O Brasil contemporâneo clama por discussão e não militância cega que não passa de patrocínio, base, para a polarização tão condescendente aos movimentos ditos “livres”  



As últimas semanas têm sido estranhas. Chocantes do ponto de vista do número de situações retrógradas que nos remetem aos tempos de militância, quando sob o manto das revoluções, pessoas foram às ruas por causas democráticas e igualitárias. As recentes intervenções em antecipar o término de mostra de arte, impedir que peças teatrais sejam apresentadas, juiz federal autorizando pseudoterapias em nome da moralidade e Congresso Nacional tentando “igualar” punições, até parece que, sim, voltamos aos tempos obscuros do pré-iluminismo. 
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)


Neste cenário, estamos à espera da razão, aquela que consegue definir, explicar, situações diversas como, por exemplo, a subjetividade das artes, a inexistência de uma patologia na homossexualidade e a ineficiência de se alterar as punições, no caso, igualá-las com a redução da maioridade penal, sem modificar o meio motivador. 


Quando saímos às redes para nos posicionar, muitas vezes com os ocos “SIM” ou “NÃO”, “A FAVOR” ou “CONTRA”, criamos o campo de batalha perfeito para a polarização que sustenta a galerinha dos movimentos dito “livre”. Eles, que outrora tomaram as ruas contra a corrupção, assistem a um presidente duas vezes denunciado por envolvimento em corrupção, e por falta de pauta saem a difundir ideais, no mínimo, fora de contexto. Aliás, contexto secular. 
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)


Séculos se passaram, lutas por direitos foram travadas, e essa turma vem com intuito definido em, assim como a atual classe política, também tomar o poder e com ele faturar. E, curiosamente, para o êxito nesse jogo político, eles contam muito com a participação irrestrita em seus “debates” furados.


Nos últimos dias, com temas pungentes no espectro político, a turma do dito Movimento Brasil Livre e suas sucursais, encontraram apologia a “pedofilia”, “zoofilia” e “sexualização de crianças”, numa mostra em terras gaúchas, e iniciaram um ataque – classificado por eles como “boicote”- desmedido, aderido por dezenas de milhares de internautas que ajudaram espalhar a informação falsa e pressionar o banco Santander, apoiador da mostra, em encerrar a exposição sem, nem mesmo, informar, muito menos conversar ou entender a intenção do curador. A única intenção levada em consideração, lamentavelmente, foi a da galerinha do Kim e do Holiday que, neste caso, obtiveram êxito, além do sucesso no “boicote”, ainda evitou-se que populares se preocupassem com o jogo político contraditório de Brasília.


Parte considerável dos que compartilharam a suposta presença de apologia a “pedofilia”, “zoofilia” ou “sexualização de crianças” na mostra, nunca foram a uma exposição de arte ou algo parecido. São pessoas que, por fatores socioculturais, definem a arte como dispensável, sem dar a ela o apreço condizente ao seu valor histórico em transgredir, por vezes, a lógica, o sistema propriamente dito. E isso, o fosso entre as artes e os populares, está incorporado em políticas públicas. É proposital. A lógica leva essa demonização as artes e cultura, ou o simples desprezo a essas áreas, muito a sério. Não deixa de ser um mecanismo. E essa engrenagem se inicia em reduzir à gratuidade do transporte a classe estudantil que, entre outras situações, subsidiava a visitação de estudantes a exposições, e termina em não divulgar informações básicas do contexto envolto nas obras, como por exemplo, as intervenções da artista plástica Kim Noble, que não estava em exposição na QueerMuseum,  mas foram usadas para difundir as notícias falaciosas daqueles que planejaram o “boicote”. 
 
Imagem: "What Ted Saw" (O que Ted viu) - Kim Noble

A artista britânica Kim Noble sofre com distúrbio de múltiplas personalidades e, na pintura compartilhada na semana do “boicote” (ESTA ACIMA), ela retrata experiências pessoais de exploração sexual quando era adolescente. Ela é a vítima, a violada na obra. Mesmo assim, choveu comentários difamatórios sobre a obra. 

Imaginem vocês se a lógica se inverte: ao invés de cortarmos direitos como a gratuidade no transporte público, nós incentivássemos a visitação as mostras de arte, ou melhor, ao menos tirássemos as muitas barreiras entre a maioria e as artes. Certamente as situações seriam diferentes. Não teríamos difamações. E, mesmo que tivéssemos, ao menos tentamos.   


