Escorado nas Forças Armadas, com mudanças pontuais e estratégicas assumidamente eleitoreiras, Temer mostra-se empenhado em sua intervenção no Rio. Coitado dos “Wellingtons” nos morros cariocas.


É fato. Sempre que hesitamos considerar que tudo não pode piorar, e realizamos esforços para isso, parece que a ordem natural das coisas vem e nos contradiz mostrando que tudo pode, sim, piorar. É quase que consequencial imaginarmos que determinada situação indesejada, mal vista e ineficaz já tenha chegado ao ponto máximo de sua irrazoabilidade, e ainda assim surpreendermos. 


O (des)governo Temer tem disso. É como um grande palco para personagens e ações inéditos que, apesar da aparência incompreensível, entendemos bem suas motivações. 


Na mais recente, a Intervenção na Segurança Pública do Rio, o presidente Temer colocou em prática toda a sua expertise como político e representante de determinadas camadas da sociedade brasileira. Lembre-se que Temer chegou à Presidência sendo apoiado pelo Partido dos Trabalhadores, com seu nome na chapa da ex-presidente Dilma Rousseff, e após conspirar pelo impeachment ao lado das mesmas determinadas camadas que hoje asseguram sua permanência à frente do País e, de lambuja, ainda lhes dão alguns pontos percentuais nas pesquisas de avaliação – os 3% de ótimo/bom  dos últimos “IBOPE” e “Datafolha”. 
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)

O presidente Temer sabe que seria difícil aprovar a Contrarreforma da Previdência em ano eleitoral, com parlamentares buscando a reeleição ou pleiteando outros cargos. Com o decreto de Intervenção, na semana retrasada, ele reconheceu que não alcançaria, nem mesmo, o número mínimo de votos para aprovação das mudanças no sistema previdenciário - os tais 308 votos -, e, acompanhando a convocação da TV Globo, que apelou ao sensacionalismo para mostrar uma realidade que existe não somente no Rio, mas em todo o País, há tempos e quase que cotidianamente, para aplicar à Segurança Pública do Rio um remédio puramente midiático e classista – o fichamento de cidadãos, brasileiros assim como eu e você, simplesmente por residirem em comunidades não pode ser considerado um “procedimento legal para agilizar a checagem de dados junto aos bancos de dados da Secretaria de segurança", como justificou o Comando Militar do Leste,  assim como a abordagem de crianças, por homens do exército, não pode ser naturalizada em nome do combate ao crime organizado, que conhecidamente não tem seus líderes morando nos morros cariocas, assim como não estão em qualquer outro morro ou favela das cidades do País.
 
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Com raras exceções, o exército e seus homens, sempre na casa dos milhares, vão encontrar apenas o mercado chamado varejista do crime, de alguns poucos homens fortemente armados, e a grande parcela de cidadãos comuns amedrontada com o circo mortífero que, no caso do Rio, matou 6.731 pessoas ano passado em confrontos entre agentes de segurança e civis violentos e armados – taxa de 40 homicídios a cada 100 mil habitantes, 10 a mais que a média nacional, estimada em 30 casos de homicídios por 100 mil habitantes, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública.    


Toda a preocupação sobre o campo da Segurança Pública do Rio, puramente eleitoreira por parte do (des)governo e seus aliados, e encampada pela TV Globo – a mesma que manteve, por tempos, uma relação quase umbilical com Sérgio Cabral e Eduardo Paes, em parte responsáveis pelo atual colapso do Estado, e só não com Pezão porque ele chegou em meio a desgraça do MDB Fluminense, provocada pela Lava Jato, para alguns, instrumentalizada pela própria Globo – além de ótima cortina de fumaça para os desmandos do (des)governo, incluindo mais um provável arquivamento de inquérito contra o presidente da República, no caso da assinatura do decreto dos Portos, cumpre também papel social formidável para a classe dominante: a de cercar e humilhar moradores periféricos, por enquanto, dos morros cariocas, logo menos, os periféricos de outras grandes cidades do Brasil.
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Se até o início deste mês só se discutia a tal necessidade da Contrarreforma da Previdência, que também atingiria a camada mais pobre da população criando mecanismos que dificultariam ainda mais o acesso à aposentadoria, isto já depois de ter acabado com direitos na Contrarreforma Trabalhista, em vigor desde novembro, o “banho de água fria” ao não conseguir os votos suficientes para a aprovação das alterações na Previdência fez Temer, repentinamente, rever o foco e, de certa forma, ao mesmo tempo em que angaria alguns pontos de popularidade – vislumbrando, sim, a reeleição -, mantém a ideia de castigar o mais pobre, neste caso aqueles que estão nos morros cariocas, como o Wellington, rapaz negro de 33 anos, entrevistado e retratado pelo jornalista Felipe Betim na reportagem “‘Mais uma vez o povo contra o povo’: as vozes das favelas na primeira semana da intervenção no Rio”, publicada no domingo (25) na versão brasileira do jornal El País.


