Ex-presidente acumula 25 anos de prisão
em sentenças frágeis e com muitas
lacunas não preenchidas; há razões para a alegação de perseguição
As aspas escolhidas pelo articulista para abrir este
editorial não representam o trecho mais importante e simbólico daquele dia
14/11. "Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”, também
falou a juíza em momento classificado pela chamada grande mídia como bronca ao
ex-presidente. Trecho, inclusive, estampado em ao menos uma das camisetas da primeira-dama
do Brasil, Michelle Bolsonaro. Sabe-se disso porque a senhora Bolsonaro, parte envolvida no “Bolsogate” – escândalo de corrupção que atinge em cheio o clã Bolsonaro
–, deixou-se ser fotografada e gravada vestida com a camiseta de pano preto com os dizeres da juíza no mínimo mal-educada.
De fato há maior volume probatório neste caso do que no do tríplex
do Guarujá. O MPF reuniu fotos do ex-presidente no local e troca de e-mails entre
caseiros do local e o instituto Lula com mensagens direcionadas a sua falecida
esposa, a ex-primeira-dama Maria Letícia. É verdade que vira e mexe o dois e
família passavam alguns dias descansando na propriedade, o que poderia levantar
suspeitas de ser ele o verdadeiro dono, ainda que os registros em cartório apontem
os empresários Fernando Bittar, filho de Jacob Bittar, amigo de longa-data do
ex-presidente, e Jonas Leite Suassuna, como sendo os proprietários.
O ato de Hardt também pode ser observado do aspecto de
movimento articulado, por serem os últimos dias da juíza à frente dos trabalhos
na 13ª Vara, que mostrou ter lado ao tratar o réu Lula da forma que tratou em
depoimento e não perderia a oportunidade
de assinar tal sentença, e porque o juiz que assumiu efetivamente as
atividades naquela justiça federal na sexta-feira 8/2 já havia sido escolhido. Luiz Antônio Bonat, juiz
federal que até pouco tempo atuava somente em ações previdenciárias na mesma 13ª Vara e pouco
sabe-se sobre sua posição e doutrina. Ou seja, pode-se dizer que com Bonat a condenação
não seria certa.
Defesa de Lula e organização da mobilização
"Doutor, por favor. Ele não vai fazer acusações sobre
meu colega aqui", disse em 14 de novembro de 2018 a juíza da 13ª Vara da
Justiça Federal do Paraná Gabriela Hardt quando do depoimento do ex-presidente
Lula em ação penal que o incrimina por supostamente ter se beneficiado de
reformas financiadas por grandes empreiteiras em um sítio localizado na cidade
de Atibaia, interior de São Paulo. Hardt substituiu o agora ex-juiz federal
Sérgio Moro, o “colega” das aspas do início deste artigo e “semideus” – metade
deus e metade deus – da atual justiça brasileira. Nunca é demais lembrar que
Moro abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública
do (des)governo Bolsonaro, em um movimento para lá de contestável por ser quem
é e por ter feito o que fez. O “ele” das aspas, por óbvio, é Lula.
Foto: Paulo Pinto |
Próximo de completar três meses daquela audiência, Hardt,filha de família importante da elite do município de Indaial, em Santa Catarina– o que explica em parte a sua posição conservadora, refratária a vertente mais liberal do Judiciário –, expediu na tarde do dia 6/2 a segunda condenação de
mais 12 anos e 11 meses de reclusão contra o ex-presidente Lula, mantido preso
desde 7 de abril de 2018 nas dependências da superintendência da Polícia
Federal em Curitiba. Mesmo com os dias para a sua saída do comando das ações na
13ª Vara contados, a juíza que apenas substitui o ex-juiz Sérgio Moro até a
definição pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF-4 preferiu por não
aguardar e despachou a condenação sem se importar com inúmeros erros de
digitação e confusões minimamente suspeitas, como tratar José Adelmário Pinheiro e Léo Pinheiro como duas pessoas, quando o
último trata-se de apelido do primeiro.
Não diferente de seu “colega” Moro, a juíza Hardt também não
conseguiu reunir na sentença
de agora provas claras da participação do ex-presidente Lula nos crimes
imputados pelo Ministério Público Federal. Coincidência ou não, ela também, assim
como o ex-juiz federal, não apontou quais seriam os chamados atos de ofício que
Lula, ainda na condição de presidente da República, teria praticado para manter
no cargo os dirigentes da Petrobras Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque,
Pedro José Barusco Filho, Nestor Cuñat Cerveró e Jorge Luiz Zelad, como aponta
na denúncia do MPF. Na sentença também não encontra-se o quaisquer vínculos
entre os recursos financeiros pagos na forma de propinas pelos empreiteiros aos
membros do conselho administrativo da estatal e os valores empregados no
pagamento das obras de reforma da residência do sítio.
