Caso do ambulante morto a socos e
pontapés ao defender travestis na região central não cairá em esquecimento,
assim como a luta agora é por esclarecimentos sobre o assassinato a facadas de um
cabeleireiro gay na Av. Paulista
Atualizado em 26/12/2018, às 9:54.
Atualizado em 26/12/2018, às 9:54.
No último dia 25 completou-se exatos dois anos do
assassinato de Luiz Carlos Ruas, vendedor ambulante morto a socos e pontapés
nas dependências da estação Pedro II do Metrô, na região central de São Paulo.
Com então 54 anos, Ruas tinha o apelido de “Índio”, por conta dos traços e da
tonalidade da pele, e morreu ao defender da violência gratuita de dois homens duas
moradoras de rua travestis. À princípio, as garotas tinham chamado a atenção dos
rapazes por estarem urinando em uma das paredes externas da estação. Em
depoimento prestado em 2017, “Brasil” – apelido da travesti Raíssa, uma das
vítimas – disse que chegou a ser coagida pelos homens sob a acusação de que teria
furtado o aparelho celular de um deles.
Ao longo de 20 anos, Índio esteve ali em frente a uma das
entradas da estação vendendo bebidas, doces e salgadinhos. Ao pôr do sol
daquele dia, ele arrumava os produtos de seu carrinho antes de seguir ao
compromisso da noite: a ceia com a esposa Maria de Oliveira, com quem foi
casado por mais de 30 anos. Ela ajudava no comércio e havia saído pouco antes
das agressões para preparar o jantar – a situação financeira daquele mês não
permitiu que tirassem folga no feriado de Natal.
Maria preparou o jantar e aguardou o esposo que não veio. Em
seu lugar, a notícia de que seu companheiro havia sido espancado até a morte,
numa briga covarde em que perdeu a vida em defesa da diversidade.
Na tevê, graças a imagens do circuito interno de segurança,
Índio aparecia defendendo-se do ódio que lhe atingia na forma de socos e
pontapés desferidos pelos primos Alípio Rogério dos Santos – 28 anos – e
Ricardo Nascimento Martins – 22 anos. Caído sobre o piso da estação, Ruas
morreu por não ter se omitido.
Dois anos após o assassinato, no dia 15/12, o júri popular
constituído para julgar os assassinos manteve a prisão dos primos, alterando
apenas o tipo: de preventiva para 15 anos e três meses de reclusão em regime
fechado por “homicídio qualificado por motivo torpe, meio cruel e recurso que
dificultou a defesa da vítima”. A repercussão do caso talvez tenha, sim,
colaborado com tal desfecho jurídico – considerado rápido para os parâmetros do
lento sistema judicial brasileiro. Mas, no final das contas, trata-se de
justiça que segue ritos pré-estabelecidos, permite-se investigar e apresenta
conclusão – processo com condicionantes que nos distanciam do “olho por olho” e
que, por infelicidade, têm perdido espaço no Brasil.
Apesar de a decisão do júri, que, sim, responde à altura o grito
por justiça que permeava a morte de Luiz Carlos Ruas, o caso do Índio vai além
do campo judicial. Ele é simbólico e deve ser lembrado por ter suscitado a
reflexão, ainda que com muita crueldade, sobre a situação da comunidade LGBT no
Brasil, país que mais mata pessoas desse grupo social no mundo. De acordo com a
ONG Grupo Gay da Bahia, responsável por levantamentos anuais sobre violência
contra homossexuais, até outubro 346 pessoas foram mortas por crime de ódio. O relatório
mais detalhado com o número final de vítimas fatais deve ser publicado somente
em 2019 e leva em consideração apenas crimes notificados, deixando de fora os
subnotificados, aqueles em que a vítima não presta queixa, e os omitidos pelo
Estado, que por vezes se nega a colaborar porque prevê críticas à falta de
políticas públicas inclusivas.
