A discussão em torno
do Polo Petroquímico de Capuava, em Mauá, na Grande SP, envolve atores que se
desconhecem; moradores e pesquisadores não recebem apoio das empresas, que
criaram comitê para intermediação que ninguém sabe, ninguém viu
A atuação das empresas – ou falta dela – vai de encontro ao
que sugere Priscila Bolcchi, engenheira ambiental e consultora da Infocus
Ambiental. A engenheira diz que “se as
empresas abrirem mais suas atividades para a comunidade e investir em
tecnologia, acompanhado de uma política ou programa estadual para redução dos
poluentes emitidos” seria um bom início para que se mantenha, convivendo
juntos, o Polo, com seus interesses, os moradores, sem que tenham suas vidas
atingidas, e o meio ambiente da região, evitando-se os danos.
Em agosto do ano passado a então presidência da Câmara
Municipal protocolou um ofício em que solicitava à CETESB informações sobre a
política de controle da poluição nos bairros da região do Polo. Três meses
depois, em novembro, o órgão respondeu que todas as empresas do complexo se
encontram devidamente licenciadas e que “possuem os devidos sistemas de
controle de poluentes instalados”. Ainda no documento, a companhia lembra que
os seus agentes realizaram ao menos 13 inspeções técnicas nas dependências das
empresas nos últimos seis meses, efetuando apenas uma autuação.
De um lado, poluição do ar, do solo e dos rios próximos. Do
outro, desenvolvimento econômico regional, com reflexo direto na geração de
emprego. No meio, moradores encurralados em uma área densamente urbanizada e à
mercê de doenças, como, por exemplo, o hipertireoidismo. Esta é a situação
posta nos limites entre as cidades de São Paulo, capital do estado de São Paulo,
Mauá e Santo André, municípios da conhecida Grande SP, onde está instalado
desde 1972 o Polo Petroquímico de Capuava, primeiro complexo de empresas do
ramo de derivados de petróleo do Brasil.
Ainda que em 1954 a Petrobrás, petrolífera estatal fundada em 1953, tenha instalado uma refinaria no Parque Capuava, bairro de Mauá onde fica parte do Polo e que dá seu nome, a ideia de estabelecer naquela região um espaço para reunir empresas da cadeia produtiva do setor petroquímico só foi colocada em prática no início dos anos 1970. Atualmente o Polo conta com 14 companhias que, juntas, atendem aos diversos segmentos de mercado a partir do fornecimento de subsídios para a produção no ramo de plásticos e borrachas, passando pelo de tintas e vernizes, ao de higiene e limpeza.
Ainda que em 1954 a Petrobrás, petrolífera estatal fundada em 1953, tenha instalado uma refinaria no Parque Capuava, bairro de Mauá onde fica parte do Polo e que dá seu nome, a ideia de estabelecer naquela região um espaço para reunir empresas da cadeia produtiva do setor petroquímico só foi colocada em prática no início dos anos 1970. Atualmente o Polo conta com 14 companhias que, juntas, atendem aos diversos segmentos de mercado a partir do fornecimento de subsídios para a produção no ramo de plásticos e borrachas, passando pelo de tintas e vernizes, ao de higiene e limpeza.
Em levantamento divulgado no ano de 2014 pela consultoria
MaxiQuim, a indústria química brasileira obteve faturamento líquido de 361,7
bilhões de reais em 2013. Do total, 13,7% correspondia às atividades da
indústria do ramo no ABC, região da qual faz parte o Polo, que, sozinho, ainda
segundo o estudo, faturou 8,6 bilhões de reais em 2014, sendo 2,2 bilhões de
reais destinados ao Valor Adicional Fiscal – VAF, índice contábil que mede a
participação dos municípios no repasse de tributos como o Imposto sobre
Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS e o Imposto sobre Produtos
Industrializados – IPI, de cidades como Mauá. O relatório ainda dava conta da
existência de 10 mil empregos diretos e indiretamente vinculados ao Polo.
O número de 14 empresas instaladas no complexo retrata as
características da indústria petroquímica e a divisão de sua cadeia produtiva
em produtos petroquímicos básicos, produtos intermediários e produtos finais
petroquímicos. A finalidade é uma só: produzir matérias-primas para a indústria
de transformação. Um exemplo é a família “Poli” – polipropileno, polietileno,
poliestireno –, usada em copos descartáveis, placas de isopor, entre outras
manufaturas.
