Pensando em como começar esta coluna, envolto em um sentimento que mesclava indignação, raiva e tristeza com o ocorrido com João Alberto Silveira Freitas [1], no estacionamento de uma das lojas da rede de supermercados Carrefour em Porto Alegre, lembrei do que estava colocado no primeiro parágrafo da página 47 do “Atlas da Violência 2020”, e deixo como primeira reflexão:

“Uma das principais expressões das desigualdades raciais existentes no Brasil é a forte concentração dos índices de violência letal na população negra. Enquanto os jovens negros figuram como as principais vítimas de homicídios do país e as taxas de mortes de negros apresentam forte crescimento ao longo dos anos, entre os brancos os índices de mortalidade são muito menores quando comparados aos primeiros e, em muitos casos, apresentam redução” [2].



E o mesmo atlas nos apresenta as taxas de homicídio contra a população negra (que é a soma de pretos e pardos segundo o IBGE), que são de 75,7%, uma marca de 37,8 por 100 mil habitantes.

Neste momento, podemos perguntar ao Vice-presidente: realmente não existe racismo no Brasil, “Vossa Excelência”?

A tentativa de desconstrução da existência do racismo que vem sendo projetada pela direita reacionária, que avança nos espaços institucionais e na esfera da sociedade civil, faz parte de um projeto conservador/moralista, em que a naturalização da violência contra grupos excluídos e/ou vulneráveis (mulheres, negros, povos originários, grupos LGBTQI+) se tornou o alvo principal. Afirmações como a do Vice-presidente, de que não existe racismo no Brasil, são exemplos desta gramática que se projeta nos discursos dos representantes neoconservadores, assim com a frase da Ministra Damares: “Meninos vestem azul e meninas vestem rosa”, que também reforça este discurso numa tentativa de impor uma condição bíblica, portanto tradicional, nas relações sociais e econômicas em nossa sociedade.

As possibilidades que se apresentam nas relações que passam pelas instituições e pela sociedade civil (mesmo que a desconfiança e descrença nas instituições sejam uma realidade em nosso tempo, desconfiança esta que, segundo Cornelius Castoriadis, “é uma imensa corrente sócio-histórica que caminha nesta direção e faz tudo se tornar insignificante”) [3] podem transformar o imaginário de forma incisiva, refletindo de forma objetiva nas relações societais. Discursos violentos ou negacionistas podem inflar ânimos e autorizar práticas que seriam somente do Estado, como a prática da violência, na figura de seu aparato repressivo: a polícia.

Negar o racismo no Brasil é negar anos de escravidão (aqui no Rio Grande do Sul, nas palavras de Juremir Machado: “Porongos nunca para de se repetir”). Nossas estruturas tentam, e, de certa forma, conseguem permanecer em um formato estamental/jurídico/estatal. Silvio Almeida nos lembra que “se há instituições que cujos padrões de funcionamento redundam em regras que privilegiam determinados grupos raciais, é porque o racismo é parte da origem social. Não é algo criado pela instituição, mas é por ela reproduzido” [4]. Pensemos por um instante como se configura nossa pirâmide social: quantos médicos negros temos? Quantos juízes negros temos? Qual a proporção de políticos negros em relação aos não-negros? E qual a tez da maioria dos trabalhadores terceirizados em nosso país?

Silvio Almeida nos fala ainda que mesmo que o racismo seja estrutural não é uma condição sine qua non, ações e políticas públicas são fundamentais para uma mudança substancial das relações sociais e institucionais.

Por fim, gostaria de lembrar que nossos atos podem refletir num futuro próximo, muitas vezes, imediato, e que o voto pode ser uma possibilidade de equilíbrio e, associado a luta constante, uma alternativa na busca de justiça social.


*Texto revisado por Adriana Alaíde Sühnel dos Santos.


Referências

[1] Brasil de Fato. <https://www.brasildefato.com.br/2020/11/20/justica-por-joao-alberto-manifestantes-destroem-loja-do-carrefour-em-sp> 20/11/2020.

[2] ALVES, Paloma Palmieri et al. Atlas da violência 2020. 2020.

[3] CASTORIADIS, Cornelius; VASCONCELLOS, Regina. As encruzilhadas do labirinto: a ascensão da insignificância. Paz e Terra, 2002.

[4] ALMEIDA, Silvio. Racismo estrutural. Pólen Produção Editorial LTDA, 2019.

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Manoel Rodrigues

Graduado em Ciências Sociais Bacharelado pela PUCRS; Graduando em Ciências Sociais Licenciatura pela UFRGS; Trabalhador de base dos Correios (ECT).

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