Para falar sobre o Museu da Diversidade Sexual, conversamos com Franco Reinaudo (53), Diretor executivo do Museu da Diversidade Sexual, ex-coordenador da Coordenadoria de assuntos da Diversidade Sexual da Prefeitura de São Paulo. Formado em Gestão Estratégica de empresas pelo Instituto delle Scienze Turistiche, em Firenze na Itália. Trabalhou por muitos anos na área de turismo e também prestando consultoria para empresas no sentido de políticas inclusivas para o público LGBT, dentro de empresas. Foi uma conversa muito franca e agradável, onde ficou clara a importância de um espaço como este, que preserva a memória e promove a integração do público LGBT, seja com a própria comunidade, seja na importante função de diminuir o preconceito e o distanciamento da sociedade em relação a essa importante parcela da sociedade, o museu é um importante marco na quebra dessas barreiras. O Museu completa 4 anos, instalado na Estação República do Metrô, e recebeu no último dia 23, homenagem do Papo Mix (Clique), pela contribuição do Museu para a cultura e a população LGBT paulistana. Desde o último dia 17 (Dia Internacional contra a Homofobia) está em cartaz a exposição Sonhar um Mundo, falaremos dela também. 


Jovens Cronistas – Adriano Garcia: Primeiramente como esse projeto chegou pra você na sua vida profissional?

Franco Reinaudo – Diretor do Museu da Diversidade Sexual de São Paulo: Olha, eu de certa forma tem muitos anos que trabalho com essa questão da militância LGBT, acho que desde os meus, sei lá, dezoito anos que eu de certa forma estou  ligado a essas questões, então, chegou momento da minha vida profissional que, ainda bem, tive uma estabilidade financeira, aí eu resolvi que como eu trabalhei muitos anos com o segmento, e que de uma certa forma me deu retorno financeiro, resolvi estar de volta de alguma forma. Comecei trabalhar na Parada – do orgulho LGBT em São Paulo - isso em 99 fazer trabalho de planejamento estratégico, de desenvolvimento do evento, e isso teve uma repercussão bacana não só eu claro, era uma equipe de pessoas que trabalharam pra construir um pouco esse planejamento da parada e a partir daí, foram acontecendo algumas coisas na minha vida que me levaram a esse caminho de trabalhar forte com esse segmento, a ideia do museu ela nasceu na prefeitura, uma demanda das pessoas que tinham vontade de ter um espaço aonde pudesse concentrar um  pouco as informações sobre o segmento, as questões culturais e a própria história né. A gente pensou em várias formas de fazer isso e até alguma coisa digital, na internet, mas sempre teve essa ideia de ter espaço físico, que a gente achava importante e foi um pouco isso dessa ideia que a gente tentou achar alguns lugares, a gente foi procurando alternativas então fomos conversar com o (governo do) estado, com o governo federal, tentar criar essas parcerias, foi quando o governo do estado realmente achou a ideia incrível, correu atrás e conseguiu esse espaço, eu sai da prefeitura, estava pronto pra voltar pra iniciativa privada, essa era minha ideia, quando me chamaram pra tocar esse projeto do museu ele estava um pouco parado, as essas coisas são assim no poder público, tem uma burocracia que dura, enfim, então eu resolvi assumir.

JC: Você citou a Parada (do orgulho) LGBT, você considera juntamente com a parada esse museu como marco nessa luta da questão diversidade e se sim, que outros projetos que você considera também importantes pra essa causa de que forma que eles são marcos? Afinal, você participou muito disso.

