Ex-presidente acumula 25 anos de prisão em sentenças frágeis e com muitas lacunas não preenchidas; há razões para a alegação de perseguição

"Doutor, por favor. Ele não vai fazer acusações sobre meu colega aqui", disse em 14 de novembro de 2018 a juíza da 13ª Vara da Justiça Federal do Paraná Gabriela Hardt quando do depoimento do ex-presidente Lula em ação penal que o incrimina por supostamente ter se beneficiado de reformas financiadas por grandes empreiteiras em um sítio localizado na cidade de Atibaia, interior de São Paulo. Hardt substituiu o agora ex-juiz federal Sérgio Moro, o “colega” das aspas do início deste artigo e “semideus” – metade deus e metade deus – da atual justiça brasileira. Nunca é demais lembrar que Moro abandonou a magistratura para ser ministro da Justiça e Segurança Pública do (des)governo Bolsonaro, em um movimento para lá de contestável por ser quem é e por ter feito o que fez. O “ele” das aspas, por óbvio, é Lula.
Foto: Paulo Pinto
As aspas escolhidas pelo articulista para abrir este editorial não representam o trecho mais importante e simbólico daquele dia 14/11. "Se começar nesse tom comigo, a gente vai ter problema”, também falou a juíza em momento classificado pela chamada grande mídia como bronca ao ex-presidente. Trecho, inclusive, estampado em ao menos uma das camisetas da primeira-dama do Brasil, Michelle Bolsonaro. Sabe-se disso porque a senhora Bolsonaro, parte envolvida no “Bolsogate” – escândalo de corrupção que atinge em cheio o clã Bolsonaro –, deixou-se ser fotografada e gravada vestida com a camiseta de pano preto com os dizeres da juíza no mínimo mal-educada.

Próximo de completar três meses daquela audiência, Hardt,filha de família importante da elite do município de Indaial, em Santa Catarina– o que explica em parte a sua posição conservadora, refratária a vertente mais liberal do Judiciário –, expediu na tarde do dia 6/2 a segunda condenação de mais 12 anos e 11 meses de reclusão contra o ex-presidente Lula, mantido preso desde 7 de abril de 2018 nas dependências da superintendência da Polícia Federal em Curitiba. Mesmo com os dias para a sua saída do comando das ações na 13ª Vara contados, a juíza que apenas substitui o ex-juiz Sérgio Moro até a definição pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região – TRF-4 preferiu por não aguardar e despachou a condenação sem se importar com inúmeros erros de digitação e confusões minimamente suspeitas, como tratar José Adelmário Pinheiro e Léo Pinheiro como duas pessoas, quando o último trata-se de apelido do primeiro.

Não diferente de seu “colega” Moro, a juíza Hardt também não conseguiu reunir na sentença de agora provas claras da participação do ex-presidente Lula nos crimes imputados pelo Ministério Público Federal. Coincidência ou não, ela também, assim como o ex-juiz federal, não apontou quais seriam os chamados atos de ofício que Lula, ainda na condição de presidente da República, teria praticado para manter no cargo os dirigentes da Petrobras Paulo Roberto Costa, Renato de Souza Duque, Pedro José Barusco Filho, Nestor Cuñat Cerveró e Jorge Luiz Zelad, como aponta na denúncia do MPF. Na sentença também não encontra-se o quaisquer vínculos entre os recursos financeiros pagos na forma de propinas pelos empreiteiros aos membros do conselho administrativo da estatal e os valores empregados no pagamento das obras de reforma da residência do sítio.
Foto: Reprodução / Twitter
De fato há maior volume probatório neste caso do que no do tríplex do Guarujá. O MPF reuniu fotos do ex-presidente no local e troca de e-mails entre caseiros do local e o instituto Lula com mensagens direcionadas a sua falecida esposa, a ex-primeira-dama Maria Letícia. É verdade que vira e mexe o dois e família passavam alguns dias descansando na propriedade, o que poderia levantar suspeitas de ser ele o verdadeiro dono, ainda que os registros em cartório apontem os empresários Fernando Bittar, filho de Jacob Bittar, amigo de longa-data do ex-presidente, e Jonas Leite Suassuna, como sendo os proprietários.

