Larguemos a muleta da inércia, do
“não gostar”, e lancemos à luta
Traçar uma linha cronológica sabendo que isso seria o mínimo
para explicar, talvez entender, a motivação para invencionices que propagam,
hoje, a alteração do sistema político é o caminho menos sinuoso para o debate.
Mesmo sendo algumas alternativas à revelia do regime democrático, a descrença
popular na política e suas consequências como ameaça à democracia é princípio
para a discussão e, mais do nunca, exige análise aprofundada.
Ao determinar a ordem cronológica dos governos democráticos
brasileiros e o uso de instrumentos que permitiram, com auxílio da intensa
movimentação popular, mudanças significativas na administração do País, a
história aponta como reflexo de pouco menos de 30 anos da “Nova República” a
descrença na política. Apesar da luta, a opinião pública parece ter perdido a
conversão daquele que parecia ser o início de um futuro almejado, o regime
democrático assegurado por uma Constituição abrangente, em um país em que a
politicagem é imperativa e dita os caminhos.
O eleitorado brasileiro que foi às urnas e usou pela
primeira vez o instrumento democrático do voto, já no pós-regime militar, em
1989, não imaginava que a era Collor encerraria como governo Itamar e que o
segundo presidente da “Nova República” seria outro Fernando e que este, formado
em sociologia, compreenderia com tanta facilidade o jogo político que traria
para o seu lado um “engavetador” de denúncias e uma legião de parlamentares que
o defenderiam nas tribunas do Congresso.
O mesmo eleitorado não poderia saber que o primeiro
presidente de origem popular, muito pelo seu passado como sindicalista e
referência para movimentos sociais organizados, seria eleito em 2003 e daria ao
País destaque e visibilidade no cenário mundial, não mais como nação submissa
ou mero ponto de extração de matérias primas. Aquele mesmo eleitorado, o
primeiro pós-regime militar, não sabia que o mesmo instrumento do voto levaria
uma mulher à administração do País em 2010. E foi neste período que,
curiosamente, a versão século XXI das convulsões populares, insatisfeita com o
modus operandi da politicagem impregnada nas instituições, retornou às ruas no
“despertar” do “gigante” que, em princípio, abraçou um movimento pela
gratuidade no transporte coletivo e em seguida, com a difusão de pautas e
apropriação do movimento por grupos organizados, degringolou em tempos
conturbados e reacionários.
Com o “gigante” acordado e nas ruas, a democracia mostrou-se
estremecida e o debate político, que nem mesmo durante governos ditos
progressistas foi intensificado, evidenciou-se frágil, muito por conta da
imaturidade do regime democrático. A fragilidade perfeitamente aplicável à
metáfora do engatinhar de uma criança fez - e ainda faz - com que a massa,
responsável outrora na frente da luta por um regime democrático, comece a
considerar alternativas que atingem diretamente a mesma ordem democrática. Ela
começa a propor mudanças que não são bem mudanças. São “pontos de restauração”,
aqueles considerados apenas porque em algum momento da história transmitiu uma
ilusória normalidade no comando das instituições e a falsa impressão de que tudo
dava certo. A título de exemplo, o cada vez mais frequente clamor por uma intervenção
militar, aquela que desconsidera tudo o que não está dentro dos limites dos
quartéis.
Enquanto de um lado há movimentos que pouco se importam em
carregar faixas, cartazes e contratar caminhões de som para difundir estórias –
com “e” mesmo, ficções – sobre o período em que o País esteve sob a tutela dos generais,
um outro lado já vislumbra introduzir características deste mesmo período por
meio do voto, símbolo maior do regime democrático, na figura do candidato Jair
Bolsonaro (PSL), que disputa o 2º turno das eleições contra Fernando Haddad
(PT).