Reproduzo um trecho da entrevista de Wellington onde, de forma sucinta, diz que o cidadão que está sendo fichado e violentado nos morros cariocas – estabelecer controle de pessoas que moram em comunidades, enquanto moradores de áreas nobres circulam sem impedimentos, é uma violência! - não difere da maioria da população brasileira que leva uma vida exaustiva em troca de migalhas e nenhuma atenção - já mais recente - do Poder Público. "Uma coisa que me revolta é que eu, que sou trabalhador, não tenho valor nenhum pro governo. To valendo só 900 reais acordando 5 horas da manhã pra pegar o ônibus lotado. Se eu tiver pagando imposto e INSS em dia e tomo tiro na cabeça, vai ser difícil pra caralho conseguir o que tenho direito. E se eu morro, o que meus filhos vão ganhar? Porra nenhuma”, resume o jovem que, acredite, não suporta aquilo, não porque tem ideologia ou mantém alguma briga partidária, não porque é “petista” ou qualquer outra coisa com sufixo “ista”, como parecer mandar o manual de retóricas do século XXI, mas por estar ali, no “front”, na dianteira, observando senhores investigados por corrupção brincar de “homens públicos” com a intervenção.
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Ainda sem plano de ação, apesar de já nomeado o general Richard Fernandez para o cargo de secretário de Segurança, e apoiada por 84% dos brasileiros – desinformados e que, certamente, não tiveram suas casas revistadas ou não foram obrigados a tirar selfie com militares, como os moradores da Vila Kennedy, Vila Aliança e Coreia, no Rio -, a Intervenção é tratada também como teste – um “laboratório para o Brasil”, segundo o interventor Braga Netto - para a futura aplicação em outras regiões do País, como já solicitada por congressistas que também querem se apossar do tema para dar uma resposta ao eleitorado na área da Segurança, mesmo que para isso saia nomeando homens das Forças Armadas, na “baciada”, como instituição que trará a normalidade, a “ordem”. Na última vez em que buscaram tal objetivo, usaram da repressão, de caçadas noturnas ou à luz do dia e sessões de torturas, como remédio para impor a “ordem”.  


Ministério da Segurança Pública


Sem “Sargento Painha” ou “Sargento Garcia”, Temer recorreu à sua equipe ministerial para definir o comandante do 29º ministério do (des)governo. O recém-criado Ministério da Segurança Pública estará sob a batuta do, agora, ex-ministro da Defesa, Raul Jungmann (PPS-PE).


A pasta de Jungmann irá comandar as Polícias Federal e Rodoviária Federal, a Força Nacional, o Departamento Penitenciário Nacional - o Depen –, a Secretaria Nacional de Segurança Pública e os conselhos Segurança Pública e Política Criminal e Penitenciária. Todos, migrando do Ministério da Justiça. 
 
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No lugar de Jungmann na Defesa, o presidente Temer optou, sem muita surpresa, por mais um militar para compor o corpo de ministros. Agora, além do general do exército Sergio Echegoyen, ocupante do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência, que disse que "nenhum de nós se incomoda de ser fotografado para passar na imigração dos Estados Unidos para ir comprar enxoval do neto ou dos filhos. Ou para levar os filhos ou netos para a Disney'' em referência ao fichamento nos morros cariocas, a esplanada dos ministérios recebe mais um adepto do verde-oliva de aspecto camuflado: o general Joaquim Silva e Luna, condenado pelo Tribunal de Contas da União em 2013 por irregularidades envolvendo um convênio entre o Exército e empresas sem fins lucrativos para os Jogos Mundiais Militares, assume o posto de Raul Jungmann como ministro da Defesa . 


O general é o primeiro membro das Forças Armadas que assume a pasta desde a criação, em 1999, quando o ex-presidente Fernando Henrique extinguiu o ministérios do Exército, da Marinha e o da Aeronáutica, e uniu-os no da Defesa.  


Escorado nas Forças Armadas, com mudanças pontuais e estratégicas, assumidamente eleitoreiras, Temer mostra-se empenhado em sua intervenção no Rio. Ele tenta sobrepor o passado recente de seu (des)governo, de intenso desmonte de políticas sociais e aniquilamento de direitos, com a pauta da Segurança Pública. Equivoca-se ao achar que fará isto sem cobrança ou cobertura. Estamos aqui para relembrar que o presidente Temer que interveio na Segurança Pública do Rio é o mesmo que há pouco buscava a aprovação da Contrarreforma da Previdência como “troféu” para a sua “ponte do futuro”. 

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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