O ódio se reinventa, torna-se digital e ganha uma maneira moderna de destruir vidas e famílias inteiras: a cultura do cancelamento. Deixar de seguir alguém ou simplesmente deixar de consumir o conteúdo produzido por tal pessoa não é o suficiente para a cultura do cancelamento. Os erros ou opiniões divergentes da grande massa virtual rapidamente cria uma onda de ostracismo gigantesca. Linchamento virtual e em alguns casos ameaças de morte.

O ódio insano vestido de cultura do cancelamento gera barbaridades sem precedentes. Em vários casos acaba virando caso de polícia. Mas o que seria a cultura do cancelamento? Onde ela extrapola a opinião e discordância dos seguidores ou curiosos virtuais?


Como tantas outras culturas que adoecem, a cultura do cancelamento foi importada para nosso País, criada para mudar políticas violentas das grandes e pequenas corporações. Personalidades da internet compartilhavam e faziam viralizar vídeos, áudios, documentos, enfim, algum conteúdo comprometedor, provas capazes de denunciar ações torpes das empresas. A política do cancelamento era utilizada para denunciar crimes como escravidão, ou situações análogas a ela, produção de bens a partir do trabalho infantil, matéria prima oriunda do desmatamento ou contrabando, política institucional racista etc. A denúncia ganhava proporções fora do comum, tornando-se incontrolável. A consequência era queda nas vendas, desvalorização do valor de mercado, boicote das empresas e afins.

Algo importante precisa ser considerado em relação a essa face do cancelamento, as empresas têm seus sócios e acionistas protegidos por seu CNPJ, não é comum que os proprietários tenham sua vida virada pelo avesso, sofram ameaças, inclusive de morte. As empresas, com poder econômico que possuem, rapidamente fazem controle dos danos, contratam personalidades confiáveis para o marketing social e superam a situação. Vocês lembram do assassinato ocorrido em uma unidade do supermercado da rede Carrefour? Pois bem, esse é um exemplo do que falo.


Quando essa política do cancelamento passa a ser direcionada para pessoas físicas, a situação é bem mais complicada. O ódio, o ostracismo, o linchamento chegam ao cancelado, a seus filhos, companheiros (as), mães e pais. As pessoas cancelam alguém por uma atitude errada, mas agem como hienas sanguinárias, cometem horrores que superam qualquer erro do seu alvo. Diferente das empresas, as pessoas físicas não possuem o arcabouço jurídico, não possuem o poder econômico, tampouco estão protegidas por uma razão social.

Em que essas pessoas envenenadas por ódio são melhores do que aquela que foi cancelada?

Discordar de alguém, discordar de uma atitude, de uma ação, não nos dá o direito de destruir vidas. É comum que escutemos as pessoas pregarem a evolução humana, a mudança para melhor das pessoas, a espiritualidade, mas no primeiro erro, essas pessoas enlouquecem a ponto de parar todo um país por conta de um cancelamento. A máxima de aprender com os erros deixa de existir, a outra face oferecida dá lugar ao olho por olho, os fins, para cancelar alguém, justificam os meios.

Em que você é melhor? Consegue responder?

Muitas pessoas não conseguem liberar os demônios que possuem nem mesmo quando se trancam no banheiro. Ao se olhar no espelho, sentem vergonha do que veem refletido, elas lutam diariamente, evoluem para controlar ou aniquilar essa face obscura. Elas sentem vergonha de se ver ali refletidas, nuas sem personagens. Por outro lado, diante da tela do computador, celular ou tablete, esses demônios se revelam, estão ali sendo refletidos, mas a dinâmica da tela não os deixam revelar, a única maneira de saber que ele está ali é lendo o que essas pessoas escrevem ou comentam na internet. A leitura geralmente assusta, é um conteúdo desumano. Acredito que se lêssemos com calma, antes de publicar, não publicaríamos.

A cultura do cancelamento, utilizada para esse fim, é a chave para que nos tornemos piores a cada dia, a maneira que a parte sombria que habita em todos nós encontrou de sucumbir à luz.

Por fim, desejo que cada um de nós não sejamos seduzimos por essa pratica infame.

Sobre a Coluna

A coluna Brasilis é publicada sempre às quintas-feiras.
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Alexandre Pereira

Eu sou Alexandre Silva, natural de Alagoas, mas resido em Salvador – BA, terra que tem me dado “régua e compasso” para seguir firme e forte, na luta por uma sociedade mais igualitária. Ainda sobre mim, sou Graduando em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia, curso que me desafia a enfrentar as problemáticas de uma sociedade multifacetada, segregada por uma profunda desigualdade social. Nossos textos buscarão provocá-los a problematizar questões que afetam nossas vidas, mesmo que pensemos que não, tudo está interligado, tudo nos diz respeito, se assim não fosse não seriamos uma sociedade. Obrigado pela companhia e vamos problematizar!

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