Olá fãs do futebol holandês! Estamos de volta para tratar de um assunto que incomoda profundamente a todos nós, fãs do futebol, especialmente aqueles que acompanham esse lindo esporte na terra das tulipas e dos moinhos. Voltamos para tratar da crise que assola o futebol neerlandês em termos financeiros. Os recorrentes problemas com o já limitado grupo de equipes profissionais da Holanda teve seu capítulo mais importante na última semana: um Twente destruído financeiramente viu o abismo da falência passar por um fio de distância, e agora, corre o risco do rebaixamento para o segundo escalão do futebol nacional.

Estaria o futebol holandês se afundando cada vez mais no pântano do esquecimento? Trataremos dessas e outras questões na crônica de hoje, um apelo aos homens que comandam o futebol nos Países Baixos.



O caso Twente

Começamos indo direto ao ponto. O caso Twente foi noticiado ao redor do mundo, quando na última quarta-feira (18), a KNVB divulgou a punição ao Twente pelas irregularidades financeiras cometidas pela equipe: o rebaixamento à Jupiler League!

Em meados de 2014, o clube teria firmado um acordo com a empresa Doyen Sports, com sede em Malta. O clube receberia cerca de cinco milhões de euros para que a empresa tivesse participação em futuras transferências de sete jogadores: Castaignos (50%), Promes (30%), Ould-Chikh (30%), Mokhtar (25%), Tadic (10%), Ebecilio (25%) e Eghan (20%) (entre parênteses, o valor a ser recebido pela Doyen Sports, de acordo com o jornal local Tubantia). O problema é que naquele momento, a FIFA já não permitia mais a participação de terceiros em negociações, o que viria a gerar um grande problema no futuro.

Em 2015, documentos do contrato assinado pelo Twente com a Doyen vazaram na Internet, e aparentavam conter informações diferentes das contidas no mesmo documento entregue a KNVB. Aí começaria, de forma intensificada, a investigação da confederação holandesa de futebol. Aos poucos os detalhes foram surgindo. Foi descoberto que a Doyen influenciava diretamente na política do clube, e ainda segundo o Tubantia, caso algum time oferecesse uma quantia maior ou igual ao valor de mercado de um dos sete jogadores envolvidos no esquema, o Twente obrigatoriamente deveria vender o jogador, caso contrário pagaria por si próprio a quantia a ser recebida pela Doyen.


Joop Munsterman (à esq.) e Aldo van der Laan (à dir.).
Em meio a tudo isso, o clube enfrentava uma turbulenta troca de presidência. Joop Munsterman, responsável por, entre outras coisas, o título nacional de 2010, deixou o clube no início de 2015, ainda antes do vazamento do contrato. Pouco depois, Aldo van der Laan assumiu e se viu em apuros. Não conseguiu cumprir exigências da KNVB e perdeu seis pontos na Eredivisie. Além disso, teve de cortar gastos, incluindo a desistência do Jong Twente em disputar a Jupiler League.

Van der Laan, mesmo sendo integrante da antiga gestão do Twente, se disse vítima dos erros do passado, que agora afetavam diretamente o presente do clube, que ia mal financeiramente e pior ainda tecnicamente. Uma campanha pífia na Eredivisie unida a repercussão do vazamento dos documentos levaram Van der Laan a renunciar, pouco tempo depois de afirmar que "não se afastaria apenas por pessoas que só fazem besteira". Era o estopim para a crise se instalar definitivamente no clube de Enschede.

O que pode acontecer?


Destino do Twente ainda é incerto.
A partir do momento em que a KNVB decretou a punição ao clube, várias atitudes foram tomadas. Foram consultadas as associações e organizações das equipes profissionais da Holanda, e até o momento, nenhuma delas se mostrou favorável à posição da KNVB em rebaixar o Twente. Porém, a federação também não baixou a bola e manteve a decisão! Como resultado, o Twente recorrerá ao tribunal de justiça, que começa a julgar o caso nesta sexta (27), às 5h (horário de Brasília).

Não é a primeira vez...

RBC em ação contra o Heerenveen
Não, não é a primeira vez e nem faz muito tempo. Mais especificamente em 2010, começou uma terrível série de falências no futebol holandês. O primeiro a sucumbir foi o Haarlem, na temporada de 2009/10. Depois, em 2012, o RBC Roosendaal, que vinha em queda livre desde 2007, não resistiu as dívidas e declarou falência. Em 2013, o ponto mais alto da crise. Na mesma temporada, AGOVV e Veendam faliram, sendo excluídos da Jupiler League e bagunçando todo o campeonato.

A maioria dos clubes não conseguiu parcerias (com exceção do Haarlem), e tiveram de recomeçar toda a pirâmide do futebol holandês. Melhores colocados atualmente, Veendam e AGOVV disputaram nesta temporada a Derde Klasse, sétima divisão nacional (das nove existentes).


A partir de todo o cenário apresentado, podemos finalmente refletir: afinal, por que os times holandeses estão cada vez mais fracos, tanto tecnicamente como financeiramente?
A Holanda já esteve no topo do continente, conquistou quatro títulos europeus de clubes de forma consecutiva, presenteou o mundo com craques como Cruijff, Gullit, Nistelrooy, dentre tantos outros. Aonde nossos clubes se perderam? A resposta talvez pode estar no futebol atual, o tal 'futebol moderno'.

É inegável que o esporte é hoje em dia um negócio, um 'campeonato de empresários', onde a gestão é praticamente a base para se formar um clube campeão. Clubes investem cada vez mais em marketing, abrem suas fronteiras para além do continente europeu, tudo para atrair mais fãs, e logo, mais dinheiro. Mas e os holandeses, como ficam nessa história?