A aceitação de candidatos, pelo regime democrático, que não se
mostram tão afeitos ao mesmo regime e que, se preciso, revogarão
aspectos democráticos, para os mais simplistas recaí sobre uma suposta
“descrença política”. Por sua vez, essa descrença política, que parece ser algo
incontrolável, pertencente apenas à sociedade civil e consequência única e
exclusivamente dos ditos “escândalos de corrupção”, sofre forte influência das
operações de investigação e a maneira como suas ações chegam por meio da grande
mídia. Sincronizadas para cumprirem o papel de “cortinas de fumaça” em
contraposição aos desmandos de um governo impopular, sendo o mais famoso de
seus figurinos o de “Lava-Jato”, essas operações e o espaço custoso que elas
ocupam na atual imprensa deixam, no popular, “pulgas atrás da orelha” pela
seletividade nas investigações e condenações.
No país em que tudo está contaminado pelo vírus da
“corrupção”, as operações e a mídia quase não repercutem esquemas envolvendo o
sistema financeiro e a mesma mídia responsável por transmitir as informações. A
propósito, todas levam sempre ao mesmo partido político e, consequentemente, à
sua ideologia. Os supostos erros cometidos e pelos quais está pagando são os
mesmos de outras legendas – todos voltados à corrupção, tratada aqui como uma
espécie de combustível para a descrença política. A diferença é que, para as
elites, donas da mídia e parceiras do custoso Judiciário brasileiro, o erro
maior do Partido dos Trabalhadores – PT foi
ter definido novos horizontes para o País.
A instalação de “currais”, por parte da mídia, que condenam
o público a um perpétuo “bater na mesma tecla” faz com que parte da sociedade
recorra a uma “consciência conservadora” ou até mesmo ultraconservadora, imaginando
que a solução seja milagrosa e que virá a partir de um nome mítico a salvar-nos
todos da “desordem” e da corrupção, ou mesmo por meio de intervenções e regimes
totalitários. Nota-se aí que este fenômeno nada mais representa que o ato de
apoiar-se como sempre em muletas, seja na muleta do “não gostar” de política, e
com isso entregar os destinos nas mãos dos profissionais da política sem que se
avalie minuciosamente as propostas dos candidatos, ou como sociedade oriunda de
uma colônia de exploração, buscando sempre que outros intervenham e solucionem
as questões inerentes ao País, conscientemente ou não, delegando seus destinos
nas mãos de quem claramente tem encarado a política como uma profissão em que se
serve a si mesmo mais do que ao povo. Uma subversão ao real sentido da
política.
A saída para o atual estado de turbulência em que se
encontra o País é muito difícil de ser equacionada. Infelizmente, como
sociedade, estamos dando passos na contramão da solução. Muito depende, claro,
do poder público, em oferecer educação de qualidade que incentive o jovem a
pensar como um cidadão efetivo capaz de decidir o seu destino. E nesse
particular não há muitas perspectivas de mudanças a curto prazo. Há uma
deterioração do sistema público de ensino, e isso parece ser estrutural,
própria dos representantes do Estado. Esse uso da educação como mecanismo de
distanciamento entre a população e a política através da desinformação – e não
o contrário – favorece o jogo político de que os ditos “representantes do povo”
se alimentam.
Mas uma coisa está em nossas mãos. Larguemos a muleta da
inércia, do “não gostar” e lancemos à luta. Luta contra a desinformação e aqueles
que se colocam como novo enquanto representam velhas agendas políticas.
Dar à educação a importância que ela merece, como sendo o
alicerce necessário para uma sociedade igualitária e desenvolvida, e exercer a cidadania
de forma analítica e efetiva, é o meio de transformação do cenário político no
Brasil.
Por: Adriano Garcia e Claudio Porto.
Para críticas, sugestões ou dúvidas, deixe sua opinião na seção "comentários" logo abaixo ou escreva para: cons.editorialjc@gmail.com
Compartilhe nosso conteúdo nas redes sociais e clique aqui para conhecer a página de Política do JC!
Deixe seu comentário:
0 comments so far,add yours