Olá, prezados!

 

Lá vamos nós de novo para aquela nossa viagem louca pelas principais notícias jurídicas (e não menos ensandecidas) do nosso país. Mais uma vez a temática de nosso papo por aqui resta evidente, do tipo "só se fala noutra cousa", então, vamos em frente.


O juiz Moro foi julgado parcial. O que isso significa e o que temos a dizer quanto ao julgamento?

Pois bem... inicialmente a parte técnica: o julgamento de ontem, 23/3, foi proferido em processo relativo ao ex-presidente Lula. Moro não era réu. A sua suspeição foi arguida no intuito de determinar (apenas e tão somente) a nulidade do processo, recuperando os direitos civis e políticos do ex comandante mor da república brasileira. Lula foi inocentado ontem? Nem sim, nem não, muito antes pelo contrário! A inocência, meus caros amigos, é a regra em nosso sistema. Assim, se nada houver em contrário (e esse nada tem de ser uma sentença penal condenatória transitada em julgado, segundo termos de nossa vigente Constituição) a pessoa é considerada inocente. Neste sentido, a anulação do processo não determina, propriamente, a inocência do réu. Quem o faz é a Carta Magna! De toda forma, e para efeitos práticos, sim: Lula recupera (como já houvera recuperado desde a última decisão do ministro Fachin) o seu status de "inocente até que se prove em contrário".

De toda sorte, vale questionar: temos somente a comemorar ou alguma coisa pode ser dita de ruim neste instante já suficientemente caótico em que vivemos?



Pois bem... comecemos pelo seguinte: por um lado, é princípio basilar dos sistemas jurídicos contemporâneos que o juiz seja imparcial. É direito reconhecido de todo e qualquer cidadão o julgamento através de um tribunal plenamente isento. Por outro, a questão da suspeição do juiz Moro é do tipo clarividente, mais especificamente da modalidade "só não vê quem não quer". Dito isso, o que temos é o seguinte: se não reconhecida, estaríamos a fazer ruir todo o sistema pelo qual até então vivemos e lutamos para se manter íntegro, pois, deve-se dizer: onde não há julgamentos imparciais, não há, verdadeiramente, Direito.


"DeMOROu". Tardou. Falhou, mas veio a Justiça e com ela o reconhecimento do óbvio e "uLULAnte", se me permitem o trocardalho. Como no mito do imperador que vai à festa nu - porque, engambelado pelos alfaiates, pensa vestir trajes que somente os inteligentes veem - a democracia brasileira esteve nua enquanto MP e Juiz tramavam golpe político em prol de projeto de enriquecimento pessoal e entrega do país ao estrangeiro e ao capital especulativo. No dia de ontem, uma criança, com toda a verdade esperável de quem ainda não se submete aos constrangimentos (ilegais) da vida adulta, disse o que tinha de ser dito: o imperador (juiz) está nu! Era o que tinha de ser dito. O juiz Moro foi parcial. Isso todos já sabíamos. O que faltava mesmo era anunciarem. Trazer à luz do dia. E isso foi feito. Nada a declarar e nada de novo neste "front". Como já dito, a nudez do imperador/juiz nu era notável. O que se esperava é que alguém assim o dissesse, com repercussão geral. O que me chama a atenção é o seguinte: o óbvio mais uma vez foi dito em placar apertado: 3 x 2.

Obs.: Vamos virar esse placar aqui no texto, mas, por enquanto, ficamos assim.