A permanecer tais dígitos, o número representa queda de
aproximadamente 22,3% em relação a 2017, quando foram registrados 445 homicídios
por LGBTFobia em todo o País, sendo que 12 das vítimas eram heterossexuais com
ou sem vínculos com o chamado universo LGBT, como o caso de Ruas, que teve de
sair em defesa de dois gays. Ainda segundo o Grupo Gay da Bahia, a cada 19
horas um LGBT é assassinado ou comete suicídio por homotransfobia.
Já a REDETRANS Brasil, instituição que também analisa e
cruza informações sobre homicídios de integrantes do grupo social, 123 pessoas
foram assassinadas até outubro – 125 pessoas haviam sido mortas até setembro de 2017.
O Estado, na figura do Ministério dos Direitos Humanos,
também reforça a percepção de que os crimes contra pessoas LGBT registrados têm
diminuído, ao menos quanto às denúncias formais por meio do “Disque 100” –
serviço telefônico gratuito para vítimas de violações de Direitos Humanos. De
acordo com o órgão, 560 denúncias foram registradas no 1º semestre deste ano
contra 1720 protocoladas em todo o ano passado.
Os dados oficiais, inclusive de entidades não
governamentais, parecem mostrar queda no número de casos, sobretudo de mortes,
motivados por homofobia. No entanto, a falta de políticas públicas de inclusão
e a chegada ao Poder de um grupo político fundamentalista e conservador devem
impedir grandes avanços no combate afirmativo ao ódio impetrado em ideias
retrógradas que se colocam contra a diversidade e o mundo moderno.
No jogo do tempo os fatos ocorrem e a realidade grita. Naquele mesmo 25 de dezembro completou-se quatro dias da morte do cabeleireiro
homossexual Plínio Henrique de Almeida Lima. Ao lado de seu marido e de outro
casal gay, o rapaz de 30 anos voltava do Parque Ibirapuera pela Av. Brigadeiro
Luís Antônio quando, no cruzamento com a Av. Paulista, dois homens incomodados
com o grupo de homossexuais e por que estavam de mãos dadas começaram a gritar
xingamentos e ofensas. Segundo consta do boletim de ocorrência, um dos colegas
de Plínio teria partido para vias de fato com um dos homens, que, agredido,
pegou uma faca e desferiu ataques ao peito do cabeleireiro, que chegou a ser encaminhado à emergência do Hospital das Clínicas, mas não resistiu aos ferimentos. Plínio parece ter perdido a vida na mesma batalha que vitimou
Luiz Carlos Ruas há dois anos.
Que o Natal, produto nobre do mundo publicitário, possa um
dia ser mais justo e verdadeiramente feliz. Enquanto “Luizes”, “Plínios” e tantos
outros tiverem de perder suas vidas em atos que, com muito custo, resistem ao
silêncio e esquecimento da opinião pública, sentimentos como indignação,
revolta e infelicidade são naturais.
Não é errado sentir-se infeliz quando as coisas não estão bem.
É um erro e tolice comemorar sem ter o que comemorar.
Feliz Natal!
ATUALIZAÇÃO: O portal UOL informou, na manhã de quarta-feira 26, que a Polícia Militar do estado de São Paulo prendeu Fúvio Rodrigues de Matos, homem identificado por câmeras de segurança como responsável pelo ataque com um canivete à Plínio Henrique de Almeida Lima. Em depoimento obtido pelo site, Fúvio diz que,"em certo momento, começou a chover e eu falei para o meu colega: 'corra que nem homem'. Nesse momento, uns quatro rapazes passavam por mim e um deles, esse com o qual eu briguei logo depois, me disse: 'você está falando comigo?'". Matos afirmou ainda ter se arrependido do que fez. "Eu falei: 'vai embora, que eu não quero confusão'. Então, eu estava apavorado, desci a escada e fui embora. Eu quero dizer que sou trabalhador e não queria confusão. E estou muito arrependido pelo que aconteceu", declarou.
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