Pacaraima reflete a falta de tato político do (des)governo Temer e o ódio defendido por certo presidenciável

Famílias inteiras. Famílias inteiras sobrevivendo sob lonas e tendas ao relento brasileiro de Pacaraima, município roraimense localizado na fronteira do Brasil com a Venezuela. Se já não bastasse o desamparo a que estão condenados, os venezuelanos que deixaram o país vizinho devido à crise econômico-social dos últimos anos em direção ao Brasil sofrem agora com uma investida descabida de ditos patriotas que cantam o hino nacional brasileiro enquanto arremessam pedras e atiram bombas de gás artesanais sobre o grupo de desterrados, e formam grandes fogueiras com os poucos pertences dos exilados.
Imagem: Cartunista Carlos Latuff
Com pressa, não esperaram o fim da investigação policial e fizeram da violência sofrida por um comerciante local, provocada por quatro venezuelanos, pretexto para o movimento de raízes xenófobas que tomou as ruas de Pacaraima e levou 1,2 mil pessoas retornarem à Venezuela nos últimos dias, segundo o Exército. Raimundo Nonato de Oliveira, proprietário de um comércio na zona urbana de Pacaraima, foi internado com traumatismo craniano após ter sido espancado e ter 23 mil reais e celulares roubado, segundo reportagem do jornal Folha de S. Paulo.

Injustificável, o levante contra refugiados no estado de Roraima não é o primeiro, certamente não será o último e retrata, da pior maneira, a ausência de política e de governo. O início do êxodo venezuelano, em meados de 2016, coincidiu com a turbulenta manobra política que retirou Dilma Rousseff da Presidência e elevou Michel Temer ao posto de presidente. Com a ascensão de Temer, o Brasil voltou ao caminho da subserviência descarada aos Estados Unidos e, nas reuniões com líderes regionais, exime-se da responsabilidade de ser o mediador da crise, missão inerente ao seu status de maior país da América do Sul.


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Para alguns, o lema “quanto pior melhor” justifica a omissão. O Brasil que abre mão de sua liderança e não se permite dialogar com o governo de Nicolás Maduro segue a cartilha, que pede inclusive por intervenção militar, desenhada em Washington e repassada em visitas pretensamente sem objetivo de Mike Pence, vice-presidente estadunidense, a região. Brasil e Colômbia receberam, respectivamente, 130 mil e cerca de 1 milhão de venezuelanos, e, não por acaso, estavam no roteiro de Pence.

O resultado da política superficial que, ora, se esquiva, ora, envia tropas e aprova repasses mínimos no campo financeiro, é o caos e o ódio às minorias, hoje canalizado por certo presidenciável. Temer não esconde sua inexpressividade e dependência nos militares, e resumiu sua atuação a reforçar o número de homens da Força Nacional com mais 120 agentes de segurança, além dos 31 que já estão em Roraima. A falta de tato para lidar com conflitos talvez se justifique pela permissividade do presidente-nosferatu, já que prognósticos davam conta de possíveis distúrbios entre refugiados e moradores locais.
Imagem: Cartum de Matheus Ribs
Em relatório publicado no início do ano, a FGV alertava que "um fator de grande preocupação em Roraima é o surgimento de conflitos pela disputa de emprego, vagas no sistema público de ensino e em hospitais”.

O pedido da governadora de Roraima, Suely Campos (PP), pela suspensão temporária da entrada de refugiados, desconversando o xenofobismo das fogueiras e perseguições e repassando a culpa ao governo federal, também encontra amparo no documento da Fundação Getúlio Vargas“A sensação de sobrecarga estaria, portanto, menos ligada a uma piora dos serviços a partir do maior contingente de imigrantes e, sim, mais relacionada a um cenário em que a prefeitura, sem o apoio dos governos estadual e federal para atrair projetos de desenvolvimento econômico para a região, não consegue prover o necessário a uma população majoritariamente desempregada, ou inserida no mercado informal, e pouco instruída", diz o relatório.

Foto: Avener Prado, Folhapress
Mais supérfluo que Temer foi João Dória que, quando esteve à frente da Prefeitura de São Paulo, a capital mais rica do País, recebeu 300 venezuelanos, os colocou em Centros Temporários de Acolhimento – CTA (clique!) e passou por bom samaritano para “aliviar” a crise pela qual Pacaraima e Boa Vista, capital de Roraima e a mais pobre do Brasil, estão passando.

“Agarravam os meninos e os agrediam. Batiam nos pais. Atiravam pedras, telhas. Batiam na cabeça. Pegaram nossa comida e nos expulsaram como se fôssemos cachorro. Quem estava no banheiro  ficou sem nada”, contou à Folha Yineth Manzol, mãe desolada de três filhos. Enquanto isso, na agência de notícias AFP, a venezuelana Carol Marcano destacou que o ataque contra os acampamentos de venezuelanos "foi terrível, queimaram barracas e tudo o que havia dentro”.

Foge da razoabilidade aceitar, indiferente, tais depoimentos. Apesar do pequeno o número de vítimas, no caso apenas Raimundo e cinco brasileiros que deram entrada no hospital municipal, não é razoável defender práticas de perseguição em nome de uma suposta reparação à violência gratuita dos quatro imigrantes.
Foto: Avener Prado, Folhapress
As cenas de famílias inteiras desamparadas e desoladas ao ver seus objetos queimando retratam um brasileiro ainda desconhecido pela comunidade internacional. Se por algum momento o ser brasileiro foi considerado estado de espírito pela alegria e receptividade, hoje ele ostenta a macula do ódio, defendido por ao menos 20% de um eleitorado prestes a ir às urnas. Nessas situações, a lamentar que a minoria barulhenta dê o tom do debate.


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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