O ano era 2014. Éramos presenteados com um show de preconceito vindo de um professor universitário. Um acadêmico que, por ter mais estudo, deveria estar mais ciente dos preconceitos e da realidade social do nosso país. Ainda assim, ao se deparar, num aeroporto, com um senhor de shorts, regata e tênis, achou que seria uma boa oportunidade de destilar a ignorância que não é esperada de um professor e não só fotografou o senhor, como também colocou uma legenda para lá de preconceituosa: aeroporto ou rodoviária?

A frase resume muito o sentimento de grande parte da classe média brasileira, que se acha elite. O desprezo de dividir espaços que antes eram ocupados apenas por eles com pessoas pobres criou esse monstro destruidor de direitos sociais que não está preocupado em diminuir a pobreza ou gerar desenvolvimento social. A preocupação da classe média é manter as aparências, manter seus ambientes livres dos que por eles são considerados como ‘inferiores’, mesmo que no fundo sejam apenas trabalhadores, tal qual a própria classe média.

Durante pouco mais de 13 anos o Brasil viveu talvez a maior experiência em termos de desenvolvimento social de seus mais de 500 anos de história. Longe de tapar o sol com a peneira e fazer uma exaltação sem críticas ao governo do Partido dos Trabalhadores, há de se reconhecer sim que, pouco ou muito, os programas sociais e políticas criadas no governo do PT geraram um desenvolvimento social absurdo para a história do nosso país. Em números absolutos, 26,3 milhões de pessoas saíram da extrema pobreza no país graças à políticas públicas criadas no governo do PT. Programas de inclusão social, de geração de renda garantiram não só um mínimo de dignidade e refeições suficientes para tirar o Brasil do mapa da fome, como também garantiram o acesso à faculdades públicas e particulares para aqueles que antes não tinham condições. Não é incomum nos depararmos com histórias de filhos de domésticas, serventes, lavadeiras, lavradores, entre outras profissões marginalizadas no Brasil, que hoje tem não só graduação, como também tiveram acesso à mestrado e doutorado, algo impensado no Brasil antes do PT.

Uma melhor distribuição de renda fez com que as pessoas mais pobres ocupassem espaços que antes eram exclusivos das nossas oligarquias. Como, no exemplo citado, um aeroporto. Pessoas mais pobres ganharam direito de viajar de avião, conhecer outros lugares do país e até mesmo se arriscar em viagens internacionais. E isso incomodou nossa classe média mesquinha. Incomodou tanto que eles não tiveram o menor escrúpulo em apoiar um golpe e eleger o que há de mais detestável na política brasileira para ocupar o mais alto cargo de nossa república.

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O humorístico personagem Caco Antibes vem sendo comparado ao ministro Paulo Guedes

A comprovação desse sentimento odiento da nossa classe média aos mais pobres se reflete no comportamento dos que hoje estão no poder. No dia 12 de fevereiro do corrente ano, o ministro da economia Paulo Guedes, conhecido banqueiro acusado de fraudes e sonegação fiscal, deixou bastante claro o quanto o governo Bolsonaro está alinhado com o pensamento dessa classe média que não aceita dividir seus privilégios. Ao comentar sobre a alta do Dólar, que bate recordes seguidos de valorização frente ao Real, o ministro disse que a alta da moeda americana é boa pois “empregada doméstica estava indo para a Disney todo ano”. Além de demonstrar um preconceito classista fora do comum, Guedes prova um profundo desconhecimento da realidade social do país em que é ministro. Segundo reportagem da BBC, viagens internacionais foram os bens e serviços menos consumidos pela emergente classe C, que preferiu investir em celulares, computadores, produtos da linha branca, acesso à internet. Enquanto esses bens e serviços foram adquiridos por 38,41% da população ascendente, viagens internacionais foram consumidas apenas por 2,15%.

Mas obviamente incomoda ao patrão ver seu empregado no mesmo avião que ele. Incomoda à patroa que a filha da empregada esteja estudando na USP enquanto seu filho não conseguiu. Não incomoda por ser uma injustiça. Longe disso. Políticas públicas existem para diminuir as desigualdades sociais tão gritantes em nossa república. Incomoda porque até pouco tempo atrás, muitos desses locais, desses bens e desses serviços eram de consumo exclusivo deles. Incomoda porque a mente pequena e classista dessa dita classe média é incapaz de dividir espaços com sua empregada doméstica, com seu jardineiro. E dessa forma, com esse preconceito nada velado, vai sendo jogado no lixo anos de desenvolvimento social. Tudo fruto de uma classe média que sabe o que é caridade, mas detesta igualdade social.


Sobre a coluna

De hoje a oito é uma coluna semanal sobre política que procura trazer em pauta assuntos referentes, principalmente, ao governo federal e acontecimentos nacionais, sem deixar de repercutir acontecimentos mundiais.
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Pedro Araujo

Advogado com pós em ciência política, sempre acompanhando o cenário político nacional e mundial.

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