Radiografia dos dias que levaram a figura política mais popular do País à prisão. Lula teve de deixar o povo para se entregar à Justiça dos dias atuais

Os primeiros dias de Abril extrapolaram, sem a devida autorização, as 24 horas que cada um tem direito. A continuidade da sessão do Supremo Tribunal Federal, interrompida por conta do feriado de páscoa, que julgava conceber ou não o habeas corpus preventivo para o ex-presidente Lula deu o norte para os dias subsequentes à quarta-feira (04), data em que os ministros julgaram o objeto do recurso impetrado pela defesa para evitar a prisão do ex-presidente.
Imagem: QUADRINSTA (@Quadrinsta no Instagram e no Twitter)
Aquela quarta-feira, que abriu a sequência de dias intermináveis, só terminou à uma hora da manhã de quinta-feira (05), quando encerrou a sessão que durou mais de onze horas e decidiu pela por permitir o espetáculo midiático da prisão de Lula, já que os mesmos ministros da Suprema Corte devem rever a execução provisória da pena em 2ª instância e voltar a respeitar a Constituição em seu 5º artigo, inciso LVII, que diz “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Neste caso, a liberdade de Lula, que é réu primário e manteve boa conduta durante todo o processo, é questão de – pouco - tempo. O mesmo vale para outros presos após decisão em 2ª instância que, analisadas as condições que levara-os a cumprir a sentença e não havendo razões justificáveis para o aprisionamento, também responderão o processo da forma prevista pela Constituição, em liberdade até a última instância, no Brasil, o STF. 

Não por acaso o nome dado à jurisprudência que ordena a execução da pena após o julgamento em duas instâncias carrega o termo “provisória”. É uma gambiarra jurídica tornada válida por ministros conforme a casualidade. Já que não pode alterar a Constituição, que compreende função parlamentar, o STF decide sobre em um caso específico que esteja sob seus cuidados, um habeas corpus, por exemplo, e acrescenta o instrumento chamado de “repercussão geral”, para que todo o sistema jurídico entenda aquela decisão como recomendação dos ministros. Esse tipo de gambiarra gera as Ações Declaratórias de Constitucionalidades, as ADCs, que questionam possíveis incongruências com a alteração de pontos da Constituição por caminhos que não são as Emendas Constitucionais. 
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No caso da prisão após a segunda instância a alteração só viria através da convocação de nova assembleia constituinte, por ser o 5º artigo, que dispõe sobre o “trânsito em julgado”, uma cláusula pétrea. Em linhas gerais, apenas em uma nova Constituição mudaria o entendimento que prevê o cumprimento da pena após a passagem do processo por todas as instâncias judiciais do País. 

Há duas Ações Declaratórias de Constitucionalidades acerca da execução da pena após 2ª instância sob a relatoria do ministro Marco Aurélio Mello. O ministro pretende colocar o tema "em mesa" - quando um ministro apresenta a demanda para ser ou não pautado pela presidente da Corte - a partir de uma liminar do Partido Ecológico Nacional, o PEN, que pede a não prisão de condenados em segunda instância até que se revise a jurisprudência pelas ADCs. Marco Aurélio deve fazer isso na sessão plenária do STF da próxima quarta (11). O tema passará por votação entre os ministros e, se houver maioria, será inserido na pauta do pleno para a quinta-feira (12). Nas ADCs, há rumor de que, por seis votos a cinco, os ministros decidam pelo veto à prisão antes do trânsito em julgado, como prevê a Carta Magna, e, portanto, a libertação de presos condenados em segunda instância nos moldes explicados no 2º parágrafo deste artigo.

Neste resumo das atividades dos ministros do STF em relação à prisão após o julgamento em segunda instância, percebe-se que a negativa dos ministros Luiz Edson Fachin, Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Luiz Fux e Cármen Lúcia, ao não conceder o habeas corpus preventivo ao ex-presidente Lula, se tratou de uma decisão insegura juridicamente, além de ir contra a Constituição, apesar do aval da atual jurisprudência. Enquanto os cinco ministros que votaram pela concessão do habeas corpus baseavam seus votos na Constituição, os seis que votaram contra pareciam compor algo que o tempo, certamente, mostrará ter sido orquestrado. Algo que pode ser resumido em: “prende-se para saciar o atual Brasil punitivista (clique!) e compor o espetáculo da prisão, e então liberta para que se cumpra e respeite a Lei”. 
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A decisão do STF, já madrugada de quinta-feira (05), deu o tom para os dias que vieram depois.  Lula seria preso após o julgamento dos “embargos dos embargos”, último recurso disponível à defesa na 2ª instância, e isso poderia ser feito até terça (10). Em 26 de março, os desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, o TRF-4, em Porto Alegre, tinham “conhecido em parte dos embargos declaratórios [impetrados pela defesa do ex-presidente] e provido apenas correções de erros materiais, sem ‘qualquer alteração do provimento do julgado’”. Os movimentos causaram desalento àqueles que compreendem que, apesar da sentença condenatória, o processo envolvendo o tríplex da OAS, no Guarujá, não conseguiu criminalizar o ex-presidente (clique!).  O andamento célere do processo e a sentença do juiz Moro sem ter conseguido ligar a figura do ex-presidente Lula, o tríplex e contratos da Petrobrás, como acusa o Ministério Público, apesar de ter gerado ruídos entre juristas, levou Lula à prisão de maneira atabalhoada e teatral.

