Governador do Maranhão, Flávio Dino articula frente ampla para 2022, com teste em 2020

No dia 16/1, em artigo publicado no portal “Vermelho”, o deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), em tom de aviso, escreveu: “o elogio do presidente Lula a Flávio Dino é como um ‘abraço de urso’. Daí ser adequado Flávio saber o ponto exato de proximidade – ou será esmagado”.


Um tanto exagerado, o comentário de Silva repercutia um trecho da entrevista concedida pelo ex-presidente Lula à TVT um dia antes, na quarta-feira 15/1. Na oportunidade, respondendo se, “em última análise, o senhor admite a hipótese, em 2022, de o PT apoiar Flávio Dino à Presidência da República?”, provocada pelo jornalista Juca Kfouri, que conduzia a conversa ao lado de José Trajano e Talita Galli, Lula disse que:

“Por que não? Admito. O PCdoB já me apoiou quatro vezes. A dificuldade que não tenho mais de responder uma pergunta dessas é que se você tiver um jornalista em um jornal que vá assistir ao seu programa, vai dizer: “Lula vai apoiar Flávio Dino”. Eu gosto do Dino, acho ele uma figura competente, um companheiro da maior lealdade comigo em todo o meu processo, tenho por ele um apreço extraordinário. Agora veja, o PT é um partido muito grande comparado ao PCdoB.”

Na sequência da entrevista, Juca emendou se “é possível pensar na vitória de um candidato do Partido Comunista do Brasil no Brasil de hoje” e o ex-presidente, de cara, afirmou que “é difícil, e o Flávio Dino sabe disso” (a resposta não termina com a afirmação e pode ser conferida na íntegra aqui).

Em conversa com as jornalistas Thais Arbex, do jornal Folha de S. Paulo, e Constança Rezende, do portal UOL, no dia 23/1, Flávio Dino concordou, em parte, com o que disse o ex-presidente sobre a viabilidade eleitoral de uma chapa encabeçada por um político “comunista”, no entanto descartou qualquer possibilidade de trocar o PCdoB por outro partido em nome de uma suposta chance maior na corrida presidencial de 2022.

Em menos de uma hora, reiterou que articula para que a participação das forças à esquerda do espectro político nas eleições municipais de outubro próximo e em 2022 se dê em um contexto de “frente ampla”, com a integração de partidos do classificado pelo governador do Maranhão como “centro democrático”, por sua vez composto, em suas palavras, pelos sociais democratas (PSDB) e liberais (DEM). Não por acaso, como lembrado pelo próprio, esteve recentemente em reuniões com Lula e FHC e coordena um governo formado por legendas dos mais diversos matizes políticos (PCdoB, PRB, PDT, PPS, DEM, PSB, PR, PP, PROS, PT, PTB, PATRIOTA, PTC, Solidariedade, PPL e Avante).

Na foto à esquerda (de Felipe Dalla Valle/ Palácio Piratini), Flávio Dino, Fernando Henrique Cardoso e o governador do RS Eduardo Leite; na foto à direita (do Ricardo Stuckert), Lula e Dino;

Ainda que a manchete da entrevista de Dino tenha destacado o trecho em que afirma que prefere “que o Huck dialogue comigo do que com Bolsonaro”, o que levou muita gente a criticar a posição do governador sem buscar entender o contexto da colocação, as respostas foram satisfatórias e denotam que está trabalhando pelo estabelecimento, sob seu ponto de vista, de um campo prático de oposição à extrema-direita representada pelo bolsonarismo. Em outras palavras, foi coerente com a sua figura política.

A tática de Dino se assemelha a do Partido dos Trabalhadores em outros tempos, com a articulação política fundada no princípio da composição, mesmo que por razões diferentes, já que desta vez o denominador comum seria defender os valores da democracia representativa e os direitos civis e sociais básicos em contraposição ao avanço do desmonte do deficiente Estado Democrático de Direito e do incipiente estado de bem-estar social em construção no País há três décadas. No tempo de Lula e Dilma a dinâmica era a tal governabilidade.

Para Andrea Jubé, do Valor Econômico, a presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann (PT-PR), disse que “Dino é uma liderança que está se colocando no cenário nacional, é preparado e está fazendo um movimento legítimo”, complementando que “ele pode ser uma alternativa, nós o respeitamos muito, ele sempre foi muito leal à causa do presidente Lula”. Na entrevista, Hoffmann defendeu uma segunda candidatura do ex-prefeito Fernando Haddad à presidência da República em 2022.

Sob o aspecto partidário, as conversas de Dino com lideranças das mais distintas legendas convergem com a ideia de que para frear o avanço da extrema-direita só com a constituição de uma frente incluindo setores da centro-direita.

Flávio Dino pode até ter sido exitoso em reunir em torno de seu nome na esfera estadual partidos de todos os lados, mas em nível nacional é um tanto difícil sustentar a composição com legendas que, mesmo antes de saírem a apoiar o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, estiveram ao lado dos governos petistas por puro fisiologismo político (condicionando o apoio a boas posições na máquina pública, quase sempre sendo correspondidas) e hoje cerram fileiras com o bolsonarismo na sua agenda econômica, com participação preponderante, por exemplo, na aprovação das contrarreformas trabalhista e previdenciária.

O governador é feliz quando reforça que os brasileiros têm perdido uma série de direitos sociais nos últimos anos. Trata-se de uma verdade irrefutável e a olhos vistos. Agora, é importante lembrar que essa perda é resultado do modus operandi amplamente apoiado pelos tais sociais democratas e liberais do Brasil com quem Dino diz está disposto a conversar e firmar alianças eleitorais. A bem da verdade, sem partidos como PSDB, DEM, e outros já do baixo clero, como PSC, PTB, PL, Republicanos e Progressistas, e por aí vai, as contrarreformas não teriam sido aprovadas e implementadas ao longo do (des)governo Temer e do início do (des)governo Bolsonaro. Suas lideranças são tão perigosas quanto voláteis.

Concordo com a articulação por uma frente ampla, desde que composta por aqueles atores que defendem o diálogo com todos os estratos da sociedade e efetivamente respeitam a pluralidade ideológica. Efetivamente quer dizer efetivamente e não discurso/apoio por conveniência e pensando nas disputas eleitorais.

Os integrantes de tal frente ampla precisam também carregar consigo o histórico de que estiveram/estão denunciando a situação nada boa do País. Não é possível, sobretudo depois de tudo o que aconteceu (traição institucional e prisão arbitrária do maior líder da esquerda no País), cerrar fileiras com o outro lado porque a esquerda é benevolente e sabe “perdoar”.

Caso tenham mudado. Se perceberam que estavam errados em algumas de suas posições, como o apoio à agenda bolsonarista e, antes, a “ponte para o futuro”. Ora, que reconheçam perante a sociedade e vão ao encontro daqueles que sempre se colocaram à disposição do diálogo. Como disse Flávio Dino ao UOL, “até os ursos compõem a nossa frente ampla".

Sobre a coluna

Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
Compartilhe:

Claudio Porto

Jornalista independente.

Deixe seu comentário:

0 comments so far,add yours