Dos que declararam o óbvio, igualmente, nada a declarar. Fizeram apenas o que se esperava de alguém em seu juízo perfeito, mas... e os demais? Nomeadamente, deixaram de reconhecer o óbvio, o recém empossado Ministro Kássio (Conká?) e o Fachin (aquele do "Aha, Uhul!, o Fachin é nosso!", para parafrasear Deltan, o menino prodígio). Sobre os votos de cada um, gostaria de fixar um olhar mais atento:

Kássio argumentou contra um espantalho ao atacar, a todo instante, em sua decisão, as ditas "provas ilícitas" obtidas pelo Jornal The Intercept. Detalhe: as conversas vazadas não instruíram o aludido processo! Simplesmente não faziam parte do mesmo! É ataque ao espantalho justamente por isso: criou um argumento falso (espantalho) e o atacou, para (falsamente) dar por vencida a tese contrária - a suspeição do Moro. Mas Conká (o Kássio) vai adiante: arguiu, ainda, pela ampla defesa a ser concedida ao.......juiz!!! Indubio pro iudex(juiz)?? Oi??! Detalhe/obviedade-que-precisa-ser-dita 2: pasmem, mas o juiz não estava sendo julgado! O julgamento é do Lula! A arguição de parcialidade se dá tão somente para fins de julgar se o PROCESSO (contra o Lula!) é nulo. Isso e nada mais. Sendo ela constatada, não há pena ao juiz. E se não há, não deve haver que se falar em defesa... do juiz! Risível, não fosse o caso de ser decisão de um representante da mais alta corte de nosso país. De toda sorte, vale dizer: não tendo ido direto ao ponto (que é obrigação sua), decidiu de maneira objetivamente equivocada. Seu voto é nulo por simplesmente não enfrentar o mérito. É como se, num processo criminal, o juiz decidisse com uma receita de bolo, ao invés de condenar ou inocentar o réu.


Voto contra-o-óbvio 2: Ministro Fachin

Se Conká (o ministro) fez o que fez - sem provas , claro, mas - com convicção, Fachin foi mais tímido. Em bom português, "fez que foi, mas não foi, e acabou fondo!" Drible da vaca hermenêutico. Novo ornitorrinco jurídico! Diferente de seu par(ia), V. Exa. não apelou à legitima defesa do juiz(??????). Apelou, antes, à necessidade de processo próprio para julgar.... a parcialidade... de juiz... no processo em questão... (????)


Minuto de silêncio a todos os penalistas e constitucionalistas sérios deste país. Todos eles (nós) morreram um pouco por dentro ao ouvir isso, certamente. Veja bem o que restou dito: pra julgar a parcialidade de um juiz em determinado processo, haveria que se mover processo próprio para julgá-la? E o processo onde ela ocorreu, não seria, justamente, este processo? Onde se julga a parcialidade processual de um juiz senão no processo onde ele foi, justamente, parcial? Disse, o ministro, que repudia os contatos havidos entre MP e Juiz. Que tal atitude é anti democrática e anti republicana, mas...................... que isso merecia processo próprio para ser apreciado (?????)

Entendo a confusão (que um leigo possa fazer. Não o Ministro): parece querer dizer que o julgamento do crime de utilização da máquina pública para fins políticos e particulares, no exercício de cargo ou função pública, é crime (do juiz Moro) a ser apurado em processo criminal próprio, onde reste instaurado o contraditório e a ampla defesa (com julgamento imparcial, veja só!). Corretíssimo. E acho que tem de ser instaurado processo criminal contra o juizeco de Maringá mesmo. Mas............................... pura e simplesmente: não era propriamente este o objeto que estava sendo discutido. Explico: a pergunta a ser respondida pelos Ministros era "o juiz foi parcial? Se sim, então o processo contra o Lula é nulo?" e não "o juiz Moro foi parcial? Se sim, pena de X anos pelo crime de prevaricação (ou seja lá qual for o tipo penal a que se enquadre os atos praticados pelo ex-juiz)". Assim sendo, responder algo do tipo "esta decisão precisa de processo próprio" é uma fuga ao tema, coisa que aprendemos ser equivocada desde os tempos de pré-vestibular, ao estudar para a redação.

E aqui vale novamente lembrar: aos juízes é vedado não decidir desde o código napoleônico de 1804, consagrado no princípio jurídico do "non liquet". Pois se o ministro foi provocado a dizer se o juiz de primeiro grau foi ou não parcial neste ou naquele processo, então tem de, neste ou naquele processo, se manifestar, justamente, sobre a arguida parcialidade do magistrado a quo! Não tem escapatória - ou, se tem, ela é nula! Simples assim!