Franco Reinaudo: A Parada é fundamental, pra quem não viveu isso, antes das Paradas as pessoas questionavam  se os homossexuais existiam, era muito engraçado porque a gente tem que entender muitas vezes que você não tem marco identitário, que por você ser homossexual diferente dos outros segmentos você os enxergue né, estou falando de negros, mulheres eu vejo nessa questão da homossexualidade, que você não enxerga, a não ser que a pessoa fale pra você, então antes da parada tinha muito esse questionamento, a partir dessa Parada principalmente de 2000 onde aparecem 100 mil pessoas, que essas pessoas que iam escondidas, mascaradas era muito engraçado iam poucas pessoas antes, mas em 2000 aparecem 100 mil pessoas, esse marco eu acho que registra o fato, a partir daí ninguém mais pergunta se são poucos, quantos são, quer dizer você vê essa multidão de gente apoiando também essa causa faz com que isso seja algo do passado e também cria, eu acho, um movimento muito importante das pessoas começarem  a sair do armário que é como a gente fala, se assumirem, começar demostrar afeto publicamente isso não acontecia. 
Então eu acho que as paradas são uma revolução, uma revolução não só nessa questão de uma parada enorme gigante como tem em São Paulo, mas nesse processo importante social, porque ela acaba acontecendo em muitas cidades, até nas pequenas do interior do Nordeste, do Sul, lugares onde isso é muito perigoso, claro que aqui também é mas uma cidade grande, você pode passar despercebido, em uma cidade pequena não, as pessoas te conhecem então acho que as paradas tem essa função fundamental. Eu fico bravo quando existe essa crítica “ah, a Parada virou um carnaval”, esse tipo de coisa, eu acho que as pessoas não percebem a importância que é o ato político e a visibilidade de você estar presente e as pessoas verem essa quantidade de pessoas, isso já é um ato político a parada não precisa fazer mais nada – em termos de protesto - mesmo porque é impossível você ficar fazendo discurso, ou coisas do gênero, as pessoas vão de diversas maneiras, mas acho todas estão lá pra falar: “Olha eu to aqui, eu apoio ou eu sou”, então eu acho que o fundamental da parada é esse ato político gigantesco que transformou realmente a história da população LGBT, acho que o museu vem um pouco como todas as outras coisas que acontecem, a legislação, o espaço de denúncias, enfim, as políticas públicas pouco a reboque, desse movimento das paradas isso eu não tenho dúvida. E o museu eu acho que é um ponto e também fundamental, porque é importante a gente dizer algumas coisas: como o museu da diversidade sexual em São Paulo, você vai encontrar três outros equipamentos no mundo ou quatro, os principais hoje em Berlim e um em San Francisco (EUA), com essa mesma temática, ou seja,  o Brasil, a cidade São Paulo tem um equipamento que só existe em dois outros lugares no mundo,  isso é algo que a gente às vezes não reconhece,  mas que é muito importante e como demonstração de apesar de nosso país ser essa coisa meio estranha estrambólica digamos assim,  você tem um espaço que só outros dois países tiveram a capacidade e a coragem  de criar e eu acho que ele a intenção dele – museu - essa questão de preservar a memória e fazer a pesquisa, enfim guardar o acervo dessa população é um fato muito importante também,  por que isso não acontecia, então acho que o museu é um pouco da evolução dessas questões que antes a gente brigava por direitos, quer dizer, continua brigando, mas agora a gente também tem espaço pra preservar essa história esses direitos de alguma forma então ele é um espaço importante, e claro é ligado à cultura mas acho que essa ligação é muito importante, além da cultura a questão dos direitos humanos, então acho que ela é fundamental,  vamos ver se ele consegue evoluir de alguma forma, mas acho que ele já tem uma história importante em relação a essas questões.

JC: Então, você acha que o museu cumpre esse papel de uma função social de unidade da população LGBT em si?

Franco Reinaudo: Eu não tenho duvida que na hora que ele tiver construído, porque e importante a gente dizer que ele está em processo ainda de construção, apesar de ele fazer 5 anos, ano que vem, ele ainda esta sendo construído, as vezes a gente fala museu, museu tem uma serie de definições, mas em geral museu e algo que guarda a memória, que preserva um determinado assunto, um determinado período, tem uma determinada, digamos assim circunscrição histórica. Enfim, agora a gente tá falando de um museu que fala de pessoas, as pessoas tem outras características, por exemplo, uma questão fundamental que a gente esta discutindo do nosso plano de acervo, que tipo de acervo a gente vai ter, porque quando eu falo de alguma pessoa eu posso ter roupas, posso ter fotografias, posso ter documentos, posso ter milhões de coisas ne mobiliário enfim, esse processo de construção do museu está ainda sendo feito, estamos construindo o que a gente chama de plano museológico que vai definir isso, é importante porque a gente não tem referência, como a gente falou agora são outros dois no mundo, um museu desse tema está sendo discutido junto com a população, junto com o segmento, e é importante que isso seja assim, acho que e a parada e esse processo de juntar a população pra estar  dentro, acho que o museu só vai ter função se a gente tiver uma participação efetiva da população de alguma forma,  uma hora a gente vai ter que achar os canais, as formas de ter a população dentro do museu cuidando, propondo, enfim, tomando conta do espaço, invadindo ele, essa é a ideia principal, agora a gente está nesse processo ainda de construção, mas eu acho que ele tem esse papel, eu brinco sempre que ele e um museu militante, tem que ser um museu militante, ele não é um museu que espera alguma coisa, é um museu que tem de correr atrás.

JC: Você falou sobre a mudança do museu pra um casarão na paulista, como você vê esse período na estação República que sempre foi u “marco zero” na integração do público LGBT? O espaço atendeu as necessidades do museu?

