No dia 4 de novembro de 2019, um
dia após a primeira prova do Exame Nacional do Ensino Médio, o Ministro Abraham
Weintraub se vangloriava por ter feito “o melhor ENEM de todos os tempos”. O
exame que desde 2009 é usado como forma de ingresso ao ensino superior é a
prova mais aguardada por milhões de estudante que durante um ano inteiro se
esforçam para conseguir boas notas. Só no ano passado, seis milhões de alunos se
inscreveram no ENEM em busca de uma vaga no ensino superior.
Porém, ao contrário do que afirma
o Ministro da Educação, esse está longe de ser o melhor ENEM de todos os
tempos. Os problemas começam lá atrás, bem antes das inscrições para o ENEM
abrirem. Em abril de 2019, a gráfica responsável pela impressão das provas e
cartões-resposta do ENEM, a RR Donelley, empresa multinacional, fechou suas
portas, alegando o momento desfavorável do mercado gráfico e editorial não só
no Brasil, mas no mundo todo. Vinte dias depois, sem abrir licitação para a
contratação de uma nova gráfica, alegando a escolha do segundo lugar na
licitação anteriormente aberta, sem conhecer a situação financeira da gráfica
ou se ela teria atualmente condições de atuar num exame do porte do ENEM, o
governo contratou com orçamento milionário (R$ 154,7 milhões) a Valid Soluções
S.A.
A grande questão quanto a
contratação da Valid, empresa que teria ficado em segundo lugar no processo
licitatório que contratou a RR Donelley em 2009, veio à ser posta na mesa em
janeiro, meses após sua contratação e a execução da prova do ENEM. Começaram a
chegar relatos de todo o país de inconsistência entre as notas divulgadas e os
gabaritos. O Ministério da Educação finalmente admitiu que havia erros em algumas
notas e que a culpa seria da gráfica então contratada para realizar as provas
do ENEM. A mesma gráfica que foi contratada sem que se fosse aberta uma nova
licitação, para que se pudesse comprovar a capacidade da empresa em realizar o
ENEM desse ano. E o mesmo MEC que confiou cegamente na Valid em Abril, é o
primeiro a pontar o dedo no momento do erro, sem reconhecer o seu próprio...ou
no caso “próprios”, já que a escolha da gráfica não foi o único erro cometido
pelo MEC em relação ao ENEM.

Ministro da Educação de férias durante crise do ENEM
Segundo apurado pela BBC Brasil,
desde o começo do governo Bolsonaro, o INEP, órgão responsável pela elaboração
e aplicação do ENEM, passou por quatro mudanças de comando. Ainda segundo a
reportagem do já citado jornal, a diretoria responsável pela elaboração da
prova ficou sem titular por meses. A falta de consistência do órgão responsável
pela prova mais importante para muitos estudantes levou ao final à essa
situação caótica que vemos.
Uma prova como o ENEM, da
dimensão em que ela é aplicada, com o tamanho do país e a quantidade de
inscritos (6 milhões inscritos, com participação de 3,9 milhões) é praticamente
impossível de acontecer sem erros. Porém, o que não pode acontecer é o
Ministério da Educação tratar com descaso a situação como vem tratando.
Tentativas de minimizar erro que comprometem um ano inteiro de estudo, de
pessoas que muitas vezes, por sua condição socioeconômica, não terão uma
segunda chance de tentar. A solução do ministério, de abrir uma linha de
correio eletrônico onde os alunos poderiam informar os erros em suas provas,
dando um prazo de 24h iniciando num domingo e fechando numa segunda as 10h da
manhã é excludente e tem como claro objetivo minimizar os números de erros
apresentados. O descaso com que o Ministério da Educação trata o caso ignora a
saúde mental de milhares de estudantes que passaram um ano todo pondo suas
esperanças e expectativas nessa prova. Colocar como único canal de comunicação
de erro uma conta de e-mail ignora o fato de que nem todos tem acesso fácil à
internet, que alcança pouco mais de metade da população brasileira. As medidas
adotadas pelo Ministério são desonestas e excludentes e claramente tentam
colocar panos quentes numa situação periclitante.
O Ministério Público Federal
recomendou ao MEC a suspensão dos prazos do SISU, o sistema de seleção usado
para os alunos tentarem adentrar cursos nas faculdades pelo país todo. Resta
saber se o MEC irá acatar a sugestão ou irá prosseguir numa situação que promete
se desenrolar por muito tempo ainda. Porém, fica o questionamento: a quem
interessa esses erros? Num governo onde o ministro da economia tem laços com
entidades representantes de instituições de ensino privado, quem sai ganhando
com isso? Como ressarcir a ansiedade e os traumas psicológicos de ficar dias
sem saber se sua nota irá ser corrigida ou e perder um ano inteiro por erros.
Esse está longe de ser o primeiro erro do ENEM em seus 10 anos de realização
enquanto processo seletivo, mas com certeza é um dos mais graves.
Sobre a coluna
De hoje a oito é uma coluna semanal sobre política que procura trazer em pauta assuntos referentes, principalmente, ao governo federal e acontecimentos nacionais, sem deixar de repercutir acontecimentos mundiais.
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