Ai de mim! Homo Juris! Ai de mim!, como diria nosso saudoso filósofo e cineasta brasileiro, Antônio Abujamrra, ao iniciar seu igualmente memorável programa de entrevistas, "Provocações", aludindo a gemidos gregos que, segundo o entrevistador, poderiam fazer jus à sua empreitada no tortuoso - ainda que belo - caminho da informação "provocativa".
Assim também desejo iniciar esta coluna. Um gemido grego. Propício a iniciar e servir de cenário a este locus de reflexões, que pretende abordar temáticas jurídicas, como se pode pressupor, mas, também, filosóficas, artísticas e, por que não, provocativas.
Deus-Hermes, filho de Júpiter e de Maia, filha de Atlas. Os gregos
chamavam-no Hermes, isto é, intérprete ou mensageiro. Mensageiro dos deuses e
particularmente de Júpiter. Fonte da imagem: <https://www.mitologiaonline.com/mitologia-grega/deuses/hermes/>
Obrigado pela recepção e leitura.
Nos vemos na próxima!
Assim também desejo iniciar esta coluna. Um gemido grego. Propício a iniciar e servir de cenário a este locus de reflexões, que pretende abordar temáticas jurídicas, como se pode pressupor, mas, também, filosóficas, artísticas e, por que não, provocativas.
Sobre este que vos fala, como talvez já se possa observar mediante breve e simples redação de meu currículo, conforme resumido em meu perfil, sou advogado (OAB/SC), graduado em Direito (PUCRS), especialista (CESUSC) e mestrando em processo (UNIVALI) e "estudos políticos" (UCALDAS/Colômbia) e filósofo (UFSC). Minha formação se deve às minhas inquietações, desde sempre. Assim, estudei direito para fazer justiça, e filosofia para saber "que diabos era isso"!
"O que é isso, a filosofia" ou "qu’est-ce que la philosophie?" no original[1], diria Heidegger.
O que é isso, A Justiça, disse eu, ao sair da faculdade de Direito!
Será neste sentido que desejo levar esta coluna.
Postas tais questões, vamos ao nome: o título que escolhi para chamarmos este nosso breve instante de reflexão, "Homo Juris", se dá por diversas razões. As mais óbvias, pelo fato de que este que lhes escreve é, de fato, um ser humano - daí "Homo" - e, com efeito, tem dedicado seus estudos nos últimos tempos a questões jurídicas - daí, "Juris". De outra parte, porque se pretende levantar a seguinte reflexão: os estados evolutivos de nossa espécie são sempre denominados desta forma, ou seja, o prenome "homo" e a sua especificação (homo erectus, homo neanderthalensis, homo sapiens e, então, homo juris). Neste sentido, se pressupõe que o Homem, dotado (e consciente) de (seus) Direito(s), é, em verdade, um ser "mais evoluído" - não confundir ideia de evolução com merecimento de mais direitos, a lá Darwinismos sociais e seus afins!!!
O ponto é: entende-se, normalmente, que, fora do Direito, como para diversos filósofos, sobretudo os contratualistas - especialmente Thomas Hobbes[2] - o "homo" sem o "juris" é lobo, animal, e predador, portanto, de si próprio.[3] Assim, nesta conotação, a presente coluna pretende justamente isto: fornecer as necessárias reflexões jurídicas de sorte a permitir, a todos, mais este passo evolutivo. O nome, portanto, quer aludir à essa pretensão.
Todavia, quer também, "homo juris", dizer que, em tese, somos todos "juris", desde já, enquanto "homo", sendo este ambiente nosso, para reflexão conjunta dos principais assuntos no concernente ao convívio humano, social e político. Explico: já em Aristóteles tinha-se que o ser humano é um animal gregário, político, que, na qualidade de tal, mais do que necessitar, tende, naturalmente, ao convívio para com seus semelhantes.[4] Se por conveniência ou inclinação natural, o fato é que todos nós, mais do que convivermos com nossos semelhantes, exigimos deles, desde sempre, determinados padrões de conduta social. Isso se dá em razão de que, para além de sermos seres físicos, com necessidades biológicas, somos também valorativos e, por consequência, normativos[5].
