A tinta espessa da nebulosidade e falta de transparência tatua o pós-denúncia na política.
  

O velho e grande mineiro, de Itabira, Carlos Drummond de Andrade, ainda na década de 1930, dedicou a outro grande brasileiro, Manuel Bandeira, a “Política Literária”. Drummond metaforiza em duas estrofes e cinco versos as esferas políticas de um regime republicano com o “poeta municipal”, “poeta estadual” e “poeta federal”. O autor ironiza as discussões entre esferas menores, municipal e estadual, enquanto o “poeta federal tira ouro do nariz”. Quase um século depois (87 anos), o Estado brasileiro segue protagonizando birras interestaduais, mesmo sendo seu presidente um sujeito altruísta quanto aos desejos da classe política e empresarial. A mesma subliminarmente enredada na obra de Drummond. 
 
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)

No último período de 365 dias, o “desgoverno” tomado, para alguns por assalto, trata a política como organismo imutável, irredutível e que, em hipótese alguma, pode-se alterar, mesmo o planeta não sendo mais aquele de guerra constante como no século de Drummond.  O presidente da República, Michel Temer, que já cometeu atos falhos por mais “cruzeiros”, não tem se privado em dar mostra que o 20 da geração X, sob sua tutela, não será esquecido. O pragmatismo político em construir engrenagens que alimentem a troca de cargos e favores, como nos mais espúrios tempos da política nacional, hoje volta a ser escancarado e a luz do dia. No caso mais recente, o primeiro presidente da República denunciado por ter cometido um crime do código penal, no caso corrupção passiva, se safou de uma possível investigação e juízo da maneira mais imoral, mesmo que legítima, após distribuir benesses e emendas parlamentares que garantiram o arquivamento da denúncia até o término do mandato. O presidente atropelou a vontade popular e alterou todo contexto para que seu desejo, de conduzir o êxodo pela sua ponte, se encaixasse no jogo político. Encaixou e Temer, sem pressão genuinamente popular, já mandou o recado de que “é hora de atravessarmos juntos a ponte para o grande futuro que o Brasil merece”.  
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)


Para Temer, o futuro se resume a manutenção de privilégios, como a intocável liturgia que envolve o Estado enquanto governo, sobre o jugo do povo, integrante do tríplice pilar do Estado soberano (Território, Povo e Governo).  A equação é fácil e foi explicada por Drummond em 1930. O “poeta federal tira ouro do nariz” somente, e tão somente, quando o povo se cala, some, se mostra inerte, tal qual um animal ferido ou fera ferida, de Bethânia, que desiste e diz “Não vou mudar/ Esse caso não tem solução/ Sou fera ferida/ No corpo, na alma e no coração”.  O presidente, entre muitas coisas, ganhou isso de presente. E ele não precisou “comprar” ou distribuir, nem mesmo, sorrisinhos por aí em troca de um povo calado.


O presidente rejeitado em todas as pesquisas avaliação é quem manda e desmanda. Ele, que se cerca de tatuados em sua homenagem, já prometeu seguir impondo reformas, agora na Previdência Social e tributária, e alertou que, o antigo xodó verde e amarelo, a operação Lava Jato, “terá o rumo certo” com a chegada de Rachel Dodge, escolhida por ele para assumir o posto de procuradora-geral da República, assim que o atual procurador-geral Rodrigo Janot sair no dia 16 de setembro próximo. 


O momento de se “estancara sangria” passou por uma “suruba” e desembocou, agora, em um lamaçal incompreensível para a opinião pública que, aparentemente, não se sensibilizou com esta incompreensão. Hoje aceitam-se tudo, inclusive soldados revistando passageiros no transporte público fluminense, quando as fronteiras seguem de portas abertas para o tráfico de drogas e armas, o mesmo problema “combatido”  com “inteligência” pelo serviço unificado de segurança vendido pelo presidente.    


Se a ortodoxia deísta garante que o “futuro a Deus pertence”, o nosso, por ordem do “tinhoso”, foi entregue a sua versão brasileira, o da “caravana”. 

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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