Documentário “Cidadão
Boilesen”, de 2009, revela com ênfase a cruel aliança entre os militares e
o setor empresarial do Brasil, que no fim da década de 60 e inicio dos anos
1970 financiaram ativamente as operações de repressão e tortura aos que se
opunhavam a intervenção de 64. Na pessoa do dinamarquês, Henning Albert
Boilesen, presidente da Ultragaz, o esquema não se restringia apenas no
patrocínio de empresários as atrocidades cometidas pelos responsáveis da OBAN e
DOI-CODI. As sessões de torturas, por muitas vezes, eram tratadas como
apresentações que, de certa forma, permitiam extravasar a alegria dos
espectadores, os empresários financiadores. Em resumo, não passava de
entretenimento para os integrantes da OBAN e do setor empresarial.
Ao contrário do que muitos pensam, o documentário mostra que
o empresariado iniciou sua participação na intervenção por meio das torturas e
não propriamente no Golpe em março de
1964. De acordo com a produção, os empresários foram chamados pelos militares
que, por volta de 1968, já se deparavam com a estrondosa ascensão dos
militantes anti-intervenção, e assustados recorreram ao setor empresarial em
busca de apoio. Sozinhos os militares não se sustentariam, diante disso houve a
promulgação desesperada do AI-5, que retirou todos os direitos civis dos
brasileiros e a instaurou a operação Bandeirante, a OBAN.
O discurso era que a ascensão dos comunistas traria enormes
problemas aos empresários. Com isso, Henning Boilesen que transitava
livremente entre os generais e os empresários, assume o cargo de “tesoureiro” da aliança, além de se
mostrar extremamente interessado pelas ações da OBAN. Era um assíduo
espectador das torturas promovidas pelo delegado Sergio Fleury, no prédio do
DOI-CODI em São Paulo, e o principal entusiasta do movimento que, na
teoria, combatia o avanço comunista.
O dinamarquês vivia na sede do DOI-CODI, era amigo intimo de
Fleury e não tinha qualquer pudor em preservar sua imagem. Ele foi o
responsável por importar dos EUA a “Pianola Boilesen”, um instrumento que emitia
choques em correntes contínuas de energia nos prisioneiros da OBAN.
Descuidado em não preservar sua intimidade, Boilesen foi
pego em plena Alameda Casa Branca, Zona Central de SP, na manhã do dia 15 de abril
de 1971. Oito militantes pararam o carro em que o empresário estava e disparam
rajadas de metralhadora. O empresário foi condenado pelos revolucionários por
ser o “responsável pela tortura no
Brasil”.
A famigerada expressão de que “dois raios não caem no mesmo lugar” não é válida para a
curiosidade que envolve a morte de Boilesen. Cinco meses antes, Carlos
Marighella, considerado inimigo número um de Boilesen, Fleury e seus amigos,
também foi assassinado em meio a uma emboscada na Alameda Casa Branca, a mesma
via em que o dinamarquês morrera.
O período vivido por nós brasileiros entre 1964 e 1985, por
mais que se conteste, está acima do duelo entre comunismo e capitalismo.
Especialmente quando houve a imposição do AI-5 e o advento de ações como essas de
Boilesen. Muitos pontos do período nos permitem refletir se esse tempo, de vinte
e um anos, não serviu apenas para promover em alguns as realizações das
vontades da natureza humana, que estritamente não passam de ter em mãos: o
poder e a miséria daqueles que cercam.
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