Altamira, no Pará. Banhada pelo rio Xingu, a cidade que já foi a maior em expansão territorial do mundo, hoje, mesmo sem muito apelo nas mídias, é a capital de um velho e longo imbróglio. Ao lado da transposição do rio São Francisco, na região nordeste do país, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte, na região norte do Pará, é um imenso poço de falta de planejamento, conta com um vasto repertório de falácias e controversos posicionamentos políticos. 
 
Imagem: O.RIBS ( usuário @o.ribs no instagram)



Ambos os projetos da Ditadura Militar, a Transposição do enorme rio São Francisco e a construção de Belo Monte, são dois típicos empreendimentos brasileiros: demoram a projetar, quando projetam demoram a colocar em prática, e quando colocam, demoram para terminar, além do adendo fundamental e infelizmente conhecido, superfaturamento.

Com três sítios energéticos no vale que dá nome a um deles, Belo Monte, o empreendimento se estende desde 1972, quando houve sua idealização e, assim que as obras iniciaram em 2011, evidenciou o que povos locais, especialmente indígenas, já alertavam há tempos: a falta de zelo ou preocupação com o bioma da região e o total desrespeito a cultura local.


 Produzido pelo diretor paulistano, André D’Elia, o documentário Belo Monte, Anúncio de uma Guerra, de 2012, após três expedições à região do Rio Xingu, em áreas próximas a Altamira, apontou os erros do longo projeto de R$ 30 bilhões. Em seu documentário, André colhe depoimentos de moradores locais, ribeirinhos e lideres indígenas, procurador da Republica, presidente da FUNAI e políticos da região favoráveis à construção do que será, assim que estiver tudo devidamente instalado, a terceira maior hidrelétrica do mundo, atrás apenas da chinesa Três Gargantas e da paraguaia-brasileira, Usina de Itaipu. Lados opostos defendendo seus interesses conflitam defronte as lentes do paulistano que é aficionado em retratar causas de proteção ambiental utilizando de seus longas. 
Igualmente aficionado, tendo como diferenças o lado escolhido e o tempo, em 1972, o engenheiro canadense John Dennis Cadman, depois de participar de um Congresso de geologia no Pará, foi à região de Altamira buscar explicações para uma duvida acadêmica: a curva de 140 km que o Xingu forma a leste e depois retorna ao norte até desaguar no Amazonas. Para ele, o Xingu, com 4 km de largura, especialmente a curva, conhecida como Grande Volta, é um lugar mais que propicio para a implantação de uma usina. Hoje aposentado pela Eletronorte, Cadman foi quem, há quatro décadas, vendeu a ideia que D’Elia questiona em seu documentário.  


A construção dos três sítios desencadearam problemas em todas as pobres áreas retratadas pelo Anúncio ao longo do rio. O inchamento populacional de Altamira, cidade próxima às obras, com a chegada de milhares de funcionários, mesmo com a cidade deficitária em infraestrutura, os alagamentos de florestas e áreas em processo de urbanização, a falta de pudor em preservar o bioma da região, estimularam populares a confrontarem o andamento do projeto. Em uma das passagens do documentário, um popular comenta a incoerência do Governo que impede que se pesquem algumas espécies de peixes, mas permite a construção de uma hidrelétrica que, minimamente, terá como um de seus impactos a extinção de algumas ou todas as espécies.


André ainda documenta fatos como o não pagamento de indenizações para pessoas retiradas, por vezes as forças, de suas casas, que nos permitem pegar obras como o Rodoanel de São Paulo como exemplo. A obra do Governo Estadual pretende criar um cinturão rodoviário em volta da cidade de São Paulo para o tráfego de veículos sem a necessidade de se atravessar a caótica capital de nove milhões de carros. Nessa e em outras obras em que há, também, a necessidade de desapropriação, observamos o fervor com que se trata o pagamento de indenizações, e a mídia, por vezes, exerce um trabalho importante nessa seara. Em Altamira pouco se falam sobre o desrespeito com que são tratados os que, se a terra realmente tivesse donos, seriam os detentores. Nada justifica a falta de cobrança desses direitos, mas o simples fato de estarmos falando de São Paulo, estado mais forte da União, e o Pará extorquidos por barbalhos e vereadores que contestam os elevados salários, como outrora em Parauapebas, ajudam a contar a historia envolta em desmedidos impactos ambientais e imposições sobre uma população, em sua maioria, pobre.  
  

A obra que, em tese, foi projetada para ser de total responsabilidade do setor privado, recebeu da Odebrecht e Camargo Correa o estranho reconhecimento de falta de condições para o andamento das obras. Além do óbvio impacto ambiental, comparado a evidente ineficiência da hidrelétrica, as  fortes indicações de propinas, não impedem que as obras continuem.
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Claudio Porto

Jornalista independente.

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