Aos esperançosos de plantão, o esperado “banho de água fria”: apesar de a
legitimidade do voto, a crise no clã Bolsonaro e as escolhas escancaram o
despreparo dos que alcançaram o poder
A escolha feita pela maioria dos brasileiros no final de outubro misturou razões ainda indefinidas pela classe analítica. Há quem assegure que a opinião pública brasileira estava cansada e buscava assumir um papel, ainda que não tivesse claro qual, na democracia representativa. Tal processo teria entrado em convulsão nas chamadas “Jornadas de Junho”, em 2013, e trabalhado intensamente por caminhos até então não convencionais – as redes sociais – para forjar seus representantes. A esta versão compara-se à “Primavera Árabe”, movimento popular viciado pelos interesses econômicos envolvendo poços de petróleo e domínio da região por parte dos EUA que levou à derrubada de ditadores de países como Líbia e Egito. Outros se apoiam na narrativa, plausível em alguns aspectos porque há também interesses econômicos, de que se trata de uma conspiração internacional – que não chega a ser mesma cantada por Kid Abelha – contra pilares progressistas. E os mais céticos falam que a história brasileira é como um pêndulo: ora estamos mais próximos de deixar a caverna de Platão, ora em caminhada retroativa para admirar as sombras projetadas pela fogueira.
No campo da indefinição, todos os pensamentos são válidos e devem ser levados em consideração, já que o bom debate deve-se nortear pela amplitude. E não se trata de uma máxima qualquer e sem valor. Veja o que tem feito e penado o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e sua trupe. Não se permitiram debater e estão observando que a politica, ainda que com muitos problemas éticos e morais, é a morada do debate e base para bons articuladores, princípios que demonstram desconhecer. É compreensivo que políticos eleitos para primeiro mandato cometam erros grotescos, mas estranha-se a falta de tato político do clã Bolsonaro, de pai e filhos políticos reeleitos por vezes. Apesar da campanha majestosa em arregimentar seguidores por meio das redes e convertê-los em eleitores – talvez com o uso de mecanismos ilegais como o disparo de mensagens com banco de dados de agências de comunicação e publicidade –, o despreparo e a ignorância envolvem a família que comandará o País nos próximos quatro anos. Para tanto, estão na política há tempo suficiente para contribuir significativamente, mas nunca o fizeram. Ao contrário, à moda do “mamando nas tetas”, o lado político do sobrenome Bolsonaro soma pelo menos 15 milhões de reais em bens patrimoniais, como informa a Folha de S. Paulo, tendo como atividade apenas a vida político-partidária.
Pode parecer exagerado, mas Jair Bolsonaro foi sim eleito
para derrotar o Partido dos Trabalhadores – PT, pelo qual parcela considerável
dos brasileiros guarda afetos como ódio e ranço – injustificáveis e vazios se
não forem por pura repulsa a bandeiras defendidas pela legenda, como a igualdade
e a defesa à diversidade –, e como sendo o salvador da ética e moral públicas.
Acreditavam que seria diferente. A montagem de seu grupo de ministros e
ministras e os escândalos midiáticos estão aí para afirmar que nada deve mudar.
Para aqueles que recorrem ao “vamos esperar para ver após 1º de janeiro, tá ok?” como método de retardar a frustração: fiquem à vontade no trabalho de acumular descontentamentos – e haja descontentamento.
Em ordem cronológica desde o último artigo publicado por
este articulista no JC: o deputado
reeleito Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), um dos filhos do presidente eleito,
permitiu-se fotografar nos EUA com boné de apoio à reeleição de Donald Trump em
2020, como se o Brasil, já que estava representando o governo que se avizinha,
apoiasse de véspera mais um mandato trumpista; houve burburinhos com a cena de
Bolsonaro prestando continência – o que não uma novidade – sem se correspondido
para o conselheiro de segurança do presidente estadunidense, John Bolton,
quando este o visitou em sua casa no Rio de Janeiro; o presidente capitão da
reserva com quase 30 anos de carreira política encerrou o trabalho de
composição de sua esplanada de ministérios, com fusões e exclusões desmedidas e
pouco propositivas; o corpo de ministros definido; e mais recentemente a briga
por poder dentro do PSL, partido do presidente eleito, e as movimentações
financeiras, para lá de suspeitas, do ex-assessor do senador eleito Flávio
Bolsonaro (PSL-RJ), Fabrício José Carlos de Queiroz, no esquema que tem sido
chamado de “Bolsogate” e “Bolsofamília”.
Em circunstâncias normais, o parágrafo que precede este
teria causado furor e arrependimento nos eleitores que creditaram no espírito bolsonarista
os votos de um “Brasil melhor e passado a limpo”. Não causou e olha que o
presidente eleito e sua turma parecem fazer questão de não esconder e permitir
que parte da sociedade brasileira reconheça que fez uma péssima escolha. Dali,
do grupo, não sai ideias e, nem mesmo, justificativas sofisticadas.
