O ano mal iniciava, as pessoas
ainda faziam votos de que seria um ano melhor e mais tranquilo, quando no dia
três de janeiro um atentado terrorista americano vitimou a principal figura
militar e emblemático líder iraniano Qasem Soleimani. Discursos inflamados
começaram a surgir de ambos os lados. O Irã prometendo retaliar, como já era
previsto, ameaçando alvos civis e militares americanos, os EUA revidando, pondo
sob ameaça até mesmo patrimônios históricos mundiais.
A despeito dos brados inflamados
dos dois lados, meros cães que ladram e não mordem, apenas querendo saciar a
ânsia que seus seguidores têm por violência (mesmo que o Irã tenha de fato
atacado bases militares americanas no Iraque, nem de longe se configura como a
ameaça que faziam antes e sim um ataque mais cirúrgico e preciso, que acabou
até mesmo arrefecendo uma possível ação militar americana em solo persa), uma
decisão, que não partiu do governo de nenhum dos lados, chamou a atenção.
Após as sanções econômicas
impostas por Trump e o governo estadunidense ao Irã, o CEO do Facebook, Mark Zuckerberg
declarou que iria excluir posts a favoráveis ao falecido general iraniano no
Facebook e no Instagram. O motivo seria para se alinhar com as sanções econômicas
impostas por Washington, mas para os mais entendidos as ações adotadas por Zuckerberg
são bastante claras: censura.
Uma plataforma que abriga grupos
intolerantes, que demora anos para retirar do ar conteúdos realmente ofensivos,
passa a agir alinhada ao governo Trump para censurar homenagens ao falecido
general iraniano só deixa claro o quanto governos e grandes corporações
interferem na nossa liberdade de expressão, tornando-a uma mera falácia. Não
importa para eles se você está sendo intolerante ou não, desde que se fale o
que eles querem (ou no caso não se fale do que eles não querem).
Zuckerberg prometeu censurar postagens para alinhar com as sanções do governo Trump
O caso não foi o único comentado
nesse início de ano. A censura também foi pauta da entrevista do ator
brasileiro Wagner Moura, atualmente trabalhando num filme sobre o diplomata
brasileiro Sergio Vieira de Mello, falecido em 2003 após ser vitimado por um
ataque terrorista no Iraque, onde representava a ONU como representante do
Secretário-Geral, filme à ser co-estrelado pela atriz cubana Ana de Armas.
Wagner recentemente teve outro filme biográfico, este sobre a vida do militante
de esquerda Carlos Marighella, foi censurado de forma velada pelo governo
Bolsonaro. O longa que tinha como data de estreia o dia 20 de novembro do ano
passado, dia da consciência negra (significativo uma vez que Marighella no
longa dirigido por Moura, é interpretado pelo ator e cantor Jorge Mario da
Silva, o conhecido como ‘Seu Jorge’, apresentando assim um Marighella negro),
mas teve entraves na burocracia da ANCINE. O filme, porém, teve sua data de
estreia anunciada para 14 de maio no Brasil, mas já foi bastante aclamado ao
redor do mundo.
A medida só corrobora a linha
ideológica seguida pelo governo Bolsonaro. Grande acusador de que a agência de
fomento seria de forma doutrinadora, favorecendo uma possível ideologia de
esquerda, Bolsonaro faz exatamente aquilo que sempre acusou os outros de
fazerem e além de aparelhar a agência que deveria ser técnica e isenta
ideologicamente, enchendo seu comando com pessoas alinhadas com a ideologia do
seu governo, chegando ao ponto de seu porta-voz afirmar que a ANCINE precisava
se ‘alinhar com o sentimento cristão da sociedade’, censura produções que, ao
seus olhos, personificando assim uma escolha que deveria ser imparcial, não são
adequadas. Marighella foi apenas uma das produções censuradas pelo atual
governo. Filmes, produções teatrais e até mesmo peças publicitárias de órgãos
públicos sofreram a censura ideológica bolsonarista por conterem temáticas
ligadas, em sua maioria, a diversidade, como a produção teatral ‘Gritos’, ou
até mesmo a peça infantil ‘Abrazo’, que conta de forma sutil sobre ditadura,
censura e repressão, sofreram com censura de órgãos governamentais.
Moura classificou como censura medidas adotadas pelo governo Bolsonaro em relação à cultura
Não é surpresa atitudes semelhantes
vindas de países que optaram por colocar em seus governos linhas ideológicas
tão semelhantes, baseadas no autoritarismo e num conservadorismo burro. Mas nem
por isso deixa de ser preocupante. Vivemos, até onde nossa ilusão permite
acreditar, em uma democracia em que censurados deveriam ser apenas discursos
que colocam em risco a vida e a liberdade de outros, mas no fundo, são esses discursos
que estão ganhando força, enquanto qualquer tentativa de representação da
diversidade é reprimida fortemente. São tempos obscuros para nossa liberdade,
que fica só no discurso, mas só vai até onde os outros querem.
Sobre a coluna
De hoje a oito é uma coluna semanal sobre política que procura trazer em pauta assuntos referentes, principalmente, ao governo federal e acontecimentos nacionais, sem deixar de repercutir acontecimentos mundiais.
De hoje a oito é uma coluna semanal sobre política que procura trazer em pauta assuntos referentes, principalmente, ao governo federal e acontecimentos nacionais, sem deixar de repercutir acontecimentos mundiais.
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