Flores, Gerum, Moro e compadre passando à frente da Justiça. Pouco mais de sete horas depois do encerramento da sessão no STF, já na manhã de quinta (05), Carlos Thompson Flores, desembargador-presidente do TRF-4, entrou no ar em participação no Jornal da Manhã, da Rádio Jovem Pan, para explicar como se daria a prisão de Lula após a decisão dos ministros do STF. Flores disse que aguardaria a defesa entrar com os “embargos dos embargos” na turma do TRF-4 e que, somente após esta fase, a primeira instância - o juiz Sérgio Moro - seria notificada para expedir o mandado de cumprimento de pena. Na mesma manhã, o presidente do TRF-4 participou também do Jornal Gente, da Rádio Bandeirantes, onde reafirmou que o ex-presidente Lula só seria preso após decisão da turma do TRF-4 sobre os “embargos dos embargos”.

Às 12h17min da mesma quinta (05), o procurador-regional da República, Mauricio Gotardo Gerum, acusador no processo de Lula, expediu ofício ao desembargador e relator da Lava Jato no TRF-4, João Pedro Gebran Neto, pedindo urgência no início da execução penal do ex-presidente. O procurador alega que Lula participa de uma “ação orquestrada, da qual participa ativamente, com dois objetivos básicos; evitar a prisão do prócer do partido, e o cumprimento de sua pena, e viabilizar sua candidatura à Presidência da República” e que “assume especial importância à presteza do início do cumprimento da pena, não só para estancar a sensação de onipotência [de Lula], mas também para evitar que esses movimentos manipulatórios das massas atinjam níveis que tragam dificuldades extremas para fazer valer a lei penal”. Às 17h31min, Gebran, que é amigo de longa data de Sérgio Moro, notificou a 1ª instância autorizando o cumprimento da ordem de prisão. Dezoito minutos depois, às 17h49min, Moro expediu mandado de prisão contra Lula concedendo “a oportunidade de [Lula] apresentar-se voluntariamente à Polícia Federal em Curitiba até às 17:00 do dia 06/04/2018, quando deverá ser cumprido o mandado de prisão”
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Ainda na quinta (05), Lula mostrou força e, destemido, refugiou-se em seu berço político, na sede do Sindicato dos Metalúrgicos, em São Bernardo do Campo. Na sexta (06), Lula não se deu por vencido e também não se entregou nos moldes de Moro. O sábado (07) chegou e com um Lula ainda mais forte, que deixou de ser “Ser Humano” para ser “uma ideia”, enquanto discursava para militantes em frente à sede do Sindicato em um culto ecumênico em homenagem ao aniversário da ex-primeira-dama Marisa Letícia, falecida ano passado (clique!).
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Somente no anoitecer de sábado (07), quase cinquenta horas após Sérgio Moro ter expedido o mandado, o ex-presidente deixou o prédio do Sindicato dos Metalúrgicos e se entregou à Polícia Federal para compor o circo/espetáculo da Justiça brasileira, que era acompanhado ao vivo, apenas do alto, pela emissora de tevê que “fala com 100 milhões de uns” e que clama pela prisão do ex-presidente há, ao menos, quatro anos. A dita-cuja emissora de tevê usou de helicópteros para fazer sua cobertura e driblar o fato de não ser bem-vinda entre aqueles que não defendem apenas a liberdade do ex-presidente Lula, mas, principalmente, o Estado Democrático de Direito.  

Aliás, subestima nossa inteligência quem – incluo a imprensa - trata o julgamento e prisão de Lula como questões de campo jurídico e não político. Repare que a mídia discute agora, no pós-prisão de Lula, quais serão as estratégias do Partido dos Trabalhadores para as eleições. 
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A arbitrariedade da Justiça em processos relacionados ao Partido dos Trabalhadores, especialmente àqueles que envolvam o ex-presidente Lula, é visível e se manifesta nas contradições dos discursos e das ações dos autopromovidos bastiões da moralidade. Luiz Edson Fachin é um exemplo de contrariedade e seletividade. O ministro age de maneira diferente, conforme o “paciente”, especificamente com relação à prerrogativa de Foro Privilegiado. 

