Caiu no jargão popular a expressão derivada do nome daquele autor florentino que, a seu tempo, redigiu a famigerada obra "O príncipe". Assim, sabe-se lá por qual razão, passou-se, ao longo do tempo, a se adjetivar as pessoas perversas, calculistas, com tal alcunha: "maquiavélico!"


Pois bem... dado que nosso (des)presidente é deveras um sujeito que não apresenta qualquer sinal de mínima empatia (já se vão mais de 130 mil vidas e o presidente segue defendendo a economia a qualquer custo, não usando máscaras e fazendo campanha CONTRA a vacinação!), é, por certo, tentador chamá-lo pelo antes referido adjetivo. "Bolsonaro é maquiavélico!", diriam os incautos. Resta contudo, a dúvida: será mesmo que ele merece assim ser chamado? 


Veja: a este que vos fala, não restam dúvidas acerca do quão psicopata e completamente desprovido de humanidade e empatia o atual presidente da República é. Este texto, destarte, não tem a pretensão de discutir se ele, BolsonEro, é "tão mau assim". A ideia é debater se a antes referida adjetivação é mesmo devida a pessoas deste tipo. Explica-se.

Maquiavel (1469 - 1527) nasceu em Florença e escreveu seu livro como "conjunto de conselhos" endereçados ao Príncipe Lorenzo de Médici, para que o mesmo pudesse lograr manter-se no poder de maneira pacífica e duradoura. Os conselhos foram realizados especialmente porque... bem... estamos falando justamente de um período de transição entre um modelo econômico feudal, descentralizado, para um centrípeto modelo Estadista, de maneira que, com efeito, "pegando todo mundo de surpresa" com a centralização, um pouco de "maquiavelismo" talvez fosse mesmo um tanto necessário.


Neste sentido, Maquiavel dispõe, em sua obra, que, para conservar-se no poder, um governante deveria considerar ao menos dois fatores em seu governo: a virtú e a fortuna. Por "virtú" o autor concebia como aquelas características do homem virtuoso, capazes de possibilitar-lhe conduzir com destreza os seus empreendimentos. Apenas "virtú" não seria, todavia, suficiente para garantir a manutenção duradoura do poder, e o problema poderia estar no segundo antes mencionado elemento, a Fortuna. Por 'Fortuna' não se deve conceber o que hoje compreendemos por "grande quantidade de dinheiro". Fortuna, em tempos antigos, era concebida como a deusa responsável justamente pelos fenômenos fortuitos, diga-se: aqueles que acontecem independentemente de nossa vontade. Desta monta, para o autor florentino (assim como para os antigos), fortuna deve ser compreendida desta maneira: enquanto possibilidade de acontecimentos independentes de nossa vontade, ou, se preferirem, "sorte (boa ou má)". Assim, para o escritor, seria necessário, aos governantes que desejassem manter-se no poder de maneira pacífica e duradoura, a reunião desses já mencionados dois elementos: virtú, para, tendo em si a virtude de saber governar, poder, justamente, precaver-se dos fenômenos fortuitos.


Dito isso, vamos à Bolsonaro: Jair Messias claramente não apresenta qualquer aptidão para o exercício do cargo que por ora ocupa.

Aliás, poderíamos até sugerir que não a possui para o exercício de cargo qualquer, mas... vamos adiante...

Assim, marcadamente não possui e, portanto, não segue o primeiro elemento elencado por Maquiavel como necessário para fins de exercer um bom e duradouro governo.

Pois sendo completamente carente de virtudes, tampouco preocupou-se em se precaver dos fenômenos fortuitos. Não à toa, chegada uma pandemia avassaladora, não soube o que fazer, nada fez e terminou por permitir a morte de mais de 130 mil pessoas em seu país!

Também não guardou, portanto, a atenção para o segundo elemento antes referido como essencial aos governantes, conforme Maquiavel.


Em seus conselhos ao príncipe, Maquiavel ainda reflete que o governo, para manter-se no poder de maneira duradoura, deve manter o povo em relação de amor ou medo para consigo. Postula, ademais, sob um viés pragmático, que, se houver que decidir entre um ou outro, que seja então pelo medo, pois este é mais capaz de manter a população em ordem. O medo, para Maquiavel, não pode, contudo, ser tal que produza ódio, pois o ódio é força motriz para a revolução.

Dito isso, percebe-se que, em sua relação com o povo, Bolsonaro parece também apostar em estratégias contrárias às aconselhadas por Maquiavel, pois, diferentemente do que aconselhou o escritor, nosso (des)presidente ora apela para o amor de seus alucinados seguidores - cegos, justamente, por sua paixão "messiânica", "mitológica"; ora para o ódio, ao proferir expressões em nítido intuito de provocar a reação de desprezo por parte de seus opositores.


Ora pois... se Maquiavel, em aconselhamento a um governante, postulou que é necessário ao mesmo a reunião de virtude e consideração da fortuna e, ademais, ser preferencialmente temido, enquanto Bolsonaro 1- conduz seu governo entre o amor e o ódio; 2- claramente não possui virtude, e; 3- não se preparou e nem sabe lidar com o maior fenômeno fortuito dos últimos tempos, então resulta que Bolsonaro não seguiu qualquer preceito de Maquiavel e, assim, não poderia ser a ele relacionado. Bolsonaro é "maquiavélico"? Não! Muito pelo contrário!

Tivéssemos um governo verdadeiramente maquiavélico, contaríamos, ao menos, com um governante plenamente capacitado para o exercício de seu cargo e devidamente precavido de eventuais fenômenos fortuitos.

Lembremo-nos: Maquiavel estabelece as diretrizes básicas que concebe como essenciais para fins de que um governo mantenha o seu poder de maneira pacífica e duradoura. Propõe, assim, que o governante deva seguir suas diretrizes, sob pena de perder seu poder.

Bolsonaro não seguiu as recomendações de Maquiavel. Muito pelo contrário, como já demonstrado. Neste sentido, maquiavélico, não é, e, portanto, deve ruir.


A nós, resta-nos torcer para que as previsões do escritor estejam certas e o governo efetivamente caia ao desrespeitar seus preceitos.

Em suma: sejamos, nós, (aí sim, efetivamente) maquiavélicos e, concebendo que nosso governo atual, ao contrário do que se pensa, não seguiu os sapientes preceitos de Maquiavel, derroque e ceda espaço a quem efetivamente saiba como (maquiavelicamente, que seja) governar.


P.S.: Maquiavel nunca disse expressamente a frase costumeiramente a si atribuída: "os fins justificam os meios". Cuidado com as fakenews!

P.S.2: AJAM COM VIRTÚ E, SE PUDEREM, FIQUEM EM CASA! OU ISSO, OU A FORTUNA VIRÁ (E, JÁ ADIANTO: ELA ESTÁ COM COVID!!!!)


Abraços e até a próxima!!

Sobre a coluna

A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
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Guilherme Azevedo

Advogado e Filósofo, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) com dupla titulação em Estudos Políticos pela Universidad de Caldas/Colômbia.

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