Tendo desviado do assunto, é como se não houvesse decidido. Neste sentido, reforço: não foram 3 votos a 2. Foram 3 votos contra NAD(eg)A(s)!


Foram 3 votos contra duas receitas de bolo. O bolo fecal em que a teoria (e prática) jurídica brasileira está inserida. É o velho lance do juiz que decide como quer, segundo suas próprias convicções.


Grave erro contra tudo que há de mais caro ao nosso sistema jurídico e eu explico o porquê. Desde a revolução francesa, luta-se contra o uso arbitrário de poder. Assim, naquele tempo determinou-se que aos juízes era simplesmente vedado interpretar, sendo-lhes obrigatório, ao revés, apenas aplicar, mecanicamente, os textos normativos. Com o tempo isso se mostrou insuficiente à sanar todos os problemas de uma sociedade em crescimento, sobretudo com as revoluções industriais em ascensão. Somando-se a isso as grandes guerras, especialmente a Segunda, restou que aos juízes não apenas fora concedida (pela famigerada fórmula de Radbruch - não confundir com Radcliffe, ator de Harry Potter) maior liberdade interpretativa para determinar os sentidos dos textos jurídico-normativos, como também a eles, principalmente na Alemanha, restou reconhecido o poder/dever de ultrapassar as competências do legislativo toda vez que as normas editadas pelo mesmo demonstrassem-se demasiado injustas.


Pois no Brasil isso serviu não para refrear um legislativo/executivo despótico, mas, ao revés, para desenvolver verdadeira "judiciariocracia", onde, na prática, os juízes, sobretudo os da suprema corte, decidem como querem e este é o Direito, não obstante haja expressa positivação em sentido contrário. Veja-se a inversão de valores e total contrassenso que isso representa: para enfrentar o despotismo do legislativo, concedemos poder ilimitado aos... juízes? Algo do tipo... "se ficar o bicho come, se correr o bicho pega"? Bem... não é disso que tratam as Cartas Constitucionais dos sistemas jurídicos contemporâneos. Aqui, como em boa parte do mundo, fala-se em separação dos poderes. Garantias constitucionais. Onde ninguém pode tudo e o todo vem das partes. Os meios justificam os fins, e não o contrário. O direito é pelo povo e para o povo, nos limites da Constituição. Pois se assim o é, e se - relembrando - o próprio STF é cria desta Carta que, justamente, impede que seus ministros façam o que bem entendem, então, deve-se dizer: estamos com problemas! Algo do gênero: os controladores controlam as pessoas, mas quem controla o controlador? Quem julga os juízes? O STF. E quem julga o STF? Tenho uma opinião/sugestão: o povo! Não a massa acrítica dos que se deixam levar pelos discursos midiáticos e terminam com ataques espalhafatosos e pouco efetivos, mas a camada daqueles que, conhecedores do que aqui explicito, ou gritam em alto e bom som que o imperador está nu, ou calam e dele se tornam cúmplices.


Os campos de futebol (e de batalhas) hoje estão sem "torcidas" em razão da pandemia, mas isso não pode nos impedir de gritar. Nosso time, a Democracia e o Estado de Direito, ganhou ontem, e foi de 3 x 0, não de 3 x 2. Ganhamos foi de W.O. do fascismo e da arbitrariedade. Não por outra razão, merecemos, mais do que nunca, bradar o vexame do time contrário e, por fim, (por que não?) pedir música - e retratação da mídia golpista - no fantástico!


A todos, uma boa, imparcial e democrática semana!

Se puder, fique em casa!

Abraços constitucionais e até a próxima!

Sobre a coluna

A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
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Guilherme Azevedo

Advogado e Filósofo, graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Mestre em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI) com dupla titulação em Estudos Políticos pela Universidad de Caldas/Colômbia.

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