Não houve avaliação apesar da mudança

Há uma semana, no último dia 7 de outubro, a maior parte do eleitorado brasileiro que se dispôs a ir às urnas votou pela renovação do quadro de figuras políticas, sobretudo do Congresso Nacional e das assembleias estaduais. O movimento parece ter aberto mão de medir o custo para a mudança e, sem conhecer os atores agora eleitos – muitas personalidades do entretenimento televisivo –, legitimou aquele que certamente será o legislativo mais conservador desde a redemocratização. A avaliação como prática defendida pelo discurso pró-renovação ausentou-se do processo eleitoral de semana passada. Não houve avaliação apesar da mudança.
Charge: Renato Machado
Independente do resultado da disputa presidencial entre Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) os próximos quatro anos prometem ser de acirramento na correlação de forças dos três Poderes, principalmente entre Executivo e Legislativo. Em caso de vitória petista, o raso embate ideológico tem tudo para ser permanente. Tal prognóstico somente não se confirmará caso os conservadores eleitos abram mão da radicalidade das ideias, o que parece descabido no momento e pode incorrer no crime de estelionato eleitoral. E mais, há o subterfúgio da legitimidade do voto, da preferência do eleitor por aquele posicionamento. Isso, mesmo que venha a ser – pelo histórico e discurso da maioria dos eleitos, o será – antipovo tanto economicamente, com pautas voltadas ao empresariado e mercado financeiro, quanto socialmente, na convocação para aprovação de projetos como a redução da maioridade penal e o cerceamento de direitos individuais em nome de segurança.

No caso da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) a briga pelo poder e a falta de comando apontam-se à frente do eleitor antes mesmo de uma eventual vitória no próximo dia 28. O eleitor médio, aquele que busca se informar acerca de política fora das redes sociais – especialmente Whatsapp e Facebook –, pôde acompanhar divergências significativas entre partidários, com a demissão de assessores sem muitos esclarecimentos, e dos integrantes da própria chapa presidencial.  Por vezes nesta campanha o capitão da reserva teve de vir a público para reparar, desconversando e fazendo pouco caso, algum posicionamento – sincero, diga-se – do general da reserva Hamilton Mourão, que concorre à Vice-Presidência da República em sua chapa. A título de exemplo, assim agiu Bolsonaro nos episódios em que seu vice afirmou que “temos [Brasil] uma certa herança da indolência, que vem da cultura indígena” e a “malandragem é oriunda do africano”, ou, mais recentemente, quando definiu o 13º salário como uma “jabuticaba” que incha a folha salarial. Este último, por “pegar no bolso” – no popular –, recebeu críticas inclusive de militantes.
Charge: Renato Machado
Há quem sente pena por haver apenas um Bolsonaro. A justificativa seria a de que o presidenciável também precisa de um “bombeiro” para momentos controversos e ele próprio fazendo sua defesa quebra o princípio da independência, da “auditoria externa”. O primor ímpar com que Bolsonaro defende seus aliados após falas que, estando o eleitor consciente e em cenário político normal, seriam rejeitadas categoricamente por parte considerável da opinião pública, torna necessária a figura de outro Bolsonaro, carregado do mesmo cinismo e mau-caratismo, para defendê-lo em situações como da Hebraica carioca, em abril de 2017, quando disse que sua filha, apresentada no programa eleitoral como “xodó”, seria fruto de uma “fraquejada”, ou do Roda Viva, em agosto passado, com a constatação de que “se for ver a história realmente, os portugueses nem pisavam na África, eram os próprios negros que entregavam os escravos” – faltou um “tá ok?” –. Em suma, falta um Bolsonaro, com seus violentos militantes de redes sociais, para defender Bolsonaro das próprias enroscadas.

Apesar da orientação ideológica e programática da coligação “Brasil Acima de Tudo, Deus Acima de Todos”, de PSL e PRTB, serem compatíveis à agenda de projetos que já tramitam com facilidade nas duas Casas legislativas, o fato de ser uma aliança composta por legendas nanicas do jogo partidário derruba a análise de que Bolsonaro terá governabilidade irrestrita. O apoio é certo, porém a disputa pelo poder no Congresso traz aspectos diversos. Entre eles está a história, tradição e parceira ante a ameaça do despreparado. Partidos históricos e tradicionais, fortemente atingidos pela votação de domingo, já articulam para que os bolsonaristas eleitos pela coligação não comandem a Câmara nem o Senado, apesar de sua bancada ser a segunda maior na primeira Casa, com 52 deputados, e ter conseguido 4 senadores para a legislatura que se inicia em 1º de fevereiro de 2019.

Para o articulista, o resultado das urnas leva a duas interpretações: o eleitor brasileiro não votou naquele(a) que mais se aproxima de seus ideais e optou por pura renovação sem ver a quem, numa espécie de protesto, ou enfim encontrou quem de fato sempre o representou, mesmo que este hasteie como bandeira os mais retrógrados pensamentos e projetos para o País. A última percepção justifica a análise que aponta para um processo de desmascaramento da sociedade brasileira.

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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2 comments so far,Add yours

  1. É duro falar em desmascaramento. Claro que há uma sociedade extremamente conservadora, uma sociedade de "filhotes da Ditadura", uns que viram, adeptos da "Síndrome de Estocolmo", outros que sabe-se lá por qual razão, passaram a sentir "tesão" por isto de-repente. Mas eu vejo que há muito de DOUTRINAÇÃO nisto, os discursos desta gente são prontos e cheio de loucuras, das quais eles aparentam ter tanta certeza. Não são tão bons atores assim, eles tem realmente "certeza" das loucuras que dizem.

    Estamos mergulhando no abismo.

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  2. Citei um suposto processo de "desmascaramento" como algo que ouvi nas ruas. Estou mais com a primeira percepção, a de que o eleitor votou por pura renovação mesmo sem conhecer os responsáveis, na visão dele, pela tal renovação. Claro que intensamente influenciado pela desinformação das redes sociais.

    Em momentos como o atual, em que, sim, "estamos mergulhando no abismo", a resistência tem de prevalecer.

    Muito obrigado pelo comentário.

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