Foto: Reprodução / Twitter |
Ainda que o fosse assim, haver pessoas do círculo íntimo do
Lula se passando por laranjas, a denúncia sob a qual Hardt deveria sentenciar o
réu não trata disso. O MPF, assim como na ação julgada por Moro, acusa com base
em convicções, sem qualquer documento que corrobore tal versão, o ex-presidente
de ser o dono de fato do sítio e sim beneficiário do tríplex, em que ele não passara
um dia sequer, segundo os próprios procuradores que à época não conseguiram
provar o contrário e Sérgio Moro que assegurou em resposta a um dos embargos de
declaração da defesa de Lula que não havia encontrado relação entre o que ficou conhecido como “Petrolão” e o apartamento da OAS.
Tanto lá como cá, os membros da Lava Jato acusam Lula de ter
conhecimento dos saques ocorridos na Petrobras simplesmente por ter sido presidente
da República, que dentre outras incumbências indica os integrantes do conselho
administrativo da Petrobras, assim como o faz agora o presidente Jair Bolsonaro
com suas escolhas verde-oliva. Como parte da explicação oferecida junto à
denúncia os procuradores listam, em ambos os casos, contratos que teriam
servido para negociatas entre diretores e empreiteiros. Na denúncia que levou a
mais essa condenação, são seis os contratos em que havia desvios de 1 a 3% de
propinas, segundo o MPF.
Para não dizer que a denúncia do MPF cumpriu apenas a função
protocolar de peça de acusação, já que mais uma vez o juízo curitibano parece
não ter lido as razões pela qual acusam o ex-presidente e sentenciara Lula a
bel-prazer, a juíza Gabriela Hardt sustenta a competência de a 13ª Vara julgar
a ações na posição dos procuradores. “Deve
ter o Juízo, portanto, presente, na avaliação da competência, a imputação
conforme apresentada pelo Ministério Público Federal independentemente de
questões de mérito”, escreve Hardt, deixando claro aos que ainda não
entenderam uma das circunstâncias que caracterizam o estado de exceção: primeiro
julga-se, depois e se der, faça-se a revisão da competência.
Hardt vai além e não faz como Moro que aguardou os embargos
declaratórios da defesa de Lula para se contradizer. Ela já o faz de pronto na
sentença, quando escreve que “de fato não
há prova de que os recursos obtidos pela OAS com o contrato com a Petrobrás
foram especificamente utilizados para pagamento ao Presidente. Mas isso não
altera o fato provado naqueles autos de que a vantagem indevida foi resultado
de acerto de corrupção em contratos da Petrobras”. Em outro ponto, a juíza sintetiza
parte da denúncia e as recomendações feitas pelo MPF para a sentença. No trecho,
Hardt valida a acusação de que ao todo Lula teria recebido benefícios das
empreiteiras no valor de 1,020 milhão de reais, rateado em três conjuntos:
“Que primeiro
conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro teria ocorrido
entre outubro de 2010 e 08 de agosto de 2011,quando o ex-presidente, José
Carlos Bumlai, Fernando Bittar e Rogério Aurélio Pimentel dissimularam e
ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de pelo menos
R$ 150.500,00 usados nas reformas, sendo tais valores oriundos de crimes
cometidos no contexto da contratação para operação da sonda Vitória 10000 da
Schain”;
“Que o
segundo conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro teria
ocorrido entre 27 de outubro de 2010 e junho de 2011 quando Lula, Emílio
Odebrecht, Alexandrino Alencar, Carlos Armando Pasycoal, Emyr Diniz Costa
Junior, Rogério Aurélio, Roberto Teixeira e Fernando Bittar, em unidade de
desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a
propriedade de pelo menos R$ 700.000,00 usados nas reformas do sítio de
Atibaia, sendo tais valores oriundos dos diversos crimes já imputados aos denunciados”;
“Que o
terceiro conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro
teria ocorrido quando Lula, Leo Pinheiro, Paulo Gordilho e Fernando Bittar, em
unidade de desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição
e a propriedade de pelo menos R$ 1700.000,00 usados nas reformas da cozinha do
sítio de Atibaia, sendo tais valores oriundos dos diversos crimes já imputados
aos denunciados”.