Para o fato de Michelle Bolsonaro ter recebido um cheque de
24 mil reais do ex-assessor de Flávio, Bolsonaro afirmou que se tratava de pagamento
de parte de uma dívida 40 mil reais contraída por Queiroz com o próprio presidente
eleito, que dizia em campanha não entender de economia. Pior que parece não
entender mesmo: teria emprestado 40 mil reais a alguém que movimentou 1,2
milhão de reais em um período de um ano, segundo relatório do Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF elaborado para a investigação “Furna
da Onça” – que prendeu 10 deputados estaduais do RJ e alguns assessores –. A informação foi divulgada pelo jornalista Fábio Serapião, do O Estado de São Paulo.
Sobre o cheque em nome da futura primeira-dama, a justificativa foi que ele tem “dificuldade para ir a banco, andar na
rua. Deixei para minha esposa. Lamento o constrangimento que ela está passando
no tocante a isso, mas ninguém recebe ou dá dinheiro sujo com cheque nominal,
meu Deus do céu”.
E a propósito, Jair Bolsonaro fechou seu corpo ministerial.
Se em campanha prometera no máximo 15 ministérios, na prática desconversou e
falou em 17, e fechou em 22 pastas. O Trabalho perdeu o status de ministério,
enquanto 12,4 milhões de brasileiros estão desempregados e o presidente diz que
“é difícil ser patrão no Brasil”, sendo desmembrado entre Economia, Justiça e
Cidadania a família tradicional brasileira dividirá uma pasta com Mulheres e
Direitos Humanos, sob a batuta da pastora evangélica Damares Alves – dona da
frase “não é a política que vai mudar esta nação, é a igreja” –, que comandará
ainda a Fundação Nacional do Índio – FUNAI e a imposição de mais barreiras para
demarcação de terras indígenas para povos originários. No Meio Ambiente, a
última pasta a ter o ministro anunciado, o presidente eleito escolheu Ricardo
Salles, candidato a deputado federal pelo partido Novo derrotado nas eleições deste ano. Salles foi denunciado pelo Ministério Público em uma ação que
investiga intervenção sua em um edital para favorecer empresas de mineração
quando ocupava a secretaria de meio ambiente do estado de São Paulo – 2016 a
2017 –. Em uma semana em que dois militantes do Movimento Sem Terra – MST foram assassinatos no interior da Paraíba, Bolsonaro escolhe como ministro do Meio Ambiente um dos fundadores do movimento Endireita Brasil e incitador de crime contra a esquerda, como noticiou o portal The Intercept Brasil.
Os ministérios ficaram divididos em quatro legendas – DEM,
PSL, MDB e NOVO –, com cinco militares para tutelar o governo que já não mais promete
ser governo. Aos que mantinham algum fio de esperança, a realidade imperativa de
escolhas equivocadas e escândalos que vêm gradualmente à tona garante que,
assim como no caso de Michel Temer, o termo (des)governo deve perseguir Jair
Bolsonaro, o legítimo presidente eleito do Brasil.
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No papel, como diria o brasileiro fã de cartório, o governo
Bolsonaro ainda não começou. A posse está marcada para daqui pouco mais de 20 dias.
Será em 1º de janeiro que Jair Messias Bolsonaro (PSL) cumprirá o rito de jurar
a Constituição Federal no Congresso Nacional, desfilará pelas largas avenidas
do Distrito Federal no Rolls-Royce presidencial
e receberá a faixa verde-amarelo das mãos de Michel Temer na rampa de acesso ao
Palácio do Planalto – isso tudo antes de o discurso para a Nação na tribuna ali
instalada. Porém, como há um grande fosso entre o “de direito” – registrado em
firma – e o “de fato” – com consequências reais e, por vezes, instantâneas –, o
governo de Bolsonaro já começou e, pior, sem muitas novidades: será uma
continuidade do outrora reprovado (des)governo Temer.
Nem o presidenciável mais
fiel à agenda do presidente-nosferatu – à época das eleições falava-se em
Geraldo Alckmin (PSDB) – teria sido tão alinhado e disciplinado quanto
Bolsonaro agora no processo de transição de governo. Às vezes a vida em caserna
leva a pessoa a confundir disciplina com subserviência, e o resultado final, no
caso do presidente eleito, aparece na montagem de ministérios com base em
grupos que sempre estiveram no poder e na promessa de decisões à imagem e
semelhança de algo que não deu certo – a plataforma neoliberal de privatizações
e cortes de direitos sem amplas discussões dos últimos dois anos –, além de desenvolver
a rara patologia de “incontinência de continências”, como brinca o portal Sensacionalista.