Ainda que o fosse assim, haver pessoas do círculo íntimo do Lula se passando por laranjas, a denúncia sob a qual Hardt deveria sentenciar o réu não trata disso. O MPF, assim como na ação julgada por Moro, acusa com base em convicções, sem qualquer documento que corrobore tal versão, o ex-presidente de ser o dono de fato do sítio e sim beneficiário do tríplex, em que ele não passara um dia sequer, segundo os próprios procuradores que à época não conseguiram provar o contrário e Sérgio Moro que assegurou em resposta a um dos embargos de declaração da defesa de Lula que não havia encontrado relação entre o que ficou conhecido como “Petrolão” e o apartamento da OAS.

Tanto lá como cá, os membros da Lava Jato acusam Lula de ter conhecimento dos saques ocorridos na Petrobras simplesmente por ter sido presidente da República, que dentre outras incumbências indica os integrantes do conselho administrativo da Petrobras, assim como o faz agora o presidente Jair Bolsonaro com suas escolhas verde-oliva. Como parte da explicação oferecida junto à denúncia os procuradores listam, em ambos os casos, contratos que teriam servido para negociatas entre diretores e empreiteiros. Na denúncia que levou a mais essa condenação, são seis os contratos em que havia desvios de 1 a 3% de propinas, segundo o MPF.

Para não dizer que a denúncia do MPF cumpriu apenas a função protocolar de peça de acusação, já que mais uma vez o juízo curitibano parece não ter lido as razões pela qual acusam o ex-presidente e sentenciara Lula a bel-prazer, a juíza Gabriela Hardt sustenta a competência de a 13ª Vara julgar a ações na posição dos procuradores. “Deve ter o Juízo, portanto, presente, na avaliação da competência, a imputação conforme apresentada pelo Ministério Público Federal independentemente de questões de mérito”, escreve Hardt, deixando claro aos que ainda não entenderam uma das circunstâncias que caracterizam o estado de exceção: primeiro julga-se, depois e se der, faça-se a revisão da competência.   

Hardt vai além e não faz como Moro que aguardou os embargos declaratórios da defesa de Lula para se contradizer. Ela já o faz de pronto na sentença, quando escreve que “de fato não há prova de que os recursos obtidos pela OAS com o contrato com a Petrobrás foram especificamente utilizados para pagamento ao Presidente. Mas isso não altera o fato provado naqueles autos de que a vantagem indevida foi resultado de acerto de corrupção em contratos da Petrobras”. Em outro ponto, a juíza sintetiza parte da denúncia e as recomendações feitas pelo MPF para a sentença. No trecho, Hardt valida a acusação de que ao todo Lula teria recebido benefícios das empreiteiras no valor de 1,020 milhão de reais, rateado em três conjuntos:

 “Que primeiro conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro teria ocorrido entre outubro de 2010 e 08 de agosto de 2011,quando o ex-presidente, José Carlos Bumlai, Fernando Bittar e Rogério Aurélio Pimentel dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de pelo menos R$ 150.500,00 usados nas reformas, sendo tais valores oriundos de crimes cometidos no contexto da contratação para operação da sonda Vitória 10000 da Schain”;

 “Que o segundo conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro teria ocorrido entre 27 de outubro de 2010 e junho de 2011 quando Lula, Emílio Odebrecht, Alexandrino Alencar, Carlos Armando Pasycoal, Emyr Diniz Costa Junior, Rogério Aurélio, Roberto Teixeira e Fernando Bittar, em unidade de desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de pelo menos R$ 700.000,00 usados nas reformas do sítio de Atibaia, sendo tais valores oriundos dos diversos crimes já imputados aos denunciados”;

“Que o terceiro conjunto de atos que configurariam o crime de lavagem de dinheiro teria ocorrido quando Lula, Leo Pinheiro, Paulo Gordilho e Fernando Bittar, em unidade de desígnios, dissimularam e ocultaram a origem, a movimentação, a disposição e a propriedade de pelo menos R$ 1700.000,00 usados nas reformas da cozinha do sítio de Atibaia, sendo tais valores oriundos dos diversos crimes já imputados aos denunciados”.

O leitor mais atento já percebeu o porquê de o articulista transcrever este trecho. Perceba que, exceção feita ao chamado primeiro conjunto, os dois últimos não descrevem a origem dos valores. Sem aprofundamento, os valores são retratados como sendo “oriundos dos diversos crimes já imputados aos denunciados”. E ponto.

