A humanidade do negro tem sido a grande descoberta do Big Brother Brasil 21, obviamente que essa descoberta está atrelada a quem vive desconectado da luta pelo fim do racismo no Brasil. Observe que, quando um participante branco erra no programa, ele não fala por todo homem ou mulher branca, ele fala como pessoa individual. Quando eles brigam de maneira generalizada, como fazia Felipe Prior na edição passada, ele não fala por toda a comunidade branca, ele não é acusado de ser "desunido”, problemático, doente etc. Por que com a mulher e o homem negro isso é diferente?


O racismo tem várias faces meus amigos, ele ocupa o debate de maneira clara. Acessem o perfil de Karol Conká nas redes sociais, leiam os comentários repletos de ofensas racistas e entenda o que estou falando, combater esse racismo tem a ver com a dignidade humana, discordar dos posicionamentos dos participantes do programa é aceitável, é construtivo, mas usar isso para propagar o racismo infame, não.


Karol é uma mulher negra e, assim como uma mulher branca, tem sua personalidade construída por subjetividades múltiplas. Ela erra e acerta, esses erros e acertos são particulares de cada um lá dentro da casa. O que quero dizer com isso? Karol Conká não fala por toda a comunidade negra, tampouco tem verdades absolutas dentro da casa, no contexto do programa, ela fala por si, como pessoa individual, o mesmo é válido para Negro Di e Projota, eles não falam pela coletividade do povo negro. Algumas falas dos participantes soam como fosse difícil no Brasil ser branco, rico e com carreira bem sucedida, todos nós sabemos que isso não é verdade. Parafraseando o grande rapper brasileiro Emicida, no Brasil "tem pele alva e pele alvo".

No BBB21 existem participantes, falando como se tivessem descoberto a verdade absoluta, não é bem por aí. Primeiro, não existe diálogo quando as duas partes não debatem o assunto, conversam e esclarecem o tema em questão. Quando apenas um fala e o outro escuta, não é um “bate papo" e sim um monólogo. Segundo, e não menos importante, não existem verdades absolutas. Aprendi em minha caminhada a questionar, duvidar, pesquisar e só assim criar uma opinião particular sobre o assunto. Independente de quem esteja afirmando, é sempre bom questionar sobre a verdade colocada em cena.



Mas, por que o BBB21 está revelando para tantas pessoas que o negro tem humanidade? Essa revelação se dá diante dos erros que cada um comete, da discordância do grupo, da opção política, das subjetividades. Basta você observar, por exemplo, Lucas Penteado, Karol Conká e Negro Di, são pessoas diferentes, com opiniões e posicionamentos diferentes. Isso acontece exatamente devido a sua humanidade, eles são singulares, com todo homem e mulher branca. Parece óbvio né? Mas não é.

Imagine se acontecesse em nossa contemporaneidade, um novo episódio de tráfico de pessoas para fins de escravidão, mas não vindo do Continente Africano, dessa vez da Europa.

Primeiro saiba que a África não é um país, ela é um continente, assim como a Europa tem vários países (Portugal, Reino Unido, Itália, Franca etc.), o Continente Africano também tem.

Voltando ao nosso exemplo fictício. Desta vez foram sequestrados Portugueses, Franceses, Ingleses e Italianos. Ao chegarem ao Brasil, eles não puderam falar sua língua de origem, tiveram seus nomes trocados e foram racializados. Aos olhos da sociedade escravocrata brasileira, eles eram uma “coisa”, um “objeto” uma “posse”, a opinião de um era a de todos, a fé já não importava, foi demonizada. Esse apagamento social era para coisificar e objetificar, isso aconteceu por pelo menos 350 anos.

Foi exatamente isso o que aconteceu com o negro, sequestrado da África e escravizado no Brasil. O Continente Africano possui 54 países, só na África Ocidental temos Nigéria, Mali, Senegal, Mauritânia, Gana, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné, Libéria, Serra Leoa entre outros. O continente é composto por diversas etnias a exemplo dos Bantos e Sudaneses. Além das religiões ancestrais, há forte presença do cristianismo, do islamismo e do judaísmo, riquezas materiais e imateriais incalculáveis.

Entender parte dessa história nos faz enxergar como foi perversa a construção da imagem do negro no Brasil, saíram do Continente Africano com sua riqueza cultural, linguística e religiosa, para serem definidos como um corpo só, sem particularidades, sem multiplicidades, colocados como não humanos.

A luta por direitos e respeito do povo Preto é ancestral, vem de antes da “juventude” que ocupa o BBB21, cada negro que está dentro da casa só ocupa aquele espaço graças às lutas de muitos que vieram antes deles, personalidades como Zumbi dos Palmares, Dandara de Palmares, Tereza Benguela, Lélia Gonzales, Carolina Maria de Jesus, Conceição Evaristo, Sueli Carneiro, Milton Santos, Abdias Nascimento e tantos outros não menos importantes.

Discordar, gostar ou querer que o participante deixe a casa é natural, faz parte do jogo, mas tudo isso deve ser conduzido com respeito e dignidade.

A imagem social que temos do negro foi construída por quase quatro séculos de escravidão, desconstruir essa imagem de povo único sem particularidades, direitos e desejos não é e nem será fácil.

O racismo no Brasil é forte, mas tem sido quebrado. Cada um de nós devemos nos comprometer com isso.


Sobre a Coluna

A coluna Brasilis é publicada sempre às quintas-feiras.
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Alexandre Pereira

Eu sou Alexandre Silva, natural de Alagoas, mas resido em Salvador – BA, terra que tem me dado “régua e compasso” para seguir firme e forte, na luta por uma sociedade mais igualitária. Ainda sobre mim, sou Graduando em Humanidades pela Universidade Federal da Bahia, curso que me desafia a enfrentar as problemáticas de uma sociedade multifacetada, segregada por uma profunda desigualdade social. Nossos textos buscarão provocá-los a problematizar questões que afetam nossas vidas, mesmo que pensemos que não, tudo está interligado, tudo nos diz respeito, se assim não fosse não seriamos uma sociedade. Obrigado pela companhia e vamos problematizar!

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3 comments so far,Add yours

  1. Amigo Alexandre, eu vejo essa questão de forma muito complicada. Evidentemente eu sou contra ofensas racistas a Karol. O problema é que Karol, Lumena e Projota são pessoas que ou são ativos na militância, ou lucraram como "representação da militância" no meio artístico, sendo referências.

    Quando ao invés de acolher o Lucas Penteado, um militante e em oposição a isso se juntam com um cosplay de Sérgio Camargo como Di, isso dá munição ao outro lado pra dizer que a militância é falsa.

    Creio que isso foi muito bem articulado pra desmobilizar parte da militância e parte de apoiadores (como eu) da militância e aí sim entra o seu ponto fundamental, a individualização das atitudes destas pessoas. Mas realmente, o plano de descredibilixzação da causa foi muito sujo e igualmente bem articulado.

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  2. Oi Adriano, por isso importante falar sobre isso, trazer esses temas sobre ser militante, ou sobre surfar na onda, além disso querer unificar o discurso do grupo que está no bbb como de toda a comunidade negra é um ato racista, uma maneira de dizer que todos são iguais, uma coisa só. Não é bem por ai.

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    1. Exato, o plano da Globo era esse e a destra está fazendo isso com algum êxito sobre os manipuláveis.

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