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Charge: Carol Andrade, "Barbie Cospe Fogo" |
Pêndulo da história: ora mais próximos de deixar a caverna de Platão, ora em caminhada retroativa para admirar as sombras projetadas pela fogueira
A escolha feita pela maioria dos brasileiros no final de outubro misturou razões ainda indefinidas pela classe analítica. Há quem assegure que a opinião pública brasileira estava cansada e buscava assumir um papel, ainda que não tivesse claro qual, na democracia representativa. Tal processo teria entrado em convulsão nas chamadas “Jornadas de Junho”, em 2013, e trabalhado intensamente por caminhos até então não convencionais – as redes sociais – para forjar seus representantes. A esta versão compara-se à “Primavera Árabe”, movimento popular viciado pelos interesses econômicos envolvendo poços de petróleo e domínio da região por parte dos EUA que levou à derrubada de ditadores de países como Líbia e Egito. Outros se apoiam na narrativa, plausível em alguns aspectos porque há também interesses econômicos, de que se trata de uma conspiração internacional – que não chega a ser mesma cantada por Kid Abelha – contra pilares progressistas. E os mais céticos falam que a história brasileira é como um pêndulo: ora estamos mais próximos de deixar a caverna de Platão, ora em caminhada retroativa para admirar as sombras projetadas pela fogueira.
Para aqueles que recorrem ao 'vamos esperar para ver após 1º de janeiro, tá ok?' como método de retardar a frustração: fiquem à vontade no trabalho de acumular descontentamentos – e haja descontentamento
No campo da indefinição, todos os pensamentos são válidos e devem ser levados em consideração, já que o bom debate deve-se nortear pela amplitude. E não se trata de uma máxima qualquer e sem valor. Veja o que tem feito e penado o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), e sua trupe. Não se permitiram debater e estão observando que a politica, ainda que com muitos problemas éticos e morais, é a morada do debate e base para bons articuladores, princípios que demonstram desconhecer. É compreensivo que políticos eleitos para primeiro mandato cometam erros grotescos, mas estranha-se a falta de tato político do clã Bolsonaro, de pai e filhos políticos reeleitos por vezes. Apesar da campanha majestosa em arregimentar seguidores por meio das redes e convertê-los em eleitores – talvez com o uso de mecanismos ilegais como o disparo de mensagens com banco de dados de agências de comunicação e publicidade –, o despreparo e a ignorância envolvem a família que comandará o País nos próximos quatro anos. Para tanto, estão na política há tempo suficiente para contribuir significativamente, mas nunca o fizeram. Ao contrário, à moda do “mamando nas tetas”, o lado político do sobrenome Bolsonaro soma pelo menos 15 milhões de reais em bens patrimoniais, como informa a Folha de S. Paulo, tendo como atividade apenas a vida político-partidária.
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Charge: Gilmar, o "Cartunista das Cavernas"
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Charge: Renato Aroeira |
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Charge: Renato Aroeira |
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Charge: Renato Aroeira |
Recorda-se da campanha e dos “memes” em que Bolsonaro
aparecia em frente a caixas eletrônicos em uma referência dantesca à simplicidade
que cerca o ato – a ideia de homem comum – e de matérias, publicadas após 28 de
outubro, como a do portal UOL, em que descreve as idas do presidente eleito ao banco no início de novembro – três vezes em quatro dias.
Matéria publicada recentemente pelo jornal O Globo diz que Queiroz era amigo íntimo dos Bolsonaro e que havia conseguido
empregar familiares no gabinete do então deputado estadual Flávio Bolsonaro.
O que se tem até a edição deste artigo: Queiróz recebeu depósitos de
outros oito assessores da Assembleia Legislativa fluminense, inclusive de
parentes, e realizou 176 saques em 2016. Por movimentações menores, três
assessores da ALERJ foram presos no âmbito da operação “Furna da Onça”.
O Ministério Público Federal ficou de investigar as
suspeitas. Mas, para o articulista, nada deve ocorrer até o próximo ano, quando
o COAF estará sob os comandos do ex-juiz federal e semideus Sério Moro. Aliás,
o bastião da legalidade e do combate à corrupção não se pronunciou sobre o “balaio
de gato” envolvendo a família do patrão Bolsonaro.
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Charge: Renato Machado |
Entre outros, há o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS),
responsável pelo corte de mais de meio milhão de famílias do programa Bolsa Família quando era
ministro de Desenvolvimento Social do (des)governo Temer, no futuro Ministério
da Cidadania; Ricardo Vélez Rodríguez, professor emérito da Escola de Comando e
Estado Maior do Exército, abitolado combatente à chamada cultura marxista e
defensor da censura a professores com o projeto “Escola Sem Partido”, no
comando da Educação; e o deputado Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS), investigado por
suspeita de fraude em contratos quando era secretário de saúde em Campo Grande, na pasta da Saúde.
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Charge: Renato Aroeira |
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