Olá caros leitores. O romance "Vidas secas" de Graciliano Ramos, escritor alagoano, retrata a família de retirantes sertanejos fugindo da fome e da miséria. Interessante notarmos que da sua primeira publicação em 1938 a fome e a miséria continuaram sendo pautadas no semiárido nordestino e afugentando o povo da sua terra por um longo período. 

Tem gente que vai dizer: mas a culpa não é do bioma da caatinga? Anos após a publicação do livro, em meados de 1952, a seca daquela época levou a composição da música Vozes da Seca, de autoria de Luiz Gonzaga e Zé Dantas, que apelava para a SUDENE (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste) que fizesse algo a respeito, fornecesse trabalho e renda. A saída de nordestinos ou nortistas, como eram chamados antes aqueles originários dessa região, para o Rio de Janeiro ou São Paulo levou não apenas a mão de obra que construiu essas cidades, mas também modificou as estruturas e a lógica pela sobrevivência em uma terra estrangeira dentro de seu próprio país. 

Se no pós-abolição os negros sem estrutura alguma ocuparam os morros, que, por sua vez, serviram de base para as favelas no Rio de Janeiro, não diferente os retirantes na busca de uma vida mais digna ocuparam as comunidades periféricas de São Paulo. Na realidade, mesmo após o chamado período modernizador nos anos 60 e 70 as cidades, as capitais vistas como lugar de oportunidades, não facilitou a vida de quem era pobre, fosse no sudeste ou mesmo no nordeste, como em Salvador, só aumentou o contraste de bairros planejados (pessoas de altos recursos) e desordenados, onde a periferia se levanta e as vidas continuam secas independentes de serem retirantes do sertão.


É seca de oportunidades para nós menos favorecidos, mas abundante e farto para muitos, um palanque que abre oportunidades de perpetuação política, discursos prontos cheios de persuasão. O capitalismo que não tem dó nem piedade toma, suga e convence a muitos de como é necessário. Somente na primeira década deste século 21 é que o Brasil saiu do mapa da fome a partir de programas sociais, mas, sempre com alguém se sentindo prejudicado em seus negócios sórdidos. 

A falta de empregos e de políticas que implicam na sustentação da vida, como, por exemplo, auxiliando os mais pobres na compra de alimentos tem crescido absurdamente. A pandemia da Covid-19 iniciada em 2019, com os primeiros casos noticiados na China, logo chegou ao Brasil com casos gritantes a partir de março de 2020. A vida mudou repentinamente e a transmissão local atingiu em cheio fosse pela doença ou pela fome, já que muitas pessoas perderam empregos ou morreram pelo contágio. Nas redes sociais e alguns canais de comunicação a campanha pelo #FIQUE EM CASA não contemplou a todos, visto que muitos tiveram de se aglomerar nos ônibus para trabalhar como no caso dos que tiveram seus empregos garantidos. 

A pressão para que o atual governo fornecesse uma renda fez com que a Câmara dos Deputados aprovasse o auxílio emergencial de 600 reais em 2020 e de editais de socorro à cultura, como a Lei Aldir Blanc. A lei mostrou que a cultura é essencial, não é coisa de vagabundo que suga do governo. Todos famintos pela arte. Um ano se passou e continuamos lidando com a fome e com perspectivas bem desanimadoras. A nova manobra política de manutenção da fome é o fim do Bolsa Família e a substituição pelo Auxílio Brasil, que terá validade até 2023. 

As notícias de roubo pela fome têm crescido e, paralelamente, a assistência social diminuído, ou seja, uma conta que não fecha. Esperamos que em breve a situação mude e o País saia novamente do mapa da fome. Como escrevi num poema, "temos fome de comida, de cultura e muitos desertos no pensar. Outro mau caratismo é sobrenome e não querem compartilhar, nem o pão, nem os espaços. Não querem se contagiar. Filé mignon consomem mas jogam o osso pra engasgar". E até o osso está sendo vendido, caro, como vimos nos noticiários.

Vidas secas agora é retrato do Brasil e não se limita mais ao sertão. A falta de perspectiva adentra as grandes cidades, periferias, refletem na economia. Até o termo "nem nem" foi criado. Nem estuda, nem trabalha, mas o pior são os desocupados, tantos desempregados no Brasil serem classificados de desocupados ao meu ver fere a dignidade dos que lutam pelo sustento.

Reflexo do desemprego tem sido o inchaço do trabalho informal, o mercado ambulante infla a concorrência e a falta de espaço aumenta. A fome é uma construção política há muito tempo. Note que na história tivemos como símbolo do messianismo o Antônio Vicente Mendes Maciel, o Antônio Conselheiro no Sertão de Canudos na Bahia. Pobres esquecidos com fome e sem assistência se refugiaram nas palavras e na estrutura de vida comunitária onde se repartia o pão. Atualmente grupos de agricultura familiar e de movimentos como o MST doam os alimentos que produzem sem agrotóxicos, diferente dos grandes e médios mercados que encareceram seus produtos em meio à desgraça dos últimos 100 anos. É preciso estendermos as mãos e alimentar a quem precisa, regar as vidas para que a chuva faça florescer.
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Edenbergue Lima Neres

Olá sou Edenbergue Lima Neres,sou soteropolitano, Professor de História, gosto de literatura e estou aqui falando um pouco sobre cultura, não sou especialista e como a grande maioria dos brasileiros não tenho uma condição privilegiada a ponto de desfrutar de maneira integral das manifestações culturais. No que estiver ao meu alcance apresentarei textos informativos e reflexivos sobre cultura nacional e internacional quando possível. Esta coluna não é uma coluna para falar de política,mas como a cultura também é política os textos tem certo aspecto político,a cultura muitas vezes foi usada para dominar,mas meu interesse é falar da cultura do nosso povo. Vai ter textos sobre música e outras manifestações artísticas.Ter ou não ter cultura é sinônimo para muitas pessoas de ter uma educação,ou um nível de conhecimento superior ao comum entre a grande maioria da população chamada de massa. Mas o conceito,o que dizem sobre cultura é muito amplo mas a pergunta que tentamos responder é :cultura é o que? Reflita e um grande abraço!

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