Para militares que emparedam a democracia, há mulheres indignadas em movimento

“Eu fui em um quilombola (sic) em Eldorado Paulista. Olha, o afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas”. As palavras são do presidenciável que lidera, com larga vantagem, as pesquisas de intenção de voto e que recentemente foi esfaquado (clique) enquanto participava de um ato de campanha na Zona da Mata mineira. A declaração, proferida em abril de 2017 para o público seleto do Clube Hebraica do Rio de Janeiro, rendeu, após intensa pressão de movimentos sociais, denúncia por crime de racismo à Jair Bolsonaro (PSL). O pedido de abertura de ação penal foi protocolado pela Procuradoria-Geral da República – PGR no Supremo Tribunal Federal – STF, mas não chegou a ser acatada, apesar do placar apertado de 3 votos a 2 favorável ao candidato e, indiretamente, à relativização que o fez passar por cirurgia após o ato de Adélio Bispo de Oliveira.
Imagem: Cartunista Claudio Mor
O pedido foi julgado pela primeira turma da Corte, onde os ministros Marco Aurélio Mello – relator da petição da PGR –, Luiz Fux – um dos pais da moralidade vazia – e Alexandre de Moraes – presidente do colegiado e tucano de carteirinha – estiveram ao lado daqueles que permitem, ou finge não enxergar, o ataque a minorias políticas presente no discurso de Jair Bolsonaro (PSL), que muito deixou de ser político e pragmático, com ideias, e tem descambado para a incitação do ódio. Votaram a favor da abertura da ação os ministros Luís Roberto Barroso – outro moralista de plantão – e Rosa Weber.

Protocolado em 13/04, ou seja, um ano e dez dias depois de Bolsonaro (PSL) que dito aquilo que veio a fundamentar o pedido da PGR, o pedido de inquérito não esconde vícios de que se tratou apenas de formalidade. A começar pela morosidade do processo desde o fato, em 2017, até o julgamento final na terça 11/09. Ainda mais se tratando de um sistema que tem deflagrado corrida maluca, com desrespeito aos ritos e prazos, para impedir, por pura conveniência, a candidatura de figuras políticas A, B e C– neste caso, não é “Beyonce”.
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)
Na mesma linha de outras decisões, que pretensiosamente sempre são justificadas “em nome da estabilidade” – foi assim em casos envolvendo os senadores Renan Calheiros (clique!) e AécioNeves (clique!) –, a rejeição do pedido da PGR veio acompanhada de tramitação a bel prazer do ministro Alexandre Moraes, responsável pela pauta da primeira turma, que, além de retardar a discussão sobre o mérito, pediu voto-vista – um tempo para formular a posição – no primeiro dia de julgamento, em 28/08, quando o placar estava em 2x2. Na volta, já na terça 11/09, Moraes só faltou repetir a posição da defesa de Bolsonaro, que considerou o pedido de denúncia uma “piada”, e restringiu-se a considerar a fala do candidato uma “grosseria”. “Não me parece que, apesar da grosseria, do erro, da vulgaridade, do desconhecimento das expressões, não me parece que a conduta do denunciado tenha extrapolado os limites de sua liberdade de expressão qualificada, que é abrangida pela imunidade material. Não teria extrapolado, a meu ver, para um discurso de ódio, xenofobia ou incitação ao racismo”, afirmou o ministro.

Imagem: Chargista Laerte Coutinho
Os votos favoráveis ao presidenciável basearam-se na imunidade parlamentar de dele, que é deputado federal há aproximadamente 30 anos. Prerrogativa que Bolsonaro gosta de levar debaixo do braço, como da vez em que esteve no programa RodaViva (clique!), e usar como argumento para críticas a seu discurso. Os ministros interpretaram que Jair estava a falar com os associados e convidados da Hebraica na condição de parlamentar, quando a prerrogativa é válida, sobretudo, para pronunciamentos nas tribunas do Congresso e naquelas participações em que o parlamentar está a representar seus pares. Caso a PGR protocolasse outro pedido, o mesmo valeria para a ameaça: “vamos fuzilar a petralhada toda aqui do Acre!”. Aliás, esta foi a última promessa de Bolsonaro antes de ter sido esfaqueado (clique!). O deputado acumula ainda a afixação de cartaz  em seu gabinete com os dizeres "quem procura osso é cachorro", em referência aos familiares de vítimas da Guerrilha do Araguaia.

