Quase todo mundo já ouviu esse termo, mas é bem possível que qualquer pessoa tenha dificuldades em explicar didaticamente o que é a Mais-Valia. O trabalhador sente e sabe intimamente o que seja isso. Tem no inconsciente, como aquelas palavras de nosso dicionário que não sabemos explicar, embora saibamos o que ela significa.


O marxismo é conhecido por ser uma “coisa difícil”, ramo exclusivo de acadêmicos e especialistas. Mas mesmo esses, por muitas vezes escorregam em equívocos e rebuscamentos exagerados sobre as teorias de Karl Marx. O que a maioria das pessoas não sabe é que Marx não era um escritor difícil. Sim, sua teoria foi excessivamente elaborada, científica, dialética. Mas a leitura de seus livros, mesmo o temido “O Capital”, definitivamente não é uma coisa difícil.

Por isso, palestras e aulas são muito bem-vindas, mas estudar Marx diretamente em seus textos é indispensável para quem quer conhece-lo. Mais-Valia não é lucro nem tempo excedente de trabalho, capital não é dinheiro, valor não é valor de uso. Peguemos o livro, e vejamos na fonte, no original, que “cazzo” realmente é isso de Mais-Valia?

Marx estudou as (inicialmente duas) formas de circulação das mercadorias. Observou que uma delas, a circulação simples, tratava de trocar mercadoria por dinheiro e esse dinheiro por mercadoria, no ciclo M-D-M. Vender para comprar (comércio simples). Onde o pequeno comerciante, mercador ou pequeno proprietário leva sua mercadoria ao mercado, por exemplo, bananas, troca-a por dinheiro e depois troca esse dinheiro por outra mercadoria, por exemplo, arroz e feijão, como se ao final trocasse mercadoria por mercadoria. Assim, satisfaz sua necessidade quando consome o arroz e o feijão, encerrando esse ciclo. O ponto de partida e de chegada é a mercadoria.

A outra forma é a circulação do dinheiro como capital, onde o capitalista ainda em estado larval, troca dinheiro por mercadoria e depois a mercadoria por dinheiro, no ciclo D-M-D. Comprar para vender (especulação). Esse indivíduo troca o dinheiro por uma mercadoria (adiantando dinheiro na circulação, ao invés de entesourar), e depois troca essa mercadoria por dinheiro, trocando ao final, dinheiro por dinheiro. O ponto de partida e chegada é o dinheiro.

No primeiro caso, o mercador gasta o dinheiro e satisfaz sua necessidade, tendo o valor de uso como fim. Já o capitalista especula, lançando o dinheiro no mercado, em um ciclo interminável, não para a satisfação de necessidade, mas para valorizar o valor, tendo o valor de troca como fim. Repete desmedidamente esse movimento, pois, o lucro, imediatamente quando se realiza, torna-se capital e volta ao início do movimento, para se valorar, como e com o dinheiro inicial.

Mas, trocar dinheiro pelo mesmo valor em dinheiro é inútil e absurdo. Sendo assim, o problema é: “o possuidor de dinheiro tem de comprar a mercadoria pelo seu valor e, no entanto, no final do processo, retirar da circulação mais valor (olha aí o termo) do que ele nela lançara inicialmente”.

Sabendo que não existe vender uma mercadoria por um valor maior do que ela vale, ele teria de encontrar no mercado uma mágica, uma mercadoria cujo próprio consumo possui a característica peculiar de ser criação de valor. Essa mercadoria mágica é a capacidade, ou força de trabalho. Sim, força de trabalho é uma mercadoria.

E aqui vem a definição, pelo menos a primeira, do que é a tal Mais-Valia, ou o Mais-Valor.

Nesse caso, nosso capitalista troca dinheiro por couro, por exemplo, e utiliza a força de trabalho para transformar esse couro em botas. Ao final desse processo, valorizou o valor da aquisição do couro, pagou apenas um salário a quem transformou esse couro em botas, e ao final do processo obteve uma mercadoria (bota) com mais valor do que a inicial (couro), tornando aquele ciclo inútil D-M-D, na fórmula geral do capital: D-M-D´, onde D’=D+∆D. Esse incremento, ou excedente sobre o valor adicional (∆D), Marx chama de “Mais-Valor” (Surpus Value), ou “Mais-Valia”.

O valor originalmente adiantado se valoriza, e esse movimento o transforma em capital. É a valorização do valor.

“O possuidor de dinheiro se apresenta agora como capitalista, e o possuidor da força de trabalho, como seu trabalhador. O primeiro, ávido por negócios. O segundo, como alguém que trouxe sua própria pele ao mercado...”.

Ou seja, o trabalhador estará tão melhor quanto mais notar a ausência do capitalismo. E o capitalismo alimentasse justamente do trabalhador, não há capitalismo sem trabalhador. Uni-vos!

É produtivo para a sociedade que o trabalhador saiba além da prática, estude as redes do capital que o prendem e despelam. Diferindo-se assim, do novo modelo de negação da realidade e das opiniões sem embasamento. A luta de classes está também na conscientização dos trabalhadores.

Sobre a coluna

A coluna Tripalium (conheça: http://tripalium.com.br/) é publicada a cada 15 dias.
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Cauê Borges

Cauê estuda o mundo do trabalho, do ponto de vista do trabalhador, e as contradições da forma capitalista de produção. Foi operário no ABC Paulista, e cursou Economia na Fundação Santo André. Tem dois livros publicados, “Jean-Jacques Rousseau” – 2013 (Coleção Filosofinhos – Tomo Editorial), e “Contos de Trabalho, Capital e Cotidiano” – 2015 (Tripalium).

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