Sérgio Moro e membros da Lava Jato
são pegos em conversas nada legais, em meio a um (des)governo que completa seis
meses
No documentário “Democracia em Vertigem”, a cineasta Petra Costa se propõe a contar em quase duas horas a “ascensão e queda” do Partido dos Trabalhadores à frente da Presidência da República e o recrudescimento de uma polarização que sempre esteve cercando a opinião pública brasileira. Ali, os acontecimentos são retratados a partir do ponto de vista da própria diretora que diz ter testemunhado como os agentes políticos tomaram suas decisões nas duas primeiras décadas deste século. O teor do filme, que é o que de fato interessa, mostra como todos os brasileiros estavam envolvidos nas escolhas: do desatento (por razões diversas, entre elas a financeira, ainda um limitador do acesso à informação), que se neutralizou e optou por não participar do processo, aos que se colocaram em lados distintos do muro e tomaram as ruas para defender, cada qual, a plataforma política de preferência de seu perfil social (construído por fatores que vão se somando ao logo do tempo). Estavam todos compondo, à sua maneira, a cena dos últimos anos da vida pública nacional.
Iniciar este texto recomendando duas obras que expõem o
passado recente do País e como este influenciou nos nossos dias e no futuro
próximo revela que, felizmente, o Brasil dos últimos anos começa a ter quem o
conte. Isso carrega aspectos positivos, como as condições para análises mais
precisas.
Os textos publicados desde o domingo, 9/6, trazem à tona transcrições
de conversas trocadas entre os membros da Lava Jato no aplicativo Telegram. Nas
conversas até aqui divulgadas (até o momento divulgadas, reforça-se):
orquestração para se impedir uma vitória eleitoral do Partido dos Trabalhadores
na corrida presidencial de 2018. A “virada de mesa”, que tanto Moro tem dito
nos discursos em que justifica a aposentadoria da magistratura e a ida para a
política, viria com a candidatura e eventual eleição do ex-presidente Lula. Isso, em um trabalho que se mostrou, a partir
dos chats, planejado com antecedência e coordenado pelo ex-juiz que hoje é
ministro da Justiça de Bolsonaro e colocado por alguns como pré-candidato à
presidente do Brasil.
Do que foi revelado até este momento, destaca-se o poder
probatório do material contra Moro e procuradores, ainda que talvez seja
considerado apenas para anulação das decisões tomadas por eles. Os vícios
apontados nas conversas são, sim, capazes de incriminar os próprios agentes,
mas não podem ser usados neste primeiro momento porque não há certeza sobre a
forma como as conversas foram acessas e vazadas (fala-se em hacker, em traição no
grupo, e por aí vai).
A TV Jovens Cronistas, canal oficial do blog no Youtube, tem
acompanhado as atualizações daquela que está sendo chamada nas redes sociais de
Vaza Jato. Clique aqui e confira.
Outros pontos daquele programa de governo protocolado no
Tribunal Superior Eleitoral – TSE nas eleições presidenciais do ano passado têm
sido implementados, alguns certa celeridade, outros nem tanto. A esplanada dos
ministérios do (des)governo tem lá seus técnicos, pessoas que seriam
especialistas nas respectivas áreas, o que não quer dizer que priorizam o
interesse coletivo ao definir as políticas de suas pastas.
O (des)governo não se desfez de Marcelo Álvaro Antônio,
coordenador de esquema de candidaturas laranjas do PSL em Minas Gerais, segundo
aponta matérias do jornal Folha de S. Paulo, mas já não conta mais com Gustavo
Bebianno (Secretaria da Presidência), Ricardo Vélez Rodrigues (Educação) e Carlos
Alberto dos Santos Cruz (Secretaria de Governo). Houve outra alteração no corpo
ministerial: o ministro Floriano Peixoto, que substituiu Bebianno, deixou a
Secretaria da Presidência para assumir o comando dos Correios, de onde saiu, há
alguns dias, o general Juarez Cunha, por ser “sindicalista” (foi fotografado
com parlamentares da oposição, durante uma visita ao Congresso Nacional, e é
contra a privatização da estatal).
Ao longo deste primeiro semestre de (des)governo quatro
ministros foram trocados e 19 baixas no segundo escalão. Aqui insere-se Joaquim
Levy, agora ex-presidente do BNDES. Houve cobrança por parte do presidente para
a divulgação de uma suposta “caixa-preta” com dados do banco e o máximo que
Levy conseguiu reunir foram aquelas informações apresentadas no dia 18 de
janeiro (os dados compartilhados naquela ocasião já estavam abertos e disponíveis
no site da instituição). No lugar, o presidente nomeou Gustano Montezano, amigo
de algum tempo dos filhos e renomado arrombador de portão.