Usado na limpeza de alguns tipos de vidros e componentes
eletrônicos, o Álcool Isopropílico foi o primeiro produto fabricado a partir de
conceitos da petroquímica, em meados dos anos 1920, em uma refinaria
norte-americana. Desde então, o funcionamento da petroquímica e seus danos ao
meio ambiente e à saúde humana demanda certo conhecimento técnico, o que, ainda
hoje, se estende apenas aos seus colaboradores internos, sem alcançar a
população vizinha de complexos como o de Capuava.
Tireoidite Crônica
Autoimune
Maria Angela Zaccarelli Marino, doutora em Endocrinologia
pela Universidade de São Paulo – USP e professora da Faculdade de Medicina do
ABC, ao longo dos últimos 30 anos se debruça sobre exames clínicos e
laboratoriais de moradores próximos ao Polo Petroquímico de Capuava. Tudo
começou quando, em 1989, atendeu em seu consultório, em Santo André, um homem
morador da região diagnosticado com Tireoide de Hashimoto, problema causado
pelas chamadas células plasmáticas que produzem anticorpos capazes de danificar
a glândula da tireoide.
O distúrbio, que leva ao hipertireoidismo, doença que pode
apresentar sintomas graves como o retardo no crescimento biológico e de
aprendizagem, à época era raro em homens e crianças, o que levantou a
curiosidade de Marino. Em 2004, portanto 15 anos depois, a médica
endocrinologista deu por encerrado parte de um estudo que ao final envolveu
6.306 pacientes, divididos em dois grupos, de modo que o um, com 3.356
pacientes, era constituído exclusivamente por residentes do entorno do Polo
(vizinhos) e o outro, de 2.950 pacientes, tivesse apenas de pessoas que moravam
cerca de 9 km de distância da primeira região e sem indústrias petroquímicas
(vizinhos distantes).
Os resultados de tal investigação foram divulgados em 2012
no Journal of Clinical Immunology,
renomada publicação do meio científico. No artigo, a doutora afirma que 905
pacientes do grupo de vizinhos (26,9%) foram diagnosticados com Tireoidite
Crônica Autoimune, enquanto no grupo de vizinhos distantes apenas 173 pessoas (5,1%)
tiveram diagnósticos positivos. “O Hipertireoidismo Primário é a doença mais
prevalente da tireoide, está aumentando muito nos últimos anos e a poluição do
ar poderia ser uma de suas causas, já que encontramos entre os moradores
próximos ao Polo Petroquímico de Capuava um número elevado de casos, o que
aumenta o risco de doenças na própria tireoide”, comenta a especialista,
lembrando que o seu estudo foi confirmado pelo Centro de Vigilância Epidemiológica
da secretaria de Saúde do Estado que, em 2012, seguindo a mesma metodologia de
grupos usada por Marino, também encontrou diferença considerável no número de
casos da doença em vizinhos do Polo e moradores mais afastados.
Em um ranking de doenças causadas pela poluição do ar nos
arredores do Polo, é verdade que o hipertireoidismo ocuparia o primeiro lugar
com o status de ser a mais grave, muito por causa de seus sintomas quase
imperceptíveis, mas está longe de ser a única. Rosa Alves Tamborim, vizinha das
indústrias do Polo há cerca de oito anos, diz que tem alergia ao pó preto expelido
pelas empresas e passa constantemente por problemas respiratórios, isso, sem receber
qualquer acompanhamento dos profissionais de saúde pública da região e dos
representantes das corporações. “Nunca vieram aqui saber como estamos nos
sentindo”, disse à equipe de Reta
Final, que conversou ainda com Adriano Augusto Tamborim, filho de Rosa, bartender
e cozinheiro. O jovem afirmou que “nunca ouviu falar” do Comitê de Fomento
Industrial do Polo do Grande ABC – COFIP ABC, entidade criada em 2015 por
iniciativa das empresas para realizar a intermediação entre o complexo
petroquímico e os moradores.
Comitê para
“intermediação” = falta de apoio
O COFIP-ABC instalou em 2017 o que chama de Conselho
Comunitário Consultivo – CCC, com “o objetivo de fortalecer esse
relacionamento, proporcionando mais autonomia à comunidade e melhorando a
comunicação sobre questões relacionadas à saúde, segurança e meio ambiente”,
escreve em seu site oficial. O CCC, por sua vez, seria “formado por
representantes da comunidade do entorno do Polo”, diz o site.
Em tese, desde a criação do COFIP-ABC, o organismo seria o
responsável pelos simulados de evacuação da área em cenários, por exemplo, de
vazamento de gás. A reportagem entrou em contato com o COFIP-ABC, para entender
melhor o funcionamento da iniciativa e questionar por que todos os moradores
entrevistados por Reta Final
desconhecem o projeto, mas não obteve resposta antes de o fechamento do texto.
