Confesso, eu não sou tão otimista para acreditar que a pandemia do novo coronavírus será capaz de mudar as pessoas, não a ponto de mudar a desigualdade social profunda que nos move. A desigualdade social é o modus operandi do Estado brasileiro, o que enfraquece as ações individuais.

É papel do Estado e seu maquinário (políticas públicas e seus arcabouços legais) definir se haverá ou não mudanças na distribuição de renda em nosso País no pós-pandemia. Afinal de contas a fome, a violência, a carência no sistema de saúde, o desemprego e o abandono da educação já eram problemas profundos de nós brasileiros e a pandemia apenas revelou essa realidade para aqueles que não viviam esse Brasil. Mesmo sendo uma questão crônica, muitos brasileiros não se sentem parte desse problema.


Não é pouco reforçar que esse modus operandi está no DNA dos Estados capitalistas e diz respeito à oferta de mão de obra barata, a redução de direitos, a asfixia da mobilidade social, a não democratização da educação de qualidade, além da precarização do trabalho.

A desigualdade é uma doença que o Estado brasileiro alimenta, face aos projetos de redução do Estado. Uma agenda política amplamente apoiada pela mídia hegemônica e por uma classe política refém do clientelismo, do lobby das grandes multinacionais e instituições financeiras que atuam no País. Esse projeto tem como objeto a privatização das estatais, a redução dos direitos trabalhistas e sociais, além do aumento de impostos. Para tanto eles usam a mesma falácia de sempre: geração de novos empregos e salvação da nação.

Recentemente o Congresso começou a discutir a reforma tributária. Sem grandes surpresas, a proposta mantém os privilégios para os setores intocáveis, principalmente os bancos. As benesses articuladas serão bancadas por nós trabalhadores, por meio do pagamento de mais impostos. É a máquina de desigualdade estatal agindo com toda a sua capacidade destrutiva.
A diminuição do Estado via austeridade fiscal e reformas criminosas nos levou ao abismo em que estamos. Afirmo isso porque o Estado já tem demostrado que se manterá com seu projeto reducionista. Já existe um discurso de que só as reformas serão capazes de reestruturar a economia brasileira. O problema é a quem servem essas reformas.

O Estado usa de um momento de fragilidade social para impetrar seus projetos de aprofundamento da desigualdade. A reforma trabalhista é um exemplo factível. O Estado usou um momento difícil em relação à geração de empregos para aprovar o projeto. O discurso era de que só a reforma seria capaz de nos salvar e o resultado foi a precarização do trabalho.

O bem estar do povo brasileiro é colocado como moeda de troca. O estado diz “ou aprova ou não melhora”, a sociedade aceita e, no fim, percebe que foi enganada, ludibriada por agentes sorrateiros. Nós continuamos pagando a conta, ora abrindo mão de direitos conquistados arduamente, ora pagando mais impostos.

Acredito que esse momento de exposição mais ampla de um Brasil vulnerável, despertou muitas pessoas, talvez elas continuem agindo e percebendo que não há como continuarmos vivendo com esse modus operandi. A mudança social não se dará sem um movimento coletivo, já não dá mais para sermos indiferentes, não há mais espaço para naturalização dessa desigualdade infame.

De maneira geral somos solidários, entretanto, essa solidariedade é muito pontual, o que me leva a lembrar do espírito natalino: aparece em um dia de dezembro e desaparece durante os outros 364 dias do ano. Lembremos que sempre existiram pessoas passando fome, sempre existiram famílias sem gás de cozinha, sem sabão na pia, sem ao menos três refeições ao dia, sem água potável, sem noção do que seria inclusão digital, mas esses problemas não afetam a todos, essas famílias eram invisíveis aos nossos olhos e voltarão a ocupar esse lugar se o Estado se manter omisso e austero.

Quando descobrimos que é o Estado e sua máquina que produzem esses vulneráveis começamos um processo de inquietude que movimenta. Tal movimento é fundamental para não naturalizarmos esse processo extremamente violento.

Apesar de estarmos mergulhados nessa crise sanitária, precisamos lembrar que estamos em ano de eleição. As mazelas sociais são usadas como objeto de campanha, os parasitas brotam a cada dois anos nas comunidades com um discurso eleitoreiro, transversal à segurança pública, ao emprego, à fome, à moradia, às ações de socorro social, à saúde e educação que tanto nos falta. Quando eleitos eles hibernam por mais dois anos.

Portanto, é de interesse desses políticos manter esse modus operandi, aprofundar a desigualdade para assim ter nas mãos uma massa desesperada, sem perspectiva, que aceita o que o Estado quiser oferecer.

Se para os políticos medíocres, promover a igualdade social seria como um suicídio, resta à sociedade civil organizada reivindicar seus direitos e condições de vida digna.

Sobre a Coluna

A coluna Brasilis é publicada sempre às quintas-feiras.
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Alexandre Pereira

Eu sou Alexandre Silva, natural de Alagoas, mas resido em Salvador – BA, terra que tem me dado “régua e compasso” para seguir firme e forte, na luta por uma sociedade mais igualitária. Ainda sobre mim, sou Graduando em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia, curso que me desafia a enfrentar as problemáticas de uma sociedade multifacetada, segregada por uma profunda desigualdade social. Nossos textos buscarão provocá-los a problematizar questões que afetam nossas vidas, mesmo que pensemos que não, tudo está interligado, tudo nos diz respeito, se assim não fosse não seriamos uma sociedade. Obrigado pela companhia e vamos problematizar!

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