Eu sou um fã de rap, me recordo de escutar esse estilo musical desde que tinha uns 9 anos de idade. Existia um canal de clipes e seu gênero principal era Rap. Tocava diversos artistas do gênero, normalmente norte-americanos e com um grande apelo mainstream, mas essa foi minha introdução nesse mundo que se faz presente em minha vida até hoje.


Como meu primeiro contato foi com o Rap estadunidense eu presenciei o estouro de uma geração por volta do ano de 2004, haviam as músicas de 50 cent, Eminem, Akon, Ja Rule, Jay-Z e outros que dominavam essa geração com letras em sua maioria voltadas para um realidade distante da minha de brasileiro, porém era encantador e ao mesmo tempo me fazia querer ser igual aqueles caras, com grandes carros, tênis de marca e roupas que faziam todos admira-los, era um desejo material, porém ainda assim era algo que me fazia admirar os artistas.

Ao longo dos anos eu fui mudando meu direcionamento de consumo de rap. Comecei a escutar os brasileiros, Racionais MC´S para ser mais exato foi e ainda é o que mais escuto. Existe um trecho da música “Vida Loka parte 1” que me incentivava bastante em minha pré-adolecencia e momentos difíceis. Segue o trecho: 

“Ei irmão nunca se esqueça, na guarda, guerreiro
Levanta a cabeça truta, onde estiver seja lá como for
Tenha fé porque até no lixão nasce flor.”

“Até no lixão nasce flor” essa frase forte, mas que faz refletir muito sobre não apenas a desigualdade social no Brasil, como também sobre ser possível vencer até mesmo nas mais difíceis situações. Eu me encontrava ouvido essa música e pensava que sim, era possível vencer.

Outras músicas foram fazendo parte da minha vida, as que mais admirava era as chamadas de “Rap de mensagem”, o termo que se popularizou nos últimos anos, com um estilo de protesto, não apenas contra políticos ou a corrupção e hipocrisia da sociedade, mas principalmente sobre um problema muito presente no país, o racismo. A letra de "Capítulo 4, versículo 3" dos Racionais apresenta dados que chocam aqueles que a interpretam. 

“60% dos jovens de periferia
Sem antecedentes criminais
Já sofreram violência policial 

A cada quatro pessoas mortas pela polícia, três são negras
Nas universidades brasileiras
Apenas 2% dos alunos são negros
A cada quatro horas um jovem negro morre violentamente em São Paulo
Aqui quem fala é Primo Preto mais um sobrevivente”

Fonte: Divulgação Racionais MC´S

Detalhe que o trecho acima é de uma música lançada em 1997, porém continua Atual. Mas não apenas no Brasil isso permanece atual, a música de Tupac Shakur, Changes, reflete até hoje sobre um sério problema. Segue o trecho com o início da música:


I see no changes wake up in the morning and I ask myself
Is life worth living should I blast myself?
I'm tired of bein' poor and even worse I'm black
My stomach hurts so I'm lookin' for a purse to snatch
Cops give a damn about a negro
Pull the trigger kill a nigga he's a hero


A tradução seria assim:

Eu não vejo mudanças. Acordo de manhã e

Me pergunto

Vale a pena viver a vida? Eu devo atirar em mim mesmo?

Eu estou cansado de ser pobre e até pior, eu sou negro

Meu estômago dói, então eu procuro uma bolsa para

Roubar

Os tiras dão a mínima para um negro? Puxam o gatilho

Mata um negro, ele é um herói 

Vendo o que temos em 2020, percebemos que Tupac tinha razão, nada mudou. Esses são apenas exemplos de músicas que comunicam não apenas uma arte, mas uma realidade. São problemas e dores expressados através delas. 

Eu sou um homem branco, não passo por problemas que trouxe nos exemplos. A polícia não me para e não sinto repressão do Estado contra mim. Mas é meu dever como uma pessoa privilegiada reconhecer meu privilégio e usar ele para combater qualquer tipo de racismo. O rap foi um dos principais meios de conscientização para mim, com ele escutei novas realidades e vi que ia além dos carros e festas de 2004, esse estilo dá voz para quem muitas vezes é silenciado. 

O funk aqui no Brasil muitas vezes também mostra uma voz e um povo que tentam excluir da nossa identidade brasileira. Falar que é uma música sem conteúdo é não entender o lugar do outro, o estilo da música do Funk muitas vezes mostra, assim como Rap que pessoas que a sociedade marginaliza também amam, se divertem e apresentam dores em relação a sua realidade, algo que a classe média e a classe alta tenta desumanizar. 

O Rap e o Funk são estilos que eu escuto, principalmente os nacionais. Eu gosto não apenas do ritmo, mas também do poder de comunicação que esses dois estilos dão para pessoas que muitas vezes testemunham suas exclusões em letras. 

Acredito que devemos abraçar nossa cultura, nossos artistas e principalmente entender o que eles falam. Não são apenas letras, são relatos de amor, de dor e principalmente de protestos contra uma sociedade que luta em exclui-los. 

A frase que acredito que reforça esse sentimento foi dita pela escritora mineira Conceição Evaristo:
  
"Eles combinaram de nos matar. E nós combinamos de não morrer."

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Sobre a Coluna

A coluna O Mundo é um Museu é publicada sempre às sextas-feiras.
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Pablo Barbosa de Oliveira

Sou Museólogo e Escritor. Escrevo sobre cultura na Revista Pauta e no Portal Jovens Cronistas. Criador do Museu de Instagram do IAPI. Fã de Fantasia e Sci-fi.

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