Seguindo a tônica de censura e constrangimento, nesta semana, na segunda (18), o juiz Waldemar Cláudio de Carvalho, da Justiça Federal de Brasília, deu parecer favorável ao pedido da psicóloga Rozangela Alves Justina contra a decisão do Conselho Federal de Psicologia que, usando-se da resolução 01/99 - que proíbe psicólogos de implantar pseudoterapias para reversão de orientação sexual - , em 2009, cassou seu registro e a impediu de realizar “cura gay” em seu consultório. 


Rozangela também é missionária religiosa e, em 2009, chegou a dizer que a atração homossexual se dá "porque [pessoas homossexuais] foram abusadas na infância e na adolescência e sentiram prazer nisso". Ela, à época, ainda manifestou o surgimento de uma “ditadura gay”. "O movimento homossexualismo tem feito alianças com conselhos de psicologia e quer implantar a ditadura gay no país"


A decisão do juiz federal de Brasília em suspender a resolução 01/99, permitindo que psicólogos como a Rozangela não sejam punidos por comercializar a “cura gay”, abre um precedente enorme. Tanto que as “hashtag” sobre o assunto estão entre os mais comentadas das redes sociais. Enquanto muitos digladiavam sobre homossexualismo ser ou não ser doença, o mérito, a “perfumaria” que tem tomado à medicina, seja na dermatologia com seus métodos de limpeza de pele e afins, ou, mais recente, na psiquiatria, com medicamentos cognitivos com fortes influências na inteligência, e, agora, com a permissão de comercialização de tratamentos para “curar” o homossexualismo, foi deixado de lado. 


Atentos também para a proposta de lei, Nº 4931/2016, do deputado federal Ezequiel Teixeira (PTN-RJ), apresentada há um ano, e que “dispõe sobre o direito à modificação da orientação sexual em atenção a Dignidade Humana”. Caso o Conselho Federal de Psicologia não obtenha êxito em recorrer da decisão do juiz, ela será retomada pela Câmara dos Deputados, na Comissão de Seguridade Social e Família. A proposta também fragiliza a resolução 01/99 do Conselho Federal de Psicologia.  


Mais uma vez, se mudássemos a lógica, neste caso cabe “curar a lógica”, elucidando que não há doença em se relacionar com pessoas do mesmo gênero, não teríamos algo melhor que a criação de mais um mecanismo de faturamento? Certamente. Mas, lamentavelmente, sabemos ser menos complexo demonizar uma classe, ao invés de criar e implantar políticas públicas específicas a esse grupo. Lembrando que o país que sugere tratamento ao homossexualismo, é o mesmo que lidera o ranking de países que mais matam homossexuais no mundo.


Reduz para “controlar”


O Senado, em sua Comissão de Constituição e Justiça, retomou a discussão da PEC 21, de 2013, sobre a redução da maioridade penal. A Proposta de Emenda a Constituição é simplista: altera a maioridade de 18 para 16 anos, para que menores envolvidos em crimes possam responder penalmente como adultos. 


Mas, se basearmos no sistema carcerário brasileiro, sem mencionar a morosidade da justiça, o panorama é de adultos que não respondem penalmente, nem julgados são. Como ficariam os adolescentes/jovens? Certamente, encarcerados para, assim que deixar àquela realidade, retornar para a mesma que o levou até a carceragem.


A redução não traria nenhum efeito prático que não seja aumentar o número, já na casa de 600 mil pessoas, de encarcerados. E, caso haja pressão popular contra a redução, e a classe política aceite essa decisão da opinião pública, sem alterar a “lógica”, o jovem, infelizmente, continuará cometendo crimes. E parte considerável destes crimes - para não dizer a maioria - é contra a propriedade – roubos e furtos. São poucos os casos de crime violento. Pela ultima vez, se alterarmos a lógica e ao invés de lutarmos por mais armas ou reduções de maioridades penais e investíssemos em escolas, equipamentos públicos de cultura, e distribuíssemos melhor a riqueza acumulada sob poucas mãos, ou melhor, em algumas contas bancárias, certamente, teríamos outras coisas para discutir. 


Talvez pareça complexo, mas a ação em se alterar a lógica ou “curá-la”, poderia, ao menos, trazer algo diferente. E, mesmo que não traga, teríamos tentado. Precisamos discutir mais, gente! (Comente o que pensa sobre o artigo ou o assunto)


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Claudio Porto

Jornalista independente.

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3 comments so far,Add yours

  1. Muito bem colocado Claudio e "pa cabá" ainda tem a criminalização do Aborto em todos os cenários. Será que este Congresso vai aprovar isto?

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    1. Assim como outras pautas,se houver pressão popular, conseguiremos algo diferente das recentes decisões deste Congresso!

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    2. O triste é que parece haver uma anestesia social quase generalizada.

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