Carta de um santista ao nosso querido Zeca:

Zeca,

Como santista, eu gosto de você. Você tem o mesmo apelido do meu pai, e – como ele – não é muito de levar desaforo pra casa. Ele, no seu lugar, não teria dado uma bicuda na bola em direção à torcida, ele teria ido até a torcida e dado uma bicuda em alguém, ao melhor estilo Cantona.



Pra quem não sabe: Zeca se irritou com a cobrança de alguns torcedores e chutou uma bola em direção à torcida.



Eu entendo que não seja legal ser cobrado desse jeito, e sei também que muito do que o torcedor diz é injusto. Se você é realmente santista como diz, se tem mesmo família dentro do Santos, então sabe que o santista é de um maniqueísmo assustador. O santista, como o time, só tem duas cores: ou branco ou preto. Ou seja: ou as coisas estão lindas e o time vai ser eneacampeão brasileiro, campeão da Libertadores, da Copa do Brasil e do nosso 8302983º Paulista em sequência, ou o time é um desastre, precisa trocar de técnico, de zaga, de diretoria, e o rebaixamento é iminente. Não é um comportamento sensato nem saudável, mas o torcedor também não é sensato nem saudável. Ou seja: se você for mesmo um torcedor do Santos, vai entender isso.

(A propósito, um pequeno parêntese aqui: sei que é muito atraente pro jogador, especialmente pra cria da base, pagar de torcedor, de amor à camisa, e blablablablablá. Mas a menos que você esteja disposto a ficar a vida inteira no Santos, ou aceitar um corte de salário se o time estiver na pindaíba, pare com isso. Você é profissional, tem uma carreira, que vai durar mais uns 10-12 anos, e se um time europeu – especialmente um que dispute Champions League – te chama, você vai, e tem que ir mesmo. E vai voltar pro Brasil ao redor dos seus 30 anos, e se outro time que não o Santos te oferecer o triplo da provável mixaria que o Santos quiser te pagar, você vai pro outro time. E todo mundo que caiu nesse conto do vigário de amor à camisa vai te odiar. Então a gente pode cortar essa etapa toda e você pode falar como o profissional que você realmente é, e pelo menos parte de nós vai respeitar sua honestidade. Obrigado.)
Enfim. De volta às críticas. De fato não é muito legal ser achincalhado por um grupo de pessoas mercuriais que ou te amam ou te odeiam, ainda mais num estádio pequeno e que pode ser bastante hostil, como a Vila – mesmo semi-vazia. E você tem razão em cobrar que encham o estádio, pois ver jogos na Vila é muito legal. Só que tenta se pôr no nosso lugar um momento. A gente torce pra um time que, há menos de dois anos, estava sem dinheiro e na zona do rebaixamento no Brasileirão, sofrendo porque queria arranjar fundos sei lá de onde pra pagar o salário do Robinho. Confiamos em vocês e fomos presenteados com uma recuperação extraordinária, que quase nos rendeu uma Copa do Brasil (perdida por excesso de erros) e quase nos rendeu uma vaga na Libertadores (porque a comissão técnica esqueceu que pra conseguir vaga pela Copa do Brasil precisa ganhá-la primeiro). Ainda assim, o time mostrou uma boa forma.

Aí tivemos um ano passado muito bom, com um campeonato Paulista conquistado com autoridade contra um Audax muito bem montado e um time que, apesar de sem dinheiro, apresentou um futebol de muita qualidade e conseguiu com sobras seu principal objetivo, que era se classificar direto para a Libertadores. Chegamos até a brigar pelo título, que possivelmente teria vindo não fosse o hábito adquirido pelo time de se solidarizar com os times do Z-4 e ceder MUITOS pontos para times que terminaram na rabeira. Mas, enfim, o ano acabou com as expectativas lá no alto, e sabendo que dessa vez, o time tinha dinheiro para contratar.

Ou seja, você há de convir comigo que, se 2016 terminou com o time jogando bem, é um tanto chocante pro torcedor santista ver as apresentações MISERÁVEIS que o time vem fazendo. Não é o resultado em si, mas a dificuldade que o Santos tem em ficar sem tomar gols (demorou 5 jogos pra defesa sair zerada), a vulnerabilidade a lançamentos em profundidade, o fato de que nosso meio campo recupera poucas bolas e nosso centroavante, seja Kayke ou Rodrigão, mal toca na bola se a defesa adversária estiver minimamente bem postada. Você reparou nisso? Você reparou no baile que a gente tomou do São Paulo? Ou precisava de mais uns dois gols deles pra abandonar esse discurso ridículo de “dominamos, mas faltou sorte?”.

Minha cara vendo o Luiz Araújo doutrinar a nossa defesa.

Zeca, se você conhece o torcedor santista (e já que se diz um deles, deveria), sabe que o santista – ao contrário da maioria dos outros torcedores – não se prende tanto ao resultado. Ou melhor dizendo, não se contenta com resultado. A gente é do time que teve Pelé, que teve Neymar, que teve Robinho pedalando em plena final do Brasileiro. A gente quer ver o time ganhando e ganhando com autoridade. Despachar o Botinha de Ribeirão com gol do Longuine, desculpa, não apaga o fato de que o time tem jogado um futebol deplorável. E nem ouse pôr a culpa em desfalques, a diretoria teve muito tempo pra contratar e montar uma equipe com banco mais forte. Sabemos que é só o Paulista, que essa é a hora de jogar mal, pra evoluir. Sorte de vocês. Porque se jogar mal assim na Libertadores, aí sim que a torcida vai xingar.

Então da próxima vez que estiver putinho com a torcida, mira a bola na desgraça do gol, não na torcida. Só assim a gente pára. Olha só como ninguém te xingou nesse dia



Obrigado.
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Victor Martins

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