O leitor mais atento já percebeu o porquê de o articulista
transcrever este trecho. Perceba que, exceção feita ao chamado primeiro
conjunto, os dois últimos não descrevem a origem dos valores. Sem
aprofundamento, os valores são retratados como sendo “oriundos dos diversos
crimes já imputados aos denunciados”. E ponto.
Para os ainda não satisfeitos, a juíza dá uma “banana” e acompanha
a peça de acusação inclusive nas penas impostas aos réus. Enquanto Lula, com 73
anos de idade, foi condenado a 12 anos e 11 meses em regime fechado, o outros
tiveram as penas reduzidas. O próprio Léo Pinheiro, presidente da OAS e delator
em que se baseou toda a acusação e sentença, terá de ficar recluso por 1 ano, 7
meses e 15 dias; o pecuarista José Carlos Bumlai foi condenado a 3 anos e 9
meses; o advogado particular do ex-presidente, Roberto Teixeira, a 2 anos de reclusão; Fernando Bittar a 3 anos,
mesmo tempo de condenação do empresário ligado à Léo Pinheiro, Paulo Gordilho.
Cortina de fumaça e movimento
articulado
A segunda condenação de Lula veio em uma semana ruim para Sérgio
Moro à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública do (des)governo
Bolsonaro. Ainda que ele tivesse planejado toda a encenação para a apresentação
do seu chamado plano anticrime e corrupção, com projetos de lei que prometem
modificar mais de pontos da atual legislação, pontos da proposta, como a expansão
do direito à legítima defesa – criando na prática o excludente de ilicitude
para as forças de segurança –, pegaram mal junto ao Congresso Nacional, STF, movimentos
sociais, entre outros agentes da opinião pública, e a imagem do ministro já
estava se desgastando nos pseudoprogramas de análise política. A quem considera
uma boa teoria da conspiração, a condenação de Lula veio em boa hora para o
ministro de Jair Bolsonaro.
Foto: Divulgação / TRF-4 |
Outro ponto levantado por analistas mais atentos é que a
sentença veio para agregar na articulação do Judiciário contra a liberdade do
ex-presidente abordada por este articulista em uma das edições do programa JC Express, na TV Jovens Cronistas. Já
se vislumbrava a mudança de entendimento sobre a prisão em segunda instância pelos
ministros do STF, em 10 de abril, e com isso uma eventual soltura de Lula. Com
a segunda condenação, mesmo que ainda não validada pelo TRF-4, a situação para
o ex-presidente fica ainda mais difícil.
Defesa de Lula e organização da mobilização
O grupo de advogados de Lula ainda não decidiu se entra com
embargos de declaração na mesma Vara de Hardt ou recorre aos desembargadores do
TRF-4. Faça-se como na primeira condenação: busca-se os direitos na 1ª instância
para depois seguir ao Tribunal Regional. Sabendo que não devem dar outro
andamento aos casos envolvendo o ex-presidente Lula a não ser mais condenações
até o tornem um preso perpétuo, segue-se o rito ao ponto de não permitir a
antecipação de nenhuma fase do trâmite. Em síntese: protelar neste momento pode
resultar em uma libertação ainda que por alguns dias do ex-presidente lá na
frente, o que pode ser importante para a mobilização de oposição à agenda
bolsonarista de desmonte da cadeia de seguridade social e direitos civis básicos.
No dia 8/02 houve atos convocados pelo Partido dos
Trabalhadores em vários municípios do País. Em São Paulo a manifestação
aconteceu em frente ao prédio da sede do diretório nacional da legenda e contou
com a participação de quadros petistas como o ex-presidenciável Fernando
Haddad, o deputado federal José Guimarães, e o vereador Eduardo Suplicy. O ponto
a destacar foi a baixa participação popular, apesar de o bom número de
participantes estritamente militantes.
Numa semana em que programas como o Minha Casa Minha Vida e Mais
Médicos foram extintos e a nefasta proposta de contrarreforma da
Previdência Social do (des)governo Bolsonaro foi apresentada é mais que
necessário reorganizar as forças de luta, o que inclui libertar o ex-presidente
Lula, para de fato se contrapor aos tempos sombrios que recaem sobre o Brasil. É
importante arregimentar forças e mobilizar as massas.
Clique aqui para assistir a 5ª edição do programa Redação JC, com análise do turbulento início dos trabalhos no Congresso Nacional.
Para críticas, sugestões ou dúvidas, deixe sua opinião na seção "comentários" logo abaixo ou escreva para: cons.editorialjc@gmail.com
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