Para os ainda não satisfeitos, a juíza dá uma “banana” e acompanha a peça de acusação inclusive nas penas impostas aos réus. Enquanto Lula, com 73 anos de idade, foi condenado a 12 anos e 11 meses em regime fechado, o outros tiveram as penas reduzidas. O próprio Léo Pinheiro, presidente da OAS e delator em que se baseou toda a acusação e sentença, terá de ficar recluso por 1 ano, 7 meses e 15 dias; o pecuarista José Carlos Bumlai foi condenado a 3 anos e 9 meses; o advogado particular do ex-presidente, Roberto Teixeira, a  2 anos de reclusão; Fernando Bittar a 3 anos, mesmo tempo de condenação do empresário ligado à Léo Pinheiro, Paulo Gordilho.

Cortina de fumaça e movimento articulado

A segunda condenação de Lula veio em uma semana ruim para Sérgio Moro à frente do Ministério da Justiça e Segurança Pública do (des)governo Bolsonaro. Ainda que ele tivesse planejado toda a encenação para a apresentação do seu chamado plano anticrime e corrupção, com projetos de lei que prometem modificar mais de pontos da atual legislação, pontos da proposta, como a expansão do direito à legítima defesa – criando na prática o excludente de ilicitude para as forças de segurança –, pegaram mal junto ao Congresso Nacional, STF, movimentos sociais, entre outros agentes da opinião pública, e a imagem do ministro já estava se desgastando nos pseudoprogramas de análise política. A quem considera uma boa teoria da conspiração, a condenação de Lula veio em boa hora para o ministro de Jair Bolsonaro.
Foto: Divulgação / TRF-4
O ato de Hardt também pode ser observado do aspecto de movimento articulado, por serem os últimos dias da juíza à frente dos trabalhos na 13ª Vara, que mostrou ter lado ao tratar o réu Lula da forma que tratou em depoimento  e não perderia a oportunidade de assinar tal sentença, e porque o juiz que assumiu efetivamente as atividades naquela justiça federal na sexta-feira 8/2 já havia sido escolhido. Luiz Antônio Bonat, juiz federal que até pouco tempo atuava somente em ações previdenciárias na mesma 13ª Vara e pouco sabe-se sobre sua posição e doutrina. Ou seja, pode-se dizer que com Bonat a condenação não seria certa.  

Outro ponto levantado por analistas mais atentos é que a sentença veio para agregar na articulação do Judiciário contra a liberdade do ex-presidente abordada por este articulista em uma das edições do programa JC Express, na TV Jovens Cronistas. Já se vislumbrava a mudança de entendimento sobre a prisão em segunda instância pelos ministros do STF, em 10 de abril, e com isso uma eventual soltura de Lula. Com a segunda condenação, mesmo que ainda não validada pelo TRF-4, a situação para o ex-presidente fica ainda mais difícil.


Defesa de Lula e organização da mobilização

O grupo de advogados de Lula ainda não decidiu se entra com embargos de declaração na mesma Vara de Hardt ou recorre aos desembargadores do TRF-4. Faça-se como na primeira condenação: busca-se os direitos na 1ª instância para depois seguir ao Tribunal Regional. Sabendo que não devem dar outro andamento aos casos envolvendo o ex-presidente Lula a não ser mais condenações até o tornem um preso perpétuo, segue-se o rito ao ponto de não permitir a antecipação de nenhuma fase do trâmite. Em síntese: protelar neste momento pode resultar em uma libertação ainda que por alguns dias do ex-presidente lá na frente, o que pode ser importante para a mobilização de oposição à agenda bolsonarista de desmonte da cadeia de seguridade social e direitos civis básicos.

No dia 8/02 houve atos convocados pelo Partido dos Trabalhadores em vários municípios do País. Em São Paulo a manifestação aconteceu em frente ao prédio da sede do diretório nacional da legenda e contou com a participação de quadros petistas como o ex-presidenciável Fernando Haddad, o deputado federal José Guimarães, e o vereador Eduardo Suplicy. O ponto a destacar foi a baixa participação popular, apesar de o bom número de participantes estritamente militantes.

Numa semana em que programas como o Minha Casa Minha Vida e Mais Médicos foram extintos e a nefasta proposta de contrarreforma da Previdência Social do (des)governo Bolsonaro foi apresentada é mais que necessário reorganizar as forças de luta, o que inclui libertar o ex-presidente Lula, para de fato se contrapor aos tempos sombrios que recaem sobre o Brasil. É importante arregimentar forças e mobilizar as massas.

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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