A ausência de intermediação e apoio, financeiro e
instrutivo, por parte das empresas não é sentida apenas pelos moradores. A
pesquisa da doutora Maria Angela também não contou com as indústrias. “Recebi somente o apoio do promotor de
justiça do Meio Ambiente de Santo André, Dr. José Luiz Saikali, e do Ministério
Público do Estado. Nunca perguntaram a respeito dos trabalhos realizados por
nós”, reforça. O MP-SP abriu um
inquérito civil para investigar se as empresas estão descumprindo normas
ambientais.
Entrada e saída de caminhões de transporte da Brasken, no Parque Capuava; foto: Valter Silva |
Na contramão dos resultados dos estudos, Antônio Lucas,
morador do Parque Capuava há mais de 45 anos e dono de um bar na região,
garante nunca ter sentido qualquer mal estar decorrente da exposição à poluição
do ar. Ainda assim, o Polo o deixa desassossegado. “Às vezes acontecem alguma séria aí [no Polo], mas eles abafam”, comenta, citando como exemplos explosões,
vazamentos de gás e problemas com uma das caldeiras.
Numa rotina em que é item obrigatório varrer o ambiente
diariamente e lavá-lo ao menos duas vezes por semana, Lucas reclama da poeira
preta e denuncia que a petroquímica Brasken, antiga Petroquímica União S/A, aproveita
a madrugada para emitir seus poluentes na atmosfera. “Em períodos de chuva eles soltam muita fumaça no ar e, à noite e na
madrugada, aproveitam do horário para soltar pelas chaminés os resíduos que não
são úteis”, conclui.
Na mesma linha, Neide do Carmo e Silva, dona de casa e vizinha
de frente do Polo há 40 anos, diz que não é muito frequente as vezes em que
sente os efeitos de morar próximo a uma petroquímica. “Antigamente tinha um cheiro ruim. Ao longo dos anos melhorou bastante”,
reconhece Silva.
“Devidos sistemas de
controle de poluentes instalados”
Segundo Bolcchi, engenheira ambiental, o que poderia
explicar o aperfeiçoamento das técnicas por parte das empresas nos últimos anos
é a exigência para que suas atividades estejam devidamente licenciadas pelo
órgão ambiental fiscalizador, a Companhia Ambiental do Estado de São Paulo –
CETESB. “Durante o processo de
licenciamento ambiental é verificado todos os tipos de impacto ambiental que a
atividade pode causar e solicitado ao empreendedor que tome as medidas
necessárias para atender aos limites estabelecidos na legislação”, descreve.
“Não são as empresas
que definem se irão ou não utilizar um Equipamento de Controle de Poluição – ECP.
A CETESB irá cobrar a melhor tecnologia aplicável e verificará por meio de
medições a eficiência do equipamento”, reforça Bolcchi, dizendo ainda que a
instalação de filtros nas chaminés e flares,
como sugerido por moradores da região, pode sim limitar o fluxo de emissão de
poluentes, mas não o impede. “Ter limites
de emissão não significa emissão zero”, avalia a engenheira.
Flare aceso; foto: Valter Silva |
A poluição proveniente de polos petroquímicos não se
restringe apenas a do ar. Além da emissão de efluente gasoso, que é a poluição
do ar, há ainda o lançamento do efluente líquido, a poluição hídrica, e a
contaminação do solo, quando de derramamento ou infiltração de produtos
químicos.
“Penso que para
qualquer situação, seja um polo petroquímico ou não, sempre é necessário
verificar qual a melhor tecnologia disponível”, finaliza Bolcchi.
“A saúde é um bem
inquestionável. Sendo assim, poderia haver entendimento mútuo, entre saúde e
indústria”, comenta a doutora Maria Angela, que diz ainda não ser “contra o desenvolvimento industrial, desde
com atenção às questões de saúde. Acredito ser muito mais econômico ser ético e
atender ao básico direito do cidadão à saúde”.
Com a palavra
A equipe de Reta
Final entrou em contato com as secretarias municipais de Saúde de São Paulo
e Mauá, e de Meio Ambiente da prefeitura de Mauá, solicitando posicionamento
das respectivas pastas quanto à aparente falta de iniciativas específicas para
o atendimento dos moradores vizinhos do Polo Petroquímico de Capuava. Não houve
resposta até o fechamento desta reportagem.
Produzido por Reta Final, grupo acadêmico integrado por:
Adriano Garcia – Jornalista (reportagem de campo)
Claudio Porto – Jornalista (texto)
Gervásio Henrique – Jornalista
Júlia Sanchez – Jornalista
Renan Salles – Jornalista
Valter Silva – Jornalista (reportagem de campo e fotos)
Victor Ricardo – Jornalista
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