamento da operação de investigação, sugerindo ao “gerente” Dallagnol, fora dos autos (sem protocolar), uma testemunha para prestar depoimento de acusação contra um de seus réus; pressionando para a realização de uma diligência de agentes da Polícia Federal, porque sentiu incômodo com o intervalo entre as fases da LJ; pedindo que não investigassem, não melindrassem um apoiador do seu trabalho; entre outras conversas que, sem explicação contundente por parte do próprio ministro, revelam uma atuação política de Sérgio Moro à frente das ações da Lava Jato.

O conteúdo das mensagens é mais que comprometedor para o ministro alçado ao cargo exatamente pelo trabalho como juiz federal e, como já esperado, foi tema de algumas perguntas dos entrevistadores no Roda Viva. Como não estavam ali os responsáveis pela investigação da Vaza Jato, as perguntas foram feitas sem os detalhes, sem recorrer a trechos literais, e também sem a devida pressão jornalística por uma resposta coerente. Não houve tréplica em nome da compreensão do público sobre o que está sendo desnudado pelas matérias.

Sérgio Moro de uma “sabonetada” nas poucas questões sobre as mensagens da Vaza Jato, alegando que se trata de “bobageirada” (neologismo da mesma família de “conge”), prazos processuais (no caso da divulgação de trecho da delação do ex-ministro petista Antônio Palocci a seis do primeiro turno das eleições presidenciais de 2018) e que os réus que passaram pela sua instância são todos corruptos (quando o que interessa ao jornalismo é a legalidade da sua atuação, uma vez que é um agente público com atribuições e responsabilidades definidas).

Medidas abstratas

Sérgio Moro não deu uma resposta satisfatória nem quando foi perguntado pelo diretor de jornalismo da rádio Jovem Pan, Felipe Moura Brasil, fã declarado do ministro, sobre a sua “política” para as fronteiras do Brasil e a respeito de quais medidas implementadas por seu ministério contribuíram para a queda dos indicadores de crimes violentos no Brasil.

Como de costume, o ministro foi abstrato e não apresentou aos telespectadores os detalhes do seu dia a dia na pasta, o que permite as suposições cada vez mais compartilhadas de que, a exemplo do governo do estado de São Paulo, o (des)governo teria firmado acordos com organizações criminosas em troca da queda nos índices, além da subnotificação de homicídios com o avanço de grupo paramilitares (milícias).

O único momento em que o ministro falou algo coerente foi o monólogo sobre o juiz de garantias. Ainda que sem explicar o que o incomoda na figura de um magistrado exclusivo para a fase de investigação (o de que este operador do direito só está sendo cogitado porque o ex-juiz ultrapassou o escopo de suas funções na LJ), Moro foi feliz ao comentar que a discussão do assunto no Congresso foi assoldada, sem estudos sobre a viabilidade, o alcance e o tempo necessário para pôr em prática, o que levou a recente decisão do presidente do STF, ministro Dias Toffoli, de adiar em seis meses a validação da lei.

O ministro só não contou que líderes partidários simpáticos ao seu suposto pacote anticrime, do qual faz parte o juiz de garantias (inserido pelos deputados federais), fizeram de tudo para aprová-lo a tempo de que a sanção presidencial ocorresse ainda em 2019. Ou seja, seus aliados, alguns sob orientação de seu ministério, contribuíram para análise assoldada do tema no Congresso Nacional.

Eleições 2022/2026

Ao longo do programa o ministro não escondeu que é uma figura política e que buscará um lugar ao Sol seja em 2022 ou, como dizem sonhar os bolsonaristas, em 2026, após eventual reeleição de Jair Bolsonaro.

Ele sabe que teria de melhorar a articulação política para, primeiro, ter seu nome indicado pelo presidente da República para uma das duas vagas a serem abertas no STF, com Bolsonaro já ventilando nomes que não o seu, e, segundo, conseguir a aprovação de seu nome no Senado Federal.

Como melhorar é mais exigente, deve colar ainda mais sua imagem como o responsável pelas medidas (ninguém sabe quais) de segurança do (des)governo Bolsonaro junto à população, se valendo de indicadores não detalhados como tem feito à frente do ministério.

Para o momento, isso parece suficiente para a legião de fiéis que o cerca. Para o seu êxito político a longo prazo, é preciso repensar a estratégia limitada em si mesma.

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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