Nesta coluna que se chama “Muros ou Horizontes”, eu, Manoel Rodrigues, tratarei de assuntos que se apresentam em nosso cotidiano, como política e mundo do trabalho, com o intuito de refletir de forma crítica acontecimentos relevantes no contexto que vivemos.


Estes acontecimentos são entendidos e disputados por perspectivas diversas e distintas, por isso “Horizontes” (possibilidades de entendimentos: ideologias), e as barreiras que se configuram, sejam elas materiais ou simbólicas, que refletem no tecido social, criando, assim, “Muros”.

Em primeiro lugar, gostaria de agradecer ao amigo Ulisses Santos, que me apresentou os Jovens Cronistas e também apresentou-me ao grupo. Agradecer, também, ao Cláudio Porto, pela confiança e disponibilidade, e a todo o grupo de profissionais que faz um trabalho que traz informação de qualidade, propiciando uma maior compreensão de nosso atual contexto político e social.

Como primeira coluna, ou reflexão, trago um assunto que se universalizou nos últimos meses: a pandemia por coronavírus. Sendo mais pontual, o que trata as novas possibilidades de convivência, que muitos estão chamando de o “novo normal”.

“Platão, em sua luta contra os sofistas, descobriu que a ‘arte universal de encantar o espírito com argumentos’ (Fredo, 261) nada tinha a ver com a verdade, mas só visava à conquista de opiniões, que são mutáveis por sua própria natureza e válidas somente ‘na hora do acordo e enquanto dure o acordo’ (Teeteto, 172b)” (Hannah Arendt).1

Sempre que ouço ou leio sobre, pergunto-me o que seria esse “novo normal”? E também indago: esse novo normal é para quem?

As mudanças importantes na História, sejam por eventos naturais ou provocados pela ação do homem, não nos levaram a um novo normal após ocorrerem? As revoluções da História, a invenção da roda, a utilização do fogo, as guerras, os terremotos, o processo desenfreado de produção e a poluição das indústrias (produção destrutiva), o surgimento dos automóveis, e, claro, as epidemias e pandemias, são eventos que provocaram mudanças nas relações de “normalidade” dos sujeitos, promovendo, assim, a busca por soluções que implicariam em um “novo normal”.

Contudo, podemos pensar na situação que vivenciamos neste momento da História: a pandemia provocada pelo coronavírus e as relações político/sociais que se apresentam em nosso cotidiano.

A História nos apresenta situações que parecem recorrentes, mas a repetição não é uma realidade, eventos não se repetem, mesmo que cíclicos e similares, possuem suas particularidades. Em 1918, na pandemia conhecida como “gripe espanhola”, as condições se distanciavam de forma evidente da realidade de nossos dias. O desenvolvimento científico e tecnológico de nossa atualidade de longe poderia garantir uma situação de maior segurança e cuidados se comparado à realidade do início do século XX.

No entanto, estaria o desenvolvimento tecnológico atual presente de forma universal? Quem seriam os beneficiados dessa proteção produzida pela ciência?

Podemos pensar ou problematizar o que atravessa nossa sociedade, e que, de certa forma, cria barreias ou muros – muitos deles simbólicos – que impedem uma ampla proteção em tempos tão difíceis: o modelo social?, a desigualdade sócio/econômica?, os processos educativos?, as realidades culturais?

Nosso desenvolvimento histórico/cultural, que tem como resultado nosso cotidiano, consolidou-se em um processo violento. Primeiro, a invasão dos colonizadores seguida pelo genocídio dos povos originários, logo após, a escravização dos povos africanos para cumprir uma agenda econômica centrada na monocultura, além dos golpes que interromperam os processos “democráticos” e republicanos que tentavam germinar. Assim, chegamos nos dias atuais como uma das nações mais desiguais em termos de qualidade de vida. Somando-se a esse contexto uma situação de calamidade sanitária, associada a uma agenda política que é avessa a políticas afirmativas, o resultado só poderia ser desastroso: mais de 120 mil vidas perdidas até o momento.

Para refletir sobre o “novo normal”, trago dois fatos que ocupam meus pensamentos: o primeiro se refere à educação e aos obstáculos que o isolamento social impôs ao fazer escolar, e o segundo, o caso do menino2 de cinco anos, filho de uma empregada doméstica, que acabou morrendo após cair do nono andar de um prédio, onde sua mãe trabalhava (em meio à pandemia), em um ato de negligência da “patroinha”.

Onde se apresentaria esse “novo normal” nestes casos? Na questão educacional, as situações sociais e econômicas revelam uma realidade que todos já conheciam, mas faziam vistas grossas. Quem terá condições de se inserir em uma educação digital? As escolas, ou melhor, os educadores das escolas públicas, terão os amparos necessários do Poder Público para atuarem nesta nova realidade educacional? E os educandos que não possuem acesso aos meios digitais, como irão estudar? Perderão o ano?

E no caso trágico do menino de apenas cinco anos que teve seu futuro roubado? Mesmo em um momento de calamidade sanitária, a relação “Casa Grande e Senzala” se apresenta na sua forma mais profunda: a indiferença com as pessoas que atuam nas funções de cuidado na sociedade.

As diferenças sociais e econômicas abissais que se apresentam em nossa sociedade – que parece insistir em manter seus hábitos estamentais – obscurecem a ideia de um “novo normal”. Em um momento em que preservar a vida deveria ser a única escolha para todos, parece que algumas vidas importam mais que outras.

Fica evidente que a pandemia interferiu nas relações sociais e nos indicou que as coisas precisam mudar. Porém, como certa vez ouvi, em algum momento de minha caminhada: “se mergulhamos uma melancia num poço, por 15 dias, ao retirá-la, essa melancia continuará sendo uma melancia”!

1 ARENDT, Hannah. Origens do Totalitarismo. São Paulo: Companhia das Letras, 2012.

2 Caso do menino Miguel Otávio Santana da Silva, de 5 anos, que morreu ao cair do nono andar de um prédio, no centro de Recife, no dia 2 de junho de 2020.

Sobre a Coluna

A coluna Muros ou Horizontes é publicada quinzenalmente.
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Manoel Rodrigues

Graduado em Ciências Sociais Bacharelado pela PUCRS; Graduando em Ciências Sociais Licenciatura pela UFRGS; Trabalhador de base dos Correios (ECT).

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