Nada novo no front: livro-reportagem
com pretensões de abalar o (des)governo revela os bastidores das fugas do
ex-assessor de Flávio Bolsonaro
Quem leu diz que no livro-reportagem “Tormenta - O governo
Bolsonaro: crises, intrigas e segredos”, da jornalista Thaís Oyama, atualmente
redatora-chefe da revista Veja e comentarista na rádio Jovem Pan, há um trecho
em que a autora descreve como que se deu a estratégia, nada surpreendente, de
levar o caso de Fabrício Queiroz, investigado em âmbito estadual pelo
Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ), para o gabinete de algum ministro
do STF ou até mesmo ao plenário da Suprema Corte, valendo-se de uma espécie de
foro privilegiado antecipado do senador Flávio Bolsonaro (Sem Partido).
Segundo a jornalista, Bolsonaro teria escutado o conselho de
seu advogado pessoal, Frederick Wassef, e ordenado ao ex-assessor do senador
Flávio que não comparecesse às audiências marcadas pelos integrantes do MP-RJ
com o intuito de ouvir as explicações para as milionárias (e incompatíveis com
seus rendimentos) movimentações financeiras observadas pelo antigo Conselho de
Controle de Atividades Financeiras – COAF.
“O presidente eleito fora convencido por um advogado amigo
que a melhor estratégia para abafar a história era tirar Queiroz e o Ministério
Público Estadual do cenário e, por meio do foro privilegiado de Flávio, jogar o
caso para o STF – onde poderiam resolvê-lo ‘de outra maneira’”, consta de uma
das páginas do livro.
Em outras palavras, o presidente, que junto aos seus
simpatizantes diz ser a pessoa mais íntegra e honesta do País, e posiciona como
crítico à atuação dos ministros do STF, ordenou que seu amigo de longa data
aplicasse alguns “bolos” nos promotores até conseguir algo mais seguro no mesmo
STF, provavelmente por meio de interferência marota baseada em seu cargo (à
época presidente eleito prestes a tomar posse).
Para os propósitos de Bolsonaro, as fugas bem características
de Queiroz ainda nos dois últimos meses de 2018, quando veio à tona as obscuras
relações do clã com o “motorista”, obtiveram algumas vitórias, como da vez, em
janeiro de 2019, que o ministro Luiz Fux suspendeu as investigações, e, já no
segundo semestre do ano passado, com Gilmar Mendes, em uma liminar também
impedindo o avanço de todas as investigações contra Flávio até a votação, em
plenário, de ações que questionavam a constitucionalidade do uso em processos
investigativos de relatórios financeiros da hoje Unidade de Informações
Financeiras – UIF (substituto do COAF) e da Receita Federal.
A falta de esclarecimentos oficiais sobre o que de fato
Fabrício Queiroz representa para a família presidencial e o que fazia (ou faz)
para os seus membros é resultado das suspensões provocadas por integrantes do
STF, quando provados pela defesa de Flávio Bolsonaro com o objetivo de retardar
o aparecimento de explicações convincentes, e da equivocada estratégia do MP-RJ,
marcada por uma atuação pouco criteriosa, sem se ater ao cumprimento estrito de
suas funções (a exemplo do uso, sem autorização judicial, dos relatórios do
COAF, o que comprometeu, e muito, a investigação), e certa dubiedade nas declarações
e divulgação do andamento das ações (talvez porque os responsáveis por
investigar foram seus eleitores nas eleições de 2018).
O envolvimento do presidente Bolsonaro na condução da defesa
de seu filho Flávio, recomendando a participação dos ministros do STF como se
ali fosse um “refúgio” para políticos em situações comprometedoras, como,
contraditoriamente, é difundido por militantes do bolsonarismo aos opositores
do capitão da reserva, é compreensível e representa nada de “novo no front”.
Como não é possível apagar o passado, Bolsonaro não consegue
se desvencilhar do histórico como deputado federal com uma atuação inexpressiva
ao longo de quase 30 anos e caracterizada pelos vícios da vida pública, como a inclusão
de familiares em cargos de confiança; a orientação para que seus filhos também se
juntassem a ele visando alcançar suas respectivas independências financeiras
(isso mesmo, a base de dinheiro público); e a leitura patrimonialista de que as
instituições do Estado devem ser usadas ao sabor das suas vontades.
Sobre a coluna
Da Prática Política é uma coluna semanal, publicada todas as
quartas-feiras, sobre os assuntos do cotidiano político do Brasil.
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