No documentário “Democracia em Vertigem”, a cineasta Petra Costa se propõe a contar em quase duas horas a “ascensão e queda” do Partido dos Trabalhadores à frente da Presidência da República e o recrudescimento de uma polarização que sempre esteve cercando a opinião pública brasileira. Ali, os acontecimentos são retratados a partir do ponto de vista da própria diretora que diz ter testemunhado como os agentes políticos tomaram suas decisões nas duas primeiras décadas deste século. O teor do filme, que é o que de fato interessa, mostra como todos os brasileiros estavam envolvidos nas escolhas: do desatento (por razões diversas, entre elas a financeira, ainda um limitador do acesso à informação), que se neutralizou e optou por não participar do processo, aos que se colocaram em lados distintos do muro e tomaram as ruas para defender, cada qual, a plataforma política de preferência de seu perfil social (construído por fatores que vão se somando ao logo do tempo). Estavam todos compondo, à sua maneira, a cena dos últimos anos da vida pública nacional.
A história contada no documentário é finita: termina com a
prisão do ex-presidente Lula, em abril de 2018. Desde lá, a divisão da
sociedade vem passando por processo de solidificação, o que guarda aspectos
positivos. Antes, é preciso dizer que, de fato, o filme, disponível na Netflix
desde 19/6, permite uma espécie de retrospectiva. Ainda assim, é um produto (o
filme) feito para um público segmentado e um nicho específico, não pelo
tratamento dado ao assunto, mas pela exclusividade da disponibilização que, ao
menos neste início, se dá apenas pela plataforma de streaming, com planos a
partir de R$ 21,90/mês (a razão financeira abordada no 1º parágrafo).
Um pouco mais democrático no acesso, por estar disponível
“gratuitamente” no Youtube,
a série de três episódios de “Brasil em Transe”, do jornalista brasileiro
Kennedy Alencar, também cumpre bem o papel de contextualizar como tudo, absolutamente
tudo, no âmbito das escolhas e decisões sempre esteve interligado. Nada foi ou
é por acaso no campo do pragmatismo político.
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Imagem: Chargista Duke |
Vaza Jato
As obras nos permitem, por exemplo, relembrar a atmosfera
dos tempos em que a Lava Jato tinha força suficiente para evitar a divulgação
das suas máculas. Hoje não tem mais.
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Imagem: Chargista Toni D'Agostinho |
Antes de seguirmos para uma contextualização dos quase seis
meses de Jair Bolsonaro e seu grupo no Poder, o mais recente escândalo político
exposto pelo site jornalístico The Intercept, ainda que os veículos tradicionais
custem a tratá-lo como tal, revela o que este JC e tantos outros projetos de mídia alternativa denunciam há anos sob
a licença da análise crítica: a força-tarefa da operação Lava Jato, de fato, optou
por abrir mão de ser apenas um agrupamento de combate à corrupção. Os seus
integrantes se estruturam como organização política, usando de instrumentos
jurídicos para retirar do páreo todos os considerados “inimigos”. Considerados
por quem? Segundo as sete matérias publicadas pelo Intercept até o fechamento
deste texto, tais “inimigos” eram definidos por figuras como o ex-juiz federal
Sérgio Moro e os procuradores da República Deltan Dallagnol e Carlos Fernando
dos Santos Lima. Sim, eles foram pegos em conversas nada legais. Legais como
derivativo de legalidade.
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Charge: Gilmar, o "Cartunista das Cavernas" |
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Imagem: Charge de Renato Aroeira |
Por se tratar de publicações em série, e em andamento, é
importante acompanhar com atenção a marcha dos desdobramentos e dar publicidade
ao conteúdo, ao mesmo tempo em que também se trabalha para descobrir como as
conversas chegaram onde estão hoje. Não deixa de ser uma oportunidade para a
opinião pública discutir todos os aspectos que cercaram a Lava Jato: desde a
atuação dos agentes, passando pelo apoio nas ruas, à cobertura jornalística
feita a partir das ações.
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Imagem: Chagista Jota Camelo |
Seis meses
Apontado como beneficiário direto do encaixe de peças
explorados por Petra e Alencar, do início deste editorial, o (des)governo
Bolsonaro está a poucos dias de completar seis meses. Ainda que as redes tornem
a compartilhar que são seis meses a menos de mandato, muitas das propostas
políticas do grupo foram iniciadas e já apresentam graves consequências para o
conjunto geral da sociedade.
Os cortes no orçamento da área de educação, por exemplo,
ameaçam a manutenção de inúmeras pesquisas científicas. A medida foi provocada
inicialmente por pura birra ideológica, quando da fala de Abraham Weintraub ao
jornal O Estado de S. Paulo sobre “balbúrdia” nas universidades públicas, e não
por dificuldades de arrecadação como justificam hoje os burocratas em uma
reação às mobilizações estudantis de maio. Alguns estudos, diga-se, só não
serão interrompidos porque a oposição conseguiu negociar com aquilo que se
denomina de base aliada do (des)governo no Congresso, para a votação do crédito
suplementar de quase R$ 250 bilhões, o remanejamento de R$ 1 bilhão para a
educação. O (des)governo questionou, mas cedeu.