O relator da operação Lava Jato no Supremo demonstra dureza com pitadas de impiedade em ações com condenados nas primeiras e segundas instâncias, ou seja, pessoas sem Foro Privilegiado, enquanto deixa prescrever processos e inquéritos de investigadores/acusados com prerrogativa de Foro.  Lembremos que o ministro se posicionou contra o “conhecimento” preventivo do ex-presidente Lula – o mesmo que abdicar de julgar.
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A presidente do Supremo, Cármen Lúcia, não é diferente.  Lembremos que ela foi bem mais simpática e ajustou uma saída pela tangente quando o “paciente” foi Aécio Neves (PSDB-MG),à época do áudio onde o senador negocia suposto pagamento de propina comJoesley Batista, e comentou que mataria o primo(clique!). Tem que ser um que a gente mata ele antes de fazer delação. Vai ser o Fred com um cara seu. Vamos combinar o Fred com um cara seu porque ele sai de lá e vai no cara. E você vai me dar uma ajuda do caralho”, negociou o senador eleito pelo estado de Cármen.

A ministra sempre utiliza do bem-estar da estabilidade jurídica – seu campo de atuação – e social do País para justificar suas decisões, preferiu não fazê-lo no caso da prisão de Lula. Ela não quis pautar as ADCs, quando, ao menos, cinco ministros da Corte querem rever a prisão em segunda instância, e “fulanizou” a discussão com Lula, e preferiu assistir a convulsão social que elevou às tensões por todo o País. 
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Os últimos dias foram de confrontos não somente entre manifestantes prós e contra a prisão de Lula, mas também contra profissionais de imprensa. Do manifestante favorável à prisão de pessoas a torto e a direito, mesmo que sem fundamento, ao manifestante que se posiciona contra o encarceramento, mas entende que há um clima de ódio disseminado por parte da mídia e, por impulso, ataca profissionais, a violência tem de ser repudiada em todas as instâncias. O mesmo vale para a imprensa que, pode não participar do circo odioso, mas também não tem denunciado maus profissionais, geralmente histéricos, que não fazem outra coisa que não criar e alimentar um clima de inquisição e de exceção. É um círculo vicioso que precisa ser combatido e deixar de ser fomentado.
Imagem: Jornal Folha de S. Paulo;
Ao final, conseguiram. Levaram a figura política mais popular do País à prisão. Lá está Lula, em uma “sala de Estado-Maior” de 15m² com banheiro privativo e um aparelho televisor, na Superintendência da Polícia Federal paranaense, em Curitiba. Antes de ir, Lula avisou que “quanto mais dias me [Lula] deixarem lá [preso], mais Lulas vão nascer no país. Todos vocês [militantes] vão virar Lula.”


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Apesar de todos os erros, principalmente com suas alianças políticas – muitas contestáveis -, o ex-presidente Lula é merecedor do apoio que tem entre os mais pobres do País. Ele buscou, com relativo sucesso, alterar a ordem social e colaborou com um processo amenizador de problemas antigos do Brasil como a pobreza extrema e, para aqueles que chamam Lula de extrema esquerda, a inserção das classes menos abastardas no sistema capitalista, com a distribuição de renda através de programas sociais e aumento real de salário. Lula foi além e implantou políticas que nada tem a ver com o "boom internacional das commodities" como o Estatuto da Igualdade Racial, Plano Nacional de Políticas de Promoção da Igualdade Racial, Plano Nacional de Políticas para Comunidades Tradicionais de Terreiros, entre outras ações no campo social. O mesmo vale para o Plano de Cisternas, política de construção de cisternas para armazenamento de água em regiões do sertão do nordeste que foi segundo lugar no Prêmio Internacional de Política para o Futuro 2017, da organização alemã World Future Council em parceria com a Convenção das Nações Unidas de Combate à Desertificação. Para não estender-me, não vou mencionar programas de bolsas e financiamento à estudantes no ensino superior, e intercâmbio pelo extinto Ciências sem Fronteiras.

Além desta justificativa “petista”, “esquerdista” ou “lulista”, os autos e toda a tramitação do processo, incluindo a celeridade, observando as contradições e cerceamento da defesa do ex-presidente mostram que não trata-se de Justiça e sim perseguição. E mais, até onde sei, Lula não deixou de ser cidadão brasileiro, portanto também tem direitos assegurados pela Constituição e eles precisam ser defendidos. 

 Vídeo: Reprodução / Canal "Partido dos Trabalhadores", no Youtube;

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Claudio Porto

Jornalista independente.

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1 comments so far,Add yours

  1. Perfeito Claudio, esse texto ressalta tudo que tenho afirmado nas minhas redes em relação a isso, á parte a questão do julgo do mérito da ação, o qual claramente se viu uma atuação político-ideológica do judiciário (o que não é papel do judiciário), uma celeridade além de qualquer outra que caracteriza Lula como alguém que deva ser tratado com mais dureza que qualquer outro investigado, o que anula o princípio de que "todos são iguais perante a lei" e ressalta sim uma perseguição política e um aparelhamento ultraconservador e de setores econômicos do judiciário.

    Tal os próprios juristas (desde Moro até o STF) estão desrespeitando a lei, a própria Constituição bem como as próprias atribuições que eu não duvido nada que no protelado julgo desta ADC, se considere constitucional o inconstitucional, em ocorrendo isso ou se fecha o Supremo ou não precisa haver mais Congresso, lei, Constituição. Se chegarmos a este ponto, será o fim do Estado Democrático de Direito, estaremos numa "Anarquia Destro-Fascista".

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