Franco Reinaudo: A gente vai deixar o espaço lá – Após a mudança - porque hoje a gente tem o que a gente chama de espaço positivo, temos 100 metros quadrados lá, mas ele não comporta acervo, não comporta biblioteca, ele só comporta exposições, que a gente ainda tem certa dificuldade quando é algo muito grande, então a ideia é que o museu ali, ou esse espaço positivo continue quando a gente for pra Paulista mesmo assim vai ser um espaço que a gente vai deixar lá, porque ali e um espaço de grande visibilidade e também a gente entende isso que você esta dizendo, a republica é uma marco importante de varias maneiras uma porque ali acho que aconteceu uma coisa triste, que foi assassinato do adestrador de cães – Edson Neris da Silva, espancado e morto na praça da República por Skinheads - em 2000, que foi também um marco nessa questão, quando realmente a população se levantou e o grupo de skinheads foi preso, isso acontecia e em geral não acontecia nada, e porque ali também e um espaço onde vive e convive a população, então a gente acha importante manter esse espaço, mas a paulista também é um marco, ela e uma marco das lutas, a gente achou incrível a ideia de ir pra paulista porque ela tem todo um histórico, ali aconteceram grandes protestos, marchas, enfim e a parada, então a gente vai estar ali na parada.

JC: Você crê que os meios de comunicação podem ajudar na difusão da ideia, tanto da causa LGBT em si, como do museu?

Franco Reinaudo: Ah, eu acho que é fundamental eu que tenho uma ligação forte com essa questão da comunicação acho fundamental você construir nesses meios e um pouco mais amplo, na publicidade, no jornalismo, nas mídias na televisão, nessa questão da informação, é importante que isso seja pautado de uma maneira transparente, o que a gente vê é muitas vezes um visão muito estereotipada do homossexual ou muitas vezes a pessoa nem enxerga que aquilo que a gente está falando e que essa população existe, por isso que a gente usa esse termo heteronormatividade, que se presume que toda população seja heterossexual, então quando você vê nas propagandas essas questões, na maioria das vezes, hoje você vê mais, mas em geral não são inclusivas, não só nessa questão, também  na questão da população negra enfim. 

Acho que é importante essa mudança de comportamento pra se enxergar que as pessoas são diferentes, por isso que a gente chama museu da diversidade sexual, quis usar esse nome justamente por isso, essa palavra diversidade define um conceito que eu acho que é muito importante que as pessoas não são iguais elas são diversas, a população não é igual, são diferentes, no seu jeito, nos seus gostos, nas suas orientações na forma que elas expressam o seu gênero, eu acho que a propaganda precisa entender isso, e as empresas precisam entender essa mudança muito importante que aconteceu, que antes você pensava o seguinte: “Eu vou produzir muito, tudo muito parecido pra reduzir custo”, era o Ford falando, todo mundo pode escolher seu carro desde que ele seja preto e hoje os carros da Ford são todos coloridos, todos diferentes porque nesse processo aconteceu essa mudança, acho importante pra quem faz publicidade ou lida com isso, enxergar isso e estudar as especificidades de cada segmento pra você atender a necessidade do seu cliente e não a sua necessidade de lucro, por que acho que o que vai gerar lucro no futuro e isso, você atender as especificidade de cada grupo.

JC: Há um espaço que me marcou muito quando eu lá estive – Exposição Diversidade Futebol Clube - que era um painel contando a historia de um jogador de futebol inglês – Justin Fashanu, que viu a carreira decair após assumir a homossexualidade - que acabou se suicidando. Isso é muito marcante, há outras coisas que você pode destacar como marcantes no museu?

Franco Reinaudo: Apesar de ser um espaço pequenino, a gente que criou uma serie de estratégias ali pra poder conversar com o público, então a gente pensa muito, tem muita gente que passa, mas não entra, não entra porque “não gosta”, não entra porque não pode, por pressa eu estou passando ali de metrô, e como a gente fala com essas pessoas e fala sobre isso que você está falando, ter as estratégias de deixar todas a janelas abertas, então a pessoa que passa vai ver um pedacinho, vai ler uma história, enfim. Agora, a gente lota o museu também  pra poder se comunicar e a gente sempre tenta de  alguma forma trazer histórias e trazer também outros exemplos de discriminação pra que a gente possa falar de uma maneira mais ampla sobre essa questão dos direitos humanos. 