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Charge: Carol Andrade, "Barbie Cospe Fogo" |
No ministério da Cidadania, Osmar Terra mantém o programa de revisão e cortes de benefícios do programa Bolsa Família (quase 400 mil famílias somente em janeiro) e, mais recentemente, impediu a publicação de pesquisa com o panorama do uso de drogas no País, realizada pela Fundação Oswaldo Cruz – FIOCRUZ, só porque o levantamento não
apresentaria um surto de usuários de entorpecentes, como ele defende em seus
discursos.
Na Agricultura e Meio Ambiente, comandados por Tereza
Cristina e Ricardo Salles, respectivamente, os ruralistas do Agronegócio mandam
e desmandam. Se no (des)governo Temer o lobby explícito desse grupo se dava
prioritariamente junto aos parlamentares, sobretudo em busca de anistias
financeiras, agora eles estão entranhados ocupando funções em ambos os
ministérios. Para se ter uma ideia da gravidade, o Brasil acelerou o processo
de aprovação de agrotóxicos e, somente nestes primeiros meses, já foram liberados mais de 160 novos venenos (até
onde se sabe, não houve aperfeiçoamento do trâmite ou desburocratização do
processo, com a criação de novos mecanismos, mas sim ações deliberadas, ou seja,
por vontade própria da ministra e seus secretários). Já Salles, também
conhecido como o ministro já condenado por improbidade administrativa do
(des)governo, tem promovido verdadeiro esvaziamento da pasta de Meio Ambiente:
no Instituto Chico Medes de Biodiversidade – ICMBio, responsável pela
manutenção e fiscalização das unidades de conservação federais, o presidente e os
diretores do corpo técnico foram substituídos por agentes de segurança do
estado de São Paulo (policiais), e várias de suas unidades regionais devem ser fechadas; e os conselhos constituídos majoritariamente por figuras da área ambiental foram descontinuados.
Nos outros ministérios as administrações não são muito diferentes.
O que se ver em seis meses: pouquíssima efetividade no tocante, usando-se de
uma expressão do próprio presidente, a atender as verdadeiras demandas do País,
que segue apenas (é isso: apenas) observando, sem demonstrar reação, os indicadores
sociais e econômicos refletindo piora e as expectativas se esvaindo.
Em seis meses nada foi feito, por exemplo, para estancar o
aumento de brasileiros(as) desempregados(as). Nada é nada, mesmo. Para as mais
de 13 milhões de pessoas em tal situação, nem mesmo palavras de acalanto, de que
as coisas irão melhorar. O presidente e seus assessores fingem não ver. E não é
de hoje que atuam assim. Para essas pessoas, a política é apenas o meio ideal para
satisfações na esfera individual e coletiva (familiar). Não por acaso
observa-se várias decisões de âmbito estritamente particular sendo tomadas. O fiscal
do IBAMA que multou o presidente da República foi uns do que “rodaram”. Ora,
por quê? Ingerência, talvez.
A proposta de alteração, por exemplo, de multas e pontos na
Carteira Nacional de Habilitação, assim como a retirada de radares de rodovias
desconsiderando estudos, não encontra outro respaldo a não ser o de que, no
fundo, se trata de uma vontade pessoal do chefe do Executivo. E o pior é que
propostas nesse sentido é o que não falta no (des)governo.
Mudanças
Jair Bolsonaro governa o Brasil, naquilo em que o deixam
(quem? As alas olavistas e militares), como se fosse a sua casa no condomínio
Vivendas da Barra, onde é vizinho de Ronnie Lessa, principal suspeito de
assassinado e vereadora Marielle Franco.
Em seis meses à frente da Presidência está muito claro que o
presidente tem liberdade até certo ponto e em algumas áreas. Isso está tão
escancarado que as mudanças já feitas em funções do governo federal foram todas
pensadas pelas “alas” e, muitos casos, Jair Bolsonaro foi apenas o da assinatura
dos termos de posse.
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Imagem: Chargista Laerte |
Peixoto deixou a secretaria para o advogado e major da PM do
DF Jorge Antonio de Oliveira Francisco – amigo íntimo da família Bolsonaro.
Outro amigo próximo alçado ao cargo de ministro foi o general
da ativa Luiz Eduardo Ramos Baptista Pereira. Ele assumiu no lugar de Santos
Cruz, maior baixa depois da queda de Bebianno, não apenas pelo cargo que ocupou
(gabinete no Planalto), mas por também ter sido amigo de longa-data de
Bolsonaro.
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Charge: Renato Machado |
Há, entre os entusiastas, uma máxima que é preciso dar tempo
para o presidente Bolsonaro. Sim, de fato ele está apenas no início de sua
gestão. Mas não é possível que tudo esteja certo e que o governo tenha escolhido
o melhor caminho para a resolução das deficiências do País.
Enfim, se já é estranho compreender o fato de terem o
escolhido desconsiderando o retrospecto, quase 30 anos como deputado federal e nenhum
projeto útil para o conjunto da população, é ainda mais difícil entender quem fecha
os olhos para os primeiros seis de meses de algo que não tem o objetivo de dar
certo. Ao menos não para a maioria dos brasileiros.
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