Foi na mesma Hebraica que Bolsonaro falou da “fraquejada” quando do nascimento de sua filha em meio a outros quatros filhos homens. Na forma de combate a isso, as mulheres tendem a “salvar o País” com a repulsa a candidatura do capitão da reserva – 49% do eleitorado feminino o rejeita, segundo o último Datafolha; e com o fortalecimento de campanhas nas redes sociais – um grupo de discussão política no Facebook intitulado “Mulheres Unidas Contra Bolsonaro” alcançou a marca de 1,5 milhão de mulheres convidadas, das quais 800 mil aceitaram, segundo reportagem da edição brasileira do jornal El País, e promete atos contra a misoginia, racismo, homofobia, sexismo e preconceito para o próximo dia 29/09, em vários municípios do País –.
Imagem: Cartum de Gilmar, o "Cartunista das Cavernas"
Em marcha simbólica, as “mulheres indignadas com Bolsonaro”, como consta da descrição da conta na rede social, caminham na defesa de tempos sem intolerância e autoritarismo. A decisão do grupo vai à contramão do que pensa o vice de Bolsonaro, general Hamilton Mourão, que chama torturador de “herói” e ameaça, sem pestanejar, o estado democrático, com o seu “autogolpe” – não previsto na Constituição e com a condescendência dos porta-vozes do maior grupo de comunicação do País (vídeo abaixo) –, e do comandante do exército brasileiro, general Eduardo Villas Boas, que, de antemão, questiona a legitimidade do próximo presidente da República, caso este não venha a ser Bolsonaro. Para eles, tudo resume-se a golpe. 
 Vídeo: Reprodução / Canal "Vinicius Carrion F. Pires" no Youtube

“Mulheres uni-vos”, diz o cartum de Carol Andrade, vulgo “Barbie Cospe Fogo” nas redes sociais. Elas têm se unido contra o grupelho retrógrado. Não por acaso, 49% deste segmento, de acordo com a última pesquisa Datafolha, negam-se a votar no capitão da reserva e vão salvar o Brasil de dias ainda mais obscuros. 
Imagem: Cartum de Carol Andrade


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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2 comments so far,Add yours

  1. Excelente texto como sempre amigo, mas eu vou ainda mais fundo no questionamento aos leitores e a sociedade. SIM, a "Imunidade parlamentar" prevê uma espécie de "ampliação" da liberdade de expressão, eliminando até mesmo a possibilidade de ações por calúnia e difamação. Mas está na escrita da lei que um parlamentar pode se valer disso para atos claros de racismo e sexismo que ferem a dignidade humana? Será que podemos acreditar ou aceitar que a imunidade parlamentar dê direito a eles de ferir a dignidade de outro?

    Isso feriria qualquer ética, além de ferir o preceito constitucional de que todos são iguais perante a lei, ainda que para o exercício da função parlamentar tenham direito a um "alargamento" do direito a expressão. Não me parece aceitável que alguém tenha salvo conduto para ferir a dignidade do outro apenas por ser parlamentar.

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  2. Sensacional texto expondo essa atrocidade que o judiciário brasileiro comete, independente do parlamentar envolvido com esse tipo de discurso é necessário que seja punido conforme as normas vigentes, não existe imunidade parlamentar ou comportamento de "deputado" para o racismo, são argumentos tão infundados e de quem tem o "rabo" preso que chega a ser ridículo, a decisão dos magistrados no meu ponto de vista libera que os apoiadores ou até mesmo o candidato piorem seu discurso de ódio e não sofram punições, pois estaram baseados na "liberdade de expressão".

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