Explico novamente: como talvez cada um de nós possa perceber em seu íntimo, nós, seres humanos, sempre observamos o mundo à nossa volta não de maneira "pura" ou "fria", mas atribuindo, desde sempre, aos objetos mundanos, certo valor. Assim, não gostamos do que nos traz medo ou nos submete a condições de dor ou sofrimento, enquanto valoramos coisas como as virtudes e o prazer, como um todo. Pois frente a tal valoração (antropológica) do mundo, imposta desde sempre por nós referentemente aos objetos a que nos deparamos, passamos, por consequência, a estabelecer certas diretrizes a serem seguidas pelos demais, no intuito de se preservar a realidade, conforme nossas valorações.
Assim, se eu gosto de possuir determinadas coisas e/ou valoro outras como merecedoras de respeito, atribuindo às mesmas algum valor, não desejo que ninguém as destrua ou nelas interfira. Da mesma forma, por não valorar positivamente determinadas atitudes, como o roubo, ou a fraude - e as suas consequências - intento que tais práticas sejam coibidas tanto quanto possível de nosso meio social.
Perceba-se, portanto, que todos nós já somos, em um sentido mais abrangente, político-normativos, no sentido de estabelecermos, natural e ininterruptamente, determinadas regras de convívio que desejamos sejam cumpridas pelos demais. Somos, portanto, em certo sentido, "Juris", todos nós, desde sempre. Assim, a reflexão acerca de tais diretrizes se perfaz como prática frente a qual todos nós naturalmente realizamos, sendo esta coluna, destarte, apenas um acréscimo às filosofias que todos vocês, ou, nós, realizamos constantemente em nosso cotidiano social.
Homo Juris também, e, por fim, porque o Direito, como poderemos observar em outros momentos, em análises mais pormenorizadas, é feito disso mesmo: humanos. Para além do ideal democrata, cujo poder deve, em tese, pertencer ao povo, enquanto coletividade de indivíduos humanos[6], o Juris é, em suma, também, "Homo", na medida em que é feito senão pelos humanos, para os humanos e, especialmente, de humanos. Explico: as regras que estão nos textos normativos integram, indubitavelmente, o nosso aparato jurídico-normativo. Disto não se olvida. De outra parte, como novamente se poderá compreender em outros momentos de nossas reflexões, os textos não são o Direito. Servem-lhe, quando muito, enquanto fontes. Assim, o Direito é qualquer outra coisa que fazemos com eles. E esta "qualquer outra coisa", a que chamamos de norma jurídica, é composta da seguinte maneira, segundo F. Muller: os textos normativos e os fatos concretos, amalgamados pela interpretação.[7] Ora pois... os textos são os textos... os fatos são os fatos... o "x" da questão está então na forma como podemos (e devemos) lhes interpretar!
A interpretação jurídica, sobretudo das últimas décadas, tem sido compreendida justamente desta forma: meio pelo qual materializam-se os princípios jurídicos previamente reconhecidos, através e nos limites das diretrizes textuais e fáticas dos casos concretos postos em questão.[8] Esta interpretação não pertence, e não poderia mesmo pertencer, sob uma lógica democrática, a somente um restrito grupo de "intérpretes privilegiados". Assim também, não pode corresponder tão somente aos anseios de um só "homo".[9] Deve, ao revés, espelhar os valores já previa e concisamente compartilhados por toda a comunidade[10]. Neste sentido, é o próprio contexto social - no qual se pretende que as normas jurídicas passem a viger - o local onde o próprio Direito, paradoxalmente ou não, deverá servir-se para fins de determinar as diretrizes de seu regulamento social. Em suma, o "Homo" é Juris, mas o Juris é, ao fim, também, "Homo". A presente coluna se presta, então, a demonstrar as implicações desta questão.
O que é isso, A Justiça, disse eu, ao sair da faculdade de Direito!

Sobre a coluna
A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
A coluna Homo Juris é publicada sempre às quartas-feiras.
[1]Conferência
concedida pelo autor alemão, de nome homônimo ao que posteriormente teria se
convertido em artigo e/ou livro. Neste sentido, ver: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cv000037.pdf>.
[2]Neste
sentido, ver: Hobbes, Thomas. Leviatã. Tradução João Paulo Monteiro,
Maria Beatriz Nizza da Silva, Claudia Berliner. 3. ed. Brasileira. São Paulo:
Martins Fontes, 2014, p. 106 e 107.
[3]Ibidem,
p. 109 à 113.