Agora, o museu provoca uma reação nas pessoas, ás vezes boa, eu sempre fico na porta olhando principalmente no começo, eu via quando passava um homossexual ou uma lésbica ai falava “nossa” e abria um sorriso, ou tirava uma foto, era bacana como você percebia que as pessoas que são homofóbicas ficavam revoltadas e a gente já chegou a ter até gente escrevendo: “museu da pouca vergonha”, mas acho que esse é o papel dele mesmo, estar naquele lugar de visibilidade e provocar essas reações favoráveis ou não, mas  a gente quer discutir isso com a sociedade e é importante que as pessoas entendam que essa questão é importante e que aquilo é um espaço do governo que fala sobre isso. Então quando a gente coloca textos e fala pouco essas historias é um pouco isso, pra pessoa também se colocar no papel desse jogador que acabou se suicidando, que não suportou a pressão, é muito engraçado porque essa exposição que a gente fez na verdade ela tinha uma outra lógica, ela ia falar sobre discriminação no futebol  e a gente não conseguiu um jogador pra dar um depoimento, então a gente optou por contar as historias e na maioria são historias de pessoas que não são brasileiras, como esse jogador, porque a gente não conseguiu recolher material aqui, então você percebe que esse espaço do futebol e um espaço bastante hermético, fechado e que não se discute muito essa questão da diversidade sexual .

JC: Você falou agora á pouco sobre as reações em relação ao museu, como que você percebe a interação do publico hetero em relação ao museu e se o museu dentro desses quatro anos que ele está em atividade conseguiu juntamente com as demais ações importantes como a parada, modificar a percepção do heterossexual em relação á população LGBT?

Franco Reinaudo: Olha, eu acho que sim, porque tem uma coisa que eu sempre ouvi de um amigo meu que era mais velho, ele falava que  a gente tem algumas maneiras de combater o preconceito e trabalhar essa questão da discriminação, uma delas e com o convívio, porque você acaba acostumando, por que o que e preconceito, é o medo que você tem do que você não conhece, então quando você passa a conhecer e conviver, acho que isso se desfaz um pouco, o que a gente tem na nossa sociedade é um problema educacional muito grande, você não discute essas coisas na escola, você não aprende, você não sabe, então muitas pessoas tem o que elas tem informações, de ouvir falar . Então quando você faz uma parada, quando você coloca um museu dentro do metrô, em que milhares de pessoas passam, o que acontece, no primeiro dia talvez ela estranhe, no outro dia ela xinga, mas depois ela passa e passa a conviver e “opa”, pera ai isso aqui é bacana, olha que bonito isso, enfim. 

Acho que essa convivência é fundamental pra que a gente mude a situação, quando as pessoas aparecem, elas se identificam e passam conviver com seu circulo de amigos, no trabalho desse jeito, acho que essa é a melhor maneira da gente combater o preconceito, as pessoas vão ver que há pessoas legais ou não, mas ela é igual no sentindo amplo dessa palavra. Então eu acho que sim, a parada, o museu, as manifestações e o caminho a gente está caminhando, são muito importantes pra que a gente possa construir uma sociedade mais justa e mais solidária, inclusiva todas essas coisas.


JC: Por fim, queria que você deixasse seu recado pra quem já conhece e pra quem não conhece, vir conhecer o museu e apreciar também essa ampliação, ela tem previsão?

Franco Reinaudo: Acho que vai demorar um pouquinho, a crise econômica acabou afetando todo mundo, um projeto desse porte, a construção desse museu é muito particular, ela está sendo feita com tranquilidade, a gente está com uma equipe bacana de museologos, tem o processo restauro do casarão, é um casarão antigo, então assim vai demorar por conta da crise. Mas a gente está caminhando nos outros processos de construção dele, conceitual, enfim. Convidar as pessoas então a irem lá, a gente está em uma localização bastante fácil dentro da estação República do Metrô atrás da bilheteria, o museu funciona de terça a domingo das 9:00 ás 18:00 e em Maio a gente abriu uma exposição bacana, que se chama “Sonhar um mundo”, do artista Paulo von Poser e Márcio Zamboni, que fala sobre direitos humanos e a gente está muito contente com isso, a gente aborda nela essa questão dos direitos humanos desde o dia 17 de Maio, dia de combate á homofobia, pra falar de direitos de todo mundo e a exposição vai até o final de Agosto. 


Fotos: Acervo Entrevistado
Produção: Gustavo Moreira
Reportagem: Adriano Garcia



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Adriano Garcia

Amante da comunicação escrita e falada, cronista desde os 15 anos, mas apaixonado pela comunicação, seja esportiva ou com visão social desde criança. Amante da boa música e um Ser que busca fazer o melhor a cada dia.

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