No domingo, dia 16 de fevereiro, a atriz Alessandra Negrini esteve no foco do debate político de parte da militância tida como “identitária” nas redes sociais. O motivo? Alessandra, madrinha do bloco Acadêmicos do Baixo Augusta, saiu fantasiada com roupa típica e pinturas corporais indígenas. Rapidamente a militância virtual tratou de cair em cima, acusando Alessandra de apropriação cultural, fazendo o famoso "cancelamento" como já vem se tornando habitual na frente progressista, principalmente em militâncias virtuais.

De fato, fazer uso de vestes típicas não só indígenas como vestes tradicionais de diversos povos como fantasia não é correto. Não apenas por apropriação cultural, mas também por objetificar um povo e uma cultura inteira apenas por entretenimento. Porém, o grande problema da militância virtual e dessa política de “cancelamento” que tomou conta das redes é que, principalmente, não se procura entender contextos ou mesmo entender motivações por trás de alguns atos.

O fato é que após o famoso “cancelamento” promovido contra Alessandra Negrini em rede social, veio à tona o contexto totalmente ignorado pelas redes. Associações Indígenas saíram em defesa da atriz, deixando claro que ela fez de seu corpo a tela para transmitir a mensagem dos povos indígenas que já vem sendo silenciados e perseguidos desde a chegada dos portugueses em terras americanas e tiveram um acirramento nessa perseguição com o advento do desgoverno Bolsonaro. Inclusive a pintura em seu corpo foi feita por uma legitima representante dos povos indígenas. Ao contrário do que a militância virtual afirmou, ela não estava se apropriando da cultura indígena. Mas sim usando seu corpo e sua visibilidade para dar voz ao povo indígena.

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A atriz Alessandra Negrini foi o mais recente alvo das "militâncias virtuais"

É um grande problema da esquerda na modernidade o linchamento virtual. É comum a caça ao tesouro por falas problemáticas de pessoas que atualmente estão militando no campo progressista. São mensagens e falas que datam, muitas vezes, de 10 anos atrás e alguns ramos da militância usam isso para massacrar e cancelar pessoas que hoje estão do nosso lado de alguma forma. Ignoram que o objetivo da militância é mais do que lacrar e apontar dedos. É ensinar e esperar que o outro absorva a mensagem e evolua. A grande maioria de nós nasceu num mundo em que ser machista, lgbtfóbico, racista e etc era completamente normal. Piadas e falas problemáticas eram normalizados há pouco tempo atrás. Até mesmo o mais descontruído ou empoderado dos militantes, no passado foi problemático ou reproduziu preconceito de alguma forma. Mas todo mudamos e evoluímos e aprendemos com nossos erros do passado.

Mas algumas vertentes da militância preferem apontar dedos. Não estão nem aí em ensinar ou buscar que o outro aprenda e evolua. Preferem apontar dedos, culpar por algo dito há muito tempo atrás e principalmente, enaltecer o próprio ego em busca da famigerada “lacrada”. O importante para a militância hoje em dia não é mais ocupar espaços. É levantar muros e ganhar curtidas. E enquanto fazemos isso, demarcamos o território e não permitimos que ele se expanda, o conservadorismo religioso vai fazendo o trabalho que deveria ser da militância progressita que cada vez mais vai se afogando no próprio mundinho, soterrado de likes, compartilhamentos e retuítes, que no fundo é tudo o que importa ao militante virtual. Afastamos cada vez mais as pessoas em nome de uma auto-proclamada "superioridade intelectual" e perdemos cada vez mais espaço político. Ou mudamos e voltamos a dialogar com as bases ou a esquerda tende à definhar em sua torre de marfim.


Sobre a coluna

De hoje a oito é uma coluna semanal sobre política que procura trazer em pauta assuntos referentes, principalmente, ao governo federal e acontecimentos nacionais, sem deixar de repercutir acontecimentos mundiais.
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Pedro Araujo

Advogado com pós em ciência política, sempre acompanhando o cenário político nacional e mundial.

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