[4]Neste
sentido, ver: ARISTÓTELES. A Política.
Tradução de Mario de Gama Kury. Brasília: Editora Universidade de Brasília,
1985, p. 15.
[5]Para
autores como Miguel Reale, o mundo se divide em basicamente duas espécies de
objetos, os naturais e os culturais. Os primeiros são aqueles provenientes da
própria natureza, enquanto os segundos são produto da intervenção humana neste
mundo. Segundo Reale, os objetos culturais possuem como principal
característica distintiva a ideia de fim e valor, sendo "fim" aquilo
pelo qual agimos, coincidindo com o conceito de bem, dado que, em tese, não
fazemos nada que não entendamos, ainda que equivocadamente, como um bem, e
valor, enquanto "qualidade objetiva de um ser que, por significar uma
perfeição para o homem, nos atrai, sendo reconhecida como motivo de conduta".
BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao
Direito. 10 ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 17 à 19.
[6]Neste
sentido, assim versa a nossa vigente Constituição Federal: Art. 1º. Parágrafo
único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes
eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição. Brasil. Constituição Federal. 1988. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>
Acesso em: 10/06/2020.
[7]Muller separa em “inputs” o conteúdo da
norma, materializados em estruturas de duas naturezas distintas. De um lado,
teríamos o que o autor nomeia como “programa normativo”, composto por elementos
linguísticos da norma, a balizarem os elementos abrangidos por si da segunda
espécie, lê-se, o “âmbito normativo”, este compreendido justamente dentre “as estruturas
básicas relevantes da realidade que o programa da norma criou para si como seu
âmbito de regulamentação.” GEORGES
ABBOUD aput SCHMITZ, Leonard Ziesemer. Fundamentação
das Decisões Judiciais. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2015, p.
73.
[8]Para
autores como Lênio Streck, "são os princípios que instituem as bases
para a normatividade do direito. Isto porque as regras não acontecem sem os princípios. Os princípios
sempre atuam como determinantes para
a concretização do direito e, em todo caso concreto, eles devem conduzir para a
determinação da resposta adequada. As
regras constituem modalidades objetivas de solução de conflitos. Elas
“regram” o caso, determinando o que deve ou não ser feito. Os princípios
autorizam esta determinação; eles fazem com que o caso decidido seja dotado de
autoridade que – hermeneuticamente – vem do reconhecimento da legitimidade." STRECK, Lênio Luiz.;
FERRAJOLI, Luigi; et. Al. Garantismo,
hermenêutica e (neo)constitucionalismo.
Tradução de André Karam Trindade.Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012,
p. 71.
[9]Como
dispõe Carmen Lígia, “...o Estado Democrático e de Direito altera,
sobremaneira, a teoria das fontes, a teoria da norma e a teoria da
interpretação. Quanto à teoria das fontes, pode-se dizer que a supremacia das
leis cede lugar à onipresença da Constituição. Por seu turno, a normatividade
dos princípios pela Constituição Federal de 1988 provoca verdadeira reviravolta
na teoria da norma, enquanto na teoria da interpretação o Estado Democrático de
Direito representa uma verdadeira blindagem ao exercício arbitrário de poder.”
NERY, Carmen Lígia. Decisão Judicial e
Discricionariedade, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014, p. 73 e
74.
[10]Para Streck, os princípios jurídicos são
normativos e, assim, possibilitam um “fechamento interpretativo’ próprio da
blindagem hermenêutica contra discricionarismos judiciais." Assim, "essa
normatividade não é oriunda de uma operação semântica ficcional, como se dá com
a teoria dos princípios de Alexy (...) Ao contrário, ela (...) retira seu conteúdo normativo de uma convivência
intersubjetiva que emana vínculos existentes na moralidade política da
comunidade. Nesta perspectiva (...) os princípios são vivenciados (“facticizados”) por aqueles que participam da
comunidade política e que determinam a formação comum de uma sociedade. [grifo
nosso]. STRECK, Lênio Luiz.; FERRAJOLI, Luigi; et. Al. Garantismo, hermenêutica e (neo)constitucionalismo. Tradução de André Karam Trindade.Porto
Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 70.
Extraordinária estreia, o sucesso na coluna é uma certeza e contribuirá em muito, para o melhor entendimento jurídico e político de nossos leitores. Bem-vindo.
ResponderExcluir