Pois bem, se usarmos o exemplo do Ajax, o maior clube da Holanda em termos de títulos, observamos uma política muito conservadora. Há muito tempo o clube mantém sua filosofia de gastar pouco em contratações e investir nas categorias de base. Sim, isso ajuda a manter o clube como referência nacional, mas e as competições continentais?


Sucesso dos holandeses vem dependendo
das categorias de base.
É fácil perceber: os grandes clubes europeus atualmente possuem verdadeiras seleções mundias! O futebol hoje é globalizado; até o canto mais isolado é observado por olheiros, e num mundo cada vez mais concorrido, o dinheiro é que tem o peso final. Atualmente, o grande clube não é definido por história, e sim por potencial. E o jogador pensa apenas em desenvolver seu potencial, num clube no qual ele tenha visibilidade e a possibilidade de chegar ao topo do mundo.

Investimento. Assim como em todo negócio, para trazer bons frutos, ele precisa ser de risco. Se não se arrisca, não há frutos para colher, e talvez seja esse o mal do nosso futebol. Os grandes clubes holandeses se esqueceram do grande negócio que virou o futebol atualmente, e permanecem aprisionados a ideia de 'apostar' pequeno, se limitando aos destaques das menores ligas e aos medianos das grandes. Não desenvolvem estratégias de marketing, muitos sequer tem fã-clubes fora da Holanda. Sem abrir os horizontes, não há caixa que pague o sucesso, e assim os grandes vão se limitando aos fiascos continentais, e enfraquecendo, pouco a pouco.

Há luz no fim do túnel?


Iliass Bel Hassani: destaque do Heracles na temporada.
Pois bem, enquanto os grandes penam cada vez mais nos campeonatos continentais e os pequenos sofrem para se manter no profissionalismo, alguns clubes parecem apresentar projetos interessantes e que merecem atenção. Neste ano, por exemplo, vimos a ascensão de uma grata surpresa, o Heracles Almelo. A equipe que não passava de um modesto 10º há quatro anos conquistou a melhor campanha de sua história nesta temporada! O sexto lugar já era pra lá de comemorado em Almelo, porém a festa ficou completa no último fim de semana, quando a equipe conquistou uma histórica classificação para a UEL ao bater o Utrecht fora de casa por 2 a 0! Um grande passo para a equipe que chegou a bater de frente com os grandes no meio da temporada. O lado negativo da campanha fica (mais uma vez) com as inevitáveis vendas. Oussama Tannane, um dos destaques do time, saiu para o Saint-Ettiene logo na janela de inverno. Algumas contratações pontuais serão planejadas para este verão, mantendo a esperança de que o time siga provando que quer evoluir.

Quem já provou essa ambição é mesmo o PEC Zwolle. Os últimos resultados da equipe são pra lá de animadores. As receitas crescem no mesmo ritmo que o desempenho do clube vem melhorando, e de fato, podemos colocar a equipe como mediana no cenário holandês. Isso porque, além de participar mais uma vez dos playoffs para a Europa League, o clube é nada mais, nada menos que o terceiro time mais regular da Eredivisie nos últimos três anos! A pior posição foi o 11º lugar ao final da temporada 2013/14. De lá pra cá, nenhuma rodada sequer fora do top-10. Há de se destacar ainda o histórico título da KNVB Beker, na humilhante goleada aplicada sobre o Ajax, 5 a 1! Estabelecendo uma relação comercial mais ampla com alguns grandes do futebol europeu, o PEC vem sobrevivendo a base de apostas bem acertadas e os sempre bem vindos empréstimos, que tem também o seu ponto negativo: o natural desmanche do elenco ao fim de temporada, com os jogadores retornando aos seus clubes.
Becker e Veldwijk: boa dupla do PEC que deve deixar o time.

Tanto Heracles quanto PEC precisaram de um empurrãozinho, um investimento de risco para saírem da posição cômoda de equipes figurantes para despontarem no cenário nacional. As equipes, porém, ainda seguem o mesmo padrão holandês, de cautela extrema com as finanças, o que ainda é necessário, afinal falamos de equipes em processo de transição.

Não podemos esquecer da fiscalização da KNVB, que divide as equipes em grupos de acordo com sua situação financeira. Quem estiver 'na berlinda', é acompanhado de perto pela federação, que atualiza com frequência esse ranking. Na mira da KNVB, o clube precisa reduzir gastos e bolar um plano de reestruturação financeira, para manter um caixa razoável.

Os próximos anos ditarão o rumo de Heracles e PEC. Sem investidores, parece um sonho se tornar um clube competitivo no concorrido mundo do futebol, ainda mais no futebol holandês, marcado por uma cultura que resiste em conservar hábitos antigos que dão poucos frutos nos dias atuais. Mas as atitudes de quem comanda essas equipes podem fazer a diferença. Comprometimento e faro de investimento podem fazer dos clubes o futuro holandês, e quem sabe, mostrar até mesmo aos grandes, que existem outras portas a serem abertas.

Por hoje é só pessoal! Mantenha-se ligado, tanto no nosso blog como em nossa página no Facebook, estaremos atentos à cada nova informação do caso Twente, e claro, noticiando a sentença final dessa novela que deve se arrastar por algum tempo. Grande abraço e até a próxima!
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Ricardo Machado

Um sonhador, que anseia por deixar sua marca no mundo. Apaixonado por automobilismo, futebol, letras e pelas tardes